Por uma questão de sobrevivência, procuro acreditar que a dor na coluna vá acabar em, no máximo, uma hora, e que o queijo canastra há de durar uma semana. Normalmente acontece o contrário, mas ser realista fultaime não é lá muito reconfortante. A vida pede equilíbrio entre o bom senso e o pensamento mágico. Entre o que berra a experiência e o que sussurra a esperança.
Aquela paixão fulminante, à primeira vista — que nos faz em 15 minutos já querer dormir de conchinha pelo resto da existência — é como o socialismo: nunca deu certo em lugar nenhum, mas a gente acha que vale a pena arriscar mais uma vez. Porque agora vai ser diferente… E não é. Nunca é. O mundo se rege, inexoravelmente, pelas leis da física. Ainda que tentemos — principalmente durante o namoro —, dois corpos não poderão ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo.
Depois, no casamento, entra em cena a lei da inércia: todo corpo em repouso tenderá a permanecer no mesmo estado, a menos que algum tipo de força o obrigue a mudar de direção. Essa força nunca virá com bons modos. Nas DRs e no processo de divórcio, a cada ação corresponderá a uma reação de igual intensidade, e em sentido contrário. E o que se esgarçou não poderá ser remendado. Esse é o mundo real, objetivo. Viver nele é compulsório, mas viver só nele é um desperdício. Para isso é que existe a imaginação: para burlar a lei da gravidade, e provar que um corpo atrai outro corpo com uma força que é diretamente proporcional ao quadrado da distância que os separa — o velho “longe dos olhos, perto do coração”.
Para negar as leis da termodinâmica: quando dois (ou mais…) corpos trocam calor entre si, a soma algébrica das quantidades de calor trocadas é tudo, menos nula. Para deitar por terra a teoria que diz que energia não se cria, nem se perde, apenas se transforma. A vida real contém sódio, lactose e glúten; tem gordura trans, arde nos olhos. Na fantasia, ao contrário, tudo é compatível, não há contraindicações. Dosar o palpável e o ilusório, substituir na memória o que foi pelo que devia ter sido, entender que não se pode mudar a realidade — mas que a percepção da realidade é um sensor que cada um pode ajustar — tudo isso ajuda a manter a coluna ereta e o coração tranquilo.
Nada é possível fazer quanto ao queijo canastra — que há de ficar menor a cada pedaço comido. Ou quanto ao tempo — nem perca tempo tentando resgatar o tempo perdido. Mas no que concerne ao desejo, o céu — o além do céu — é o limite.
[A persistirem os sintomas de concretude, uma canção romântica, um filme assistido na infância ou um texto poético deverão ser consultados.]
(Foto: reprodução Pinterest)