Um ministro do Supremo Tribunal Federal (o nome não importa para o que penso ser importante destacar) declarou que “liberdade de expressão não é liberdade de agressão”. Certamente, essa afirmativa não se trata de uma opinião jurídica (para a qual é pago para dar), mas de uma posição moral, que, como qualquer outra nessa categoria, exibe a tentativa de impor alguma censura através de conceitos particulares do que seriam liberdade, expressão e agressão.
O problema dessas colocações é psicológico, e muito frequente. Muitas pessoas usam conceitos que não sabemos realmente o que significam, tal o grau de generalização insípida com que são empregados. O que de fato me deixou surpreso foi assistir a um antigo vídeo que circula pela Internet, em que o próprio, quando ainda não era ministro, esbravejava e atacava o STF. E, pelo que se sabe, ninguém o censurou por sua liberdade de expressão que, sem dúvida, é sinônima de agressão por conta de sua insatisfação.
Além da possibilidade comum de afobação emocional na comunicação, fico com a hipótese de que se trata de mais uma dessas frases de efeito, tão comumente proferidas para fingir uma verdade. Ao pronunciá-la, um histórico de contradições pessoais internas vem à tona, deixando entrever a hipótese de uma conceituação extremamente inconsistente e incoerente: a velha prática de dois pesos e duas medidas.
A questão que fica é a seguinte: sobre o que ele fala quando se refere a liberdade, expressão e agressão? Sendo o Brasil um país democrático — apesar dos esforços em contrário dos muitos que falam “em nome” da democracia e assim julgam preservá-la -, ela pode, por si mesma, determinar o excesso nas expressões, quando destrutivas, e suscitar elementos para mediá-las, se for o caso. No entanto, parece não ser o caso, uma vez que o órgão competente para coibir violência (que é subjetivamente diferente de agressão), que seria o policial, nem sequer foi convocado no momento. Talvez, porque entenda que se trata apenas de hipérbole dirigida a ouvidos esconsos.
Existem certos hábitos de comunicação que deixam entrever a eterna questão do autoritarismo das elites governamentais brasileiras. Eles sempre têm a consequente impossibilidade de perceber, fora de uma visão teológico-política, aquilo que, de fato, ocorre com o cidadão comum: suas insatisfações, sofrimentos, dificuldades de toda ordem, e também anseios. Digo, teológica porque as ideologias políticas no Brasil, havia muito tempo, deixaram de ser vértices de debate e se transformaram em questão de fé cega e fanatismo. Tornaram-se, no mínimo, uma doença social.
Os brasileiros, certamente, não desejam uma corte que, ao mesmo tempo, investiga, julga, condena e não deixa possibilidade de apelação, agindo à moda de um tribunal nazista ou leninista. Enfim, um teatro totalitário, que determina ações policiais retaliatórias — que passam por cima do Ministério Público —, invadindo e confiscando bens de cidadãos sem a presença de advogados de defesa.
Se isso não é o que a Ditadura fazia, então trata-se de psicose coletiva. Assim, se alguém está sendo antidemocrático, não são os cidadãos que protestam contra as insanidades do STF; dentre muitas, penso que a mais terrível é manter indivíduos condenados em segunda instância soltos e cometendo continuadamente crimes graves.
Os princípios jurídicos básicos evidenciam que a vítima não pode ser o juiz do caso. Contudo, esse princípio de imparcialidade foi rasgado e lançado ao lixo, de modo totalitário. Sabemos que o Senado tem o poder para coibir os abusos do STF — seria nossa corte constitucional de apelação; porém, quando se pensa nisso, não se pode evitar o riso irônico.
Não nego a dificuldade de se estabelecerem comunicações dialéticas, como fez o ministro, pois elas devem evitar tanto a correção lógica da identidade quanto a licença da lógica da diferença ou o falso apaziguamento da dialética. Lamento, mas isso não o vejo sendo capaz de fazer. Não o percebo conseguindo evitar os males da dialética que chega sempre aos ápices da pomposidade empostada. Pois, para evitá-los, é preciso admitir a incerteza, o real subproduto da liberdade, e assim usar as palavras com mais apuro, prestar conta delas, como dizia Guimarães Rosa.
Além disso, penso que é preciso ter conhecimento de que existem teologias políticas em vez de políticas reais, e que todas as teologias seguem modelos típicos do Antigo e do Novo Testamentos, sendo o mais falante deles a luta “fratriarcal” sobre o horizonte de redescobertas possíveis. Se irmãos estão brigando, é preciso indagar se o exemplo não provém dos pais. Mais uma vez, questões edípicas inconscientes mostram onde há necessidade do psicanalista.
Certamente, a existência humana é existência política. Contudo, a existência é também psicológica e poética, e, no seio dos textos bíblicos, existe uma poética do amor ao próximo que nos faz todos iguais, destogados e desapegados de mesquinharias vaidosas. Reconhecer esse elo de amor não nos faz mais ou menos religiosos, apenas mais éticos e mais humanos.
Para empregar uma linguagem weberiana, que deveria ser do conhecimento dos togados, digo que os modelos só atingem a política, alimentando uma moral de convicção, como é a do citado ministro. Essa moral, porém, é sempre irredutível à Cultura da Responsabilidade, que, não nos esqueçamos, é também a do uso limitado espontâneo da violência.