Estamos completando a segunda semana de confinamento; eu comecei um pouco antes. Como já estava tossindo, achei melhor me recolher para não arriscar caso fosse o Covid-19 — não colocaria ninguém em risco. Estou bem, passaram-se uns 15 dias e não tem como saber se realmente foi o coronavírus ou apenas uma gripe comum. Esse período de quarentena, mais do que necessário, diga-se de passagem, acelerou a queda da minha ficha: vem me fazendo refletir bastante sobre o momento que estamos vivendo. É exatamente essa reflexão que gostaria de compartilhar.
Todos nós estamos angustiados, apreensivos, com medo, sem saber o que vai acontecer. A gente recebe uma quantidade imensa de informações dos grupos de WhatsApp, das redes sociais, canais de notícias, ainda mais agora que o presidente, ministros, governadores e prefeitos têm posições diferentes em relação ao tema; enfim, o medo é mais do que compreensível. É o medo desse vírus maldito que mata como uma verdadeira guerra invisível; medo do que vai ser do amanhã; do que será da economia; de como as empresas vão se reerguer e se haverá crédito, entre muitos outros. E se tem uma coisa que posso afirmar é que o desafio será monstruoso.
Será muito difícil o retorno de uma paralisação como esta, a saída da inércia para um mercado que já não vinha de vento em popa. Será um grande desafio para todos, não apenas para a minha área de atuação.
Entretanto, não podemos esquecer que viemos há quatro, cinco anos de muitas dificuldades. O estado do Rio foi desmontado por governantes do passado. Tivemos uma grave crise de segurança, que resultou em intervenção federal, e o país passou por uma grande crise política e enorme recessão, o que também não facilitou em nada. No entanto, nem por isso o carioca deixou de empreender e de realizar. Com isso, percebemos que temos a capacidade de passar por cima de qualquer crise que seja colocada à nossa frente.
Sentado à minha mesa de jantar, comecei a montar um quebra-cabeça. Quem já montou um quebra-cabeça como o que estou montando agora, de mil peças, todas muito parecidas, com cores semelhantes, sabe da dificuldade que estou mencionando. Já tentei montar umas três ou quatro vezes antes; sempre acabei desistindo, pois não sabia por onde começar. Comparativamente, percebi que será como o que vai acontecer com a gente. Olhando para frente, não sabemos como será nem como iremos recomeçar. E esse grande quebra-cabeça é como a vida de todos nós quando a curva de contaminação finalmente cair e formos liberados deste confinamento.
Ele terá que ser encarado. Mas a grande beleza da vida é que, quando você se dá conta de que realmente não tem para onde correr, você acaba achando um jeito de começar: separando as peças por cor e laterais; de repente, ele está quase pronto. Nosso desafio é assim: não saberemos por onde começar, teremos muitas dificuldades, mas, se isso for transformado em um trabalho de todos, como o quebra-cabeça aqui de casa, que foi montado pela minha família (minha mulher, Marcela, minha filha Teodora e eu), se for encarado como um caminho a ser percorrido e vencido, cada um em seu papel, vamos conseguir dar a volta por cima.
Em um futuro bem próximo, cada um terá um quebra-cabeça para montar. Teremos que passar por sacrifícios, teremos que separar as nossas pecinhas, antes de começar a parte mais divertida, que é o encaixe delas, mas, com empatia e vontade, venceremos. Acredito que toda a cadeia de produção, chegando ao consumidor, terá que fazer concessões: o senhorio vai ter que abaixar o aluguel, o governo vai ter que repensar impostos, o intermediário vai ter que diminuir seu preço, o grande fornecedor vai ter que alongar seu prazo, nós, comerciantes, teremos que entregar cada vez mais e por menos, e o cliente terá que vir para a rua consumir.
E, como em um difícil quebra cabeças, se cada um se comprometer com o seu pedacinho, nós, cariocas e brasileiros, mataremos mais essa no peito.
Pedro de Artagão é cozinheiro, chefe de cozinha cofundador do grupo Irajá, com cinco restaurantes no Rio. É carioca e otimista!
Foto: Tomas Rangel