Sou filho de imigrantes judeus de primeira geração por parte de pai e de segunda geração por parte de mãe — judeus expatriados por força de uma perseguição implacável, entre as Grandes Guerras. Chegaram em meados dos anos 1930, acolhidos e integrados em terras brasileiras. Aqueles parentes que ficaram foram brutalmente assassinados, assim como outros 6 milhões de judeus, padres católicos, ciganos, homossexuais, deficientes e mais tanta gente que, somadas, ultrapassam os 30 milhões.
O horror do genocídio em prol de uma loucura que mobilizou a maior parte da sociedade alemã é uma mancha indelével na História da humanidade. Minha ascendência, como a de milhões de pessoas, jaz por conta de um projeto dito nacionalista em uma sociedade onde a cultura e a guerra seriam o lastro da grande nação ariana. Foi também, em nome da “Revolução Cultural”, que Mao Tsé Tung eliminou estimados 60 milhões de chineses. Através da cultura dirigida pelo Estado, preconizou-se, em diversas épocas e latitudes, a grande transformação política e social de um país.
O discurso do ex-secretário de Cultura do Governo Federal, Roberto Alvim, até então, um nada ilustre desconhecido, com sérios traços de recalque e frustrações diante de seus pares, escancarou sem rodeios a vocação nazista de um projeto sobre o dirigismo e o vocacionamento da cultura nacional.
Difícil dizer quão alinhado estaria o governo a essa proposta. Porém as reações iniciais ao pronunciamento do secretário da Cultura, de fato, demonstram quão longe a sociedade está de fatos históricos e o tamanho do desconhecimento sobre esses fatos. Não se iluda de que, da mesma maneira que ocorre em diversas partes do mundo onde o vírus do Nazismo ganha adeptos, neste Brasil de hoje, encontramos campo fértil para a eclosão de manifestações como a do protonazista já defenestrado de sua cadeira.
Seguramente, o verme foi longe demais em seu pronunciamento; contudo, não nos iludamos, trata-se do ovo da serpente. Se não houver uma enérgica e atenta reação da sociedade, outras, e mais outras, e mais outras versões de Nazismo explícito serão observadas. Como mencionado acima, sou filho de judeus imigrantes. Sou um judeu brasileiro orgulhoso de seus antepassados, de sua história, de sua cultura e de tantas contribuições e ensinamentos de nosso povo para a melhoria das condições da humanidade. A História mostra também que, por milênios, tanta perseguição e sofrimento passaram nosso povo. Basta! O momento é de resistência! Não apenas da comunidade judaica brasileira como também de todos aqueles que só acreditam em uma sociedade avançada e civilizada através da democracia, dos direitos humanos, da liberdade de expressão e artística.
A liberdade para a evolução do conhecimento e da cultura é o pilar de uma grande nação. A verdadeira cultura não é a imposta pelo Estado, mas, sim, aquela imposta pela Liberdade. Rendo aqui uma homenagem à parte de minha família que pereceu nas garras dos monstros que inspiraram o discurso desse malfadado e frustrado ex-secretário de Cultura. E rendo homenagem a todos nós, brasileiros, que nunca aceitaremos o avanço da cultura nazista no Brasil.