O casal que atravessa pandemia junto, permanece junto. Acabamos de testemunhar a afirmativa, no caso dos personagens, totalmente “vida real”. No entanto, parece clichê de novela: a modelo catarinense-e-cidadã-do-mundo Aline Weber teve um daqueles momentos “amor à primeira vista”, há dois anos, quando conheceu o atual noivo, o índio Pigma Amary, numa viagem de 10 dias a uma aldeia do Alto Xingu, no Mato Grosso, a 1.500 quilômetros da sua cidade natal.
O relacionamento evoluiu, e a vida mudou. Depois de 13 anos de Nova York, desfiles e campanhas internacionais, Weber voltou a morar no Brasil, especificamente em São Paulo, e Pigma saiu do Xingu, onde trabalhava como enfermeiro, para encarar a selva paulistana desde o início do ano.
Além da química, ambos têm em comum a paixão por causas sociais: ela, dedicada aos animais e ativista do meio ambiente; ele, ativista indígena e enfermeiro voluntário do combate ao coronavírus, atualmente longe da noiva, no Alto Xingu, para tratar os conterrâneos infectados.
Até hoje, no Território Indígena do Xingu, foram 22.233 casos confirmados e 419 mortes. Há duas semanas, Pigma atua em todas as regiões do Alto Xingu, cuidando dos pacientes com Covid-19, enquanto Aline usa sua popularidade para fazer um apelo: “Não têm respiradores na aldeia nem exames para detecção do vírus. As áreas são remotas e, por isso, são raros os profissionais de saúde por lá. A população do Xingu está morrendo. O governador do Estado (Mauro Mendes) não tem atendido aos apelos. Junto com os índios, morrem nossas raízes”.
Isso tudo, depois de o Presidente Jair Bolsonaro vetar vários trechos de projeto de lei aprovado pelo Senado e pela Câmara dos Deputados que considerava os povos indígenas, as comunidades quilombolas e demais povos tradicionais “grupos em situação de extrema vulnerabilidade” e, por isso, de alto risco para emergências de saúde pública.
O que mudou em sua vida depois de conhecer o Xingu?
Fiquei encantada com a recepção de todos, a humildade, além da cultura, que é muito viva e rica no dia a dia. Já imaginava que a viagem seria especial, mas, depois que conheci a cultura de perto, fiquei fascinada. Eles são guardiões da floresta, prezam pela natureza e são muito carinhosos com os familiares. Passei a valorizar ainda mais coisas que são tão simples, puras e essenciais.
Você e Pigma se conheceram ali também…
Aline — Em 2018, vi o Pigma na aldeia e fiquei encantada. Ele saiu muito jovem de lá, para estudar, e é muito atencioso com todos. O primeiro beijo não aconteceu ali, mas algum tempo depois, numa viagem que fizemos para a Chapada dos Veadeiros. Eu morava em Nova York (EUA), e ele, no Brasil. Nos falávamos todos os dias. Dois meses depois, fui a Água Boa (MT), para encontrá-lo. Ele estava estagiando, naquele momento, como técnico em enfermagem. A cada 30 dias, dávamos um jeito de nos encontrar.
Pigma — Eu a vi, e foi amor à primeira vista, sim. Fiquei com vergonha. Não nos falamos logo no início, mas, depois de algum tempo, começamos a conversar na aldeia. Depois disso, ela viajou para outra cidade, e nos falamos pelo Instagram. Ela tinha ido para a Chapada dos Veadeiros, e fui até lá. Foi assim que tudo começou.
Você é bem engajada em algumas causas, como a dos animais. Durante a pandemia, como você atuou?
Recentemente, fiz um bazar beneficente, através do meu Instagram, para uma ONG que ajudo há quase oito anos, que é a Amigos de São Francisco. Arrecadamos aproximadamente R$ 4 mil, inteiramente destinados aos animais. Eles cuidam de animais abandonados e viabilizam o processo de adoção. Agora, estou tentando conseguir auxílio e atenção dos órgãos públicos para que enviem ajuda ao Xingu, para o combate à Covid-19. Por lá, estão faltando medicamentos, respiradores, equipes da saúde… Enfim, faltam muitas coisas. Enquanto a ajuda dos órgãos públicos não chega, o Instituto de Pesquisa Etno Ambiental do Xingu- IPEAX está recebendo doações. Quem puder colaborar: Banco do Brasil – Agência 1319-6 – Conta 13.865-7 – CNPJ 07.281.382/0001-18).
Ficou insegura em algum momento com Pigma na linha de frente da Covid-19?
Ele trabalhou na emergência da Covid-19, num hospital de São Paulo, por três meses, e agora está, há duas semanas, trabalhando voluntariamente, no Xingu. Em casa, quando ele chegava, ia direto para o chuveiro e deixávamos as roupas do trabalho separadas. No hospital, fazem diariamente todos os procedimentos de higiene e cuidados necessários.
Quando e como foi a decisão de voltar ao Brasil, tendo uma carreira firme em NY? E para Pigma, como foi sair do Xingu e se mudar para SP?
Aline — Essa decisão foi em dezembro do ano passado. Morei nos Estados Unidos por 13 anos, e achei que estava na hora de voltar, para ficar mais próxima da minha família e das pessoas que amo. Durante a pandemia, todos os trabalhos que estavam agendados foram adiados. Vejo agora que, aos poucos, as pessoas estão voltando, mas tudo em um ritmo mais devagar, claro, e com muita precaução. Foi desafiador. Hoje, moro em São Paulo, com meu noivo e meu cachorro.
Pigma — Me mudei no fim de março para trabalhar no combate à pandemia, como enfermeiro, no hospital São Luiz para um serviço temporário. Então me aprofundei no tratamento à Covid-19 e assim pude voltar para o Xingu, onde estou agora, e ajudar a combater a pandemia por aqui.
Voltando à moda, como acha que será o mercado da moda pós-pandemia?
Eu acredito que todas as prioridades no mercado da moda — e no mundo — vão mudar. Também acredito que tudo será mais digital do que nunca.
E Pigma, qual a maior dificuldade em trabalhar no Xingu?
Está faltando medicação, seringa, cateter, teste, respirador… Faltam muitos materiais e estrutura para podermos dar atendimento. Estou atuando em toda a região do Alto Xingu, diariamente. Muitos pacientes apresentam sintomas, inclusive, perdi meu cunhado recentemente e um senhor que acompanhei na semana passada — situações em que fiquei extremamente sensibilizado. Tenho afeto pelos pacientes, gosto de abraçar, queria poder fazer isso, mas agora não pode, todos precisam se cuidar. O trabalho é difícil: ver as pessoas sofrerem sem tratamento necessário — não tem nem medicação pra amenizar febre, não tem material. Os que precisam de respiradores, aqui não tem. É difícil. Faço quase 20 consultas por dia, visitando aldeia por aldeia, mas sem medicamentos e equipamentos, é muito complicado oferecer o tratamento necessário.