Angelus Silesius, médico-pensador do século XVII, escreveu uma poesia com o título “Sem porquê”: “A flor é sem porquê, floresce por florescer, não olha para si mesma, nem pergunta se alguém a vê”. A poesia me parece falar do mistério da vida ou da realidade, ambas sempre muito mais complexas do que podemos supor.
Com flores e jovens — sinônimos por licença poética —, sempre nos encontramos em toda parte. Com o relaxamento da quarentena, eles lotaram os bares do Leblon e da Baixada Fluminense, os bares da Barra, as calçadas de Bangu, a Cobal de Botafogo e os botecos do Rio das Pedras.
Uma visão imediatista e simplória pode julgar que os jovens não desejam coisa alguma além de se divertir e confraternizar, fazendo parecer que não temem a aura de morte do vírus chinês. Triunfalismo, imprudência, atitude corajosa?
As redes de TV mostraram incontáveis jovens como se estivessem comemorando o fim da pandemia que não acabou. Obviamente que eles sabem disso, mas, então o que comemoram? Seria algo que a vida, pouco a pouco, vai tirar-lhes: a juventude?
Tal sentimento de perda pode ter sido aumentado pela quarentena. Diante desse luto, causa e efeito não parecem preocupá-los. Por isso causam horror em muita gente, que os censura pelo egoísmo — que pode até existir —, mas não se pode entender isso de forma simplista.
Um setor da mídia abordou o fato como sendo político. Em ressonância a essa interpretação, um conhecido compositor rotulou melancolicamente os jovens de “inocentes do Leblon”. Porém, com todo respeito a esse compositor, os jovens não são “inocentes do Leblon”, nem de Bangu, nem de qualquer lugar.
Quando um saber ultrapassa nossas capacidades, podemos proteger-nos com certezas imaginárias do que somos e sobre o que deveríamos ser, e querer ditar regras. Um incontável número de pessoas navega pelo mundo através de realidades imaginárias baseadas na lealdade a grupos, culturas, partidos políticos, tradições e ídolos. Pelo imaginário, fogem das ansiedades sem saber que vão de encontro a elas; o mito de Édipo é exemplarmente gritante desse fato.
A psicanalista Melanie Klein pensava que, na raiz de todas as ansiedades, encontra-se o medo da morte. Freud e seu biógrafo Ernest Jones argumentaram contra isso, dizendo que não se pode temer aquilo de que não se faz ideia, e que é psicologicamente impossível formar uma ideia positiva de uma coisa tão negativa como nada ser. No entanto, isso era apenas um jogo de palavras, pois, se não podemos formar uma ideia do que é estar morto, podemos certamente formar uma ideia e temer a experiência de morrer.
Enfim, tratava-se de concepções distintas tentando dialogar, mas não existe razão, a priori, pela qual não possamos ter ambas as posições. Buscar a morte e temer a morte não se implicam necessariamente, e não se excluem.
O terrorismo estatal, ao infundir o medo da morte, julgava salvar vidas. Entretanto, o medo, ao virar terrorismo político, foi operacionalizado para salvar a incompetência do Estado em prover atendimento médico, contendo as pessoas em casa, privando-as de muitas coisas da vida, causando desemprego e falência de muitos setores.
Tal ambiguidade fez o medo da morte ascender de forma grave, causando ansiedades, que se tornaram tão sofridas, a ponto de, em muitos cidadãos, inconscientemente, surgir a vontade de morrer para delas se livrarem — um paradoxo cruel, que se exterioriza na contradição presente em todas as discussões que confrontam isolamento social e reabertura. São discussões que parecem não chegar a lugar algum, causando mais ansiedade.
Se existem nos jovens, as contradição fazem parte peculiar da própria juventude, e a tensão provocada deve ser alvo de diálogo. Esclarecer, com educação e respeito, é sempre melhor do que se valer de mais terrorismo e mais posições moralistas e arrogantes para diminuí-los e rotulá-los.
As mudanças nas relações e métodos sociais demandam uma reestruturação das relações, com o consequente convite aos indivíduos para que pensem e tolerem alterações em seus padrões de defesas contra as ansiedades derivadas do medo da morte. Estabelece mostrar que existe o inconsciente em ação.
Portanto, uma mudança social efetiva requer análise profunda das ansiedades e dos conluios inconscientes subentendidos nas defesas sociais que determinam as relações na trama social-histórica. Trata-se de uma tarefa muito difícil, que depende do crescimento organizado da Educação e do desenvolvimento da autonomia social, o único elemento que permite nadar contra a correnteza dessas forças de tirania e morte que produzem desordem e deterioração social.