O psicanalista francês Jaques Lacan, uma das principais referências autorais da psicanálise, “profeticamente” expôs que a consequência da decadência na cultura do que chamava de “imago paterna”, levaria ao triunfo da tecnologia como instrumento de um novo liberalismo sem pudores, despido de seus clássicos disfarces morais e ideológicos.
Entendo que Lacan nomeava de “imago paterna” aquilo que, no discurso, cumpre a função de organizar e formalizar as peças soltas do funcionamento psicossocial-histórico do ser humano. Seu enfraquecimento leva ao descrédito os seus representantes humanos na trama social, e os conceitos de certo e o errado passam a ser determinados pelo quase caótico funcionamento das redes sociais, e do imediatismo comercial da mídia oficial, moda etc.
Quando a aparência toma conta sem discussão de qual seria a sua essência, estamos diante da ausência de qualquer possibilidade de negociação cultural — assim se expressou o psicanalista britânico W. R. Bion, outra grande referência autoral da psicanálise, sobre as falhas das imagos materna e paterna.
Tomemos como exemplo um desses principais representantes: os professores.
As instituições de ensino particulares — com raras exceções — transformaram-se em linha de produção de alunos para ter sucesso no vestibular e ganhar o mercado. O aluno passou a ser “cliente” da empresa, e vale o dito: o cliente tem sempre razão. O professor não pode mais enfrentar o aluno que deseja destruir o seu trabalho na escola. Se surge um “aluno-problema”, a empresa psicologiza os fatos. Cabe agora — na ausência da “função paterna” da escola — ao psicólogo ou psiquiatra ou psicanalista resolver o “problema”. Entretanto só se conseguem antídotos, medidas pontuais, nunca as soluções.
A escola privilegia a tecnologia na educação, sem a qual o aluno não terá sucesso no mercado. Com isso, formam-se os novos semianalfabetos, indivíduos ignorantes do passado e do acervo cultural que os cerca.
Quanto à escola pública, as coisas são piores, pois, sem o respaldo da organização empresarial, os professores passaram a ser agredidos, desprezados, chegando até a apanhar fisicamente. Não podem defender-se; não têm a quem reclamar. Saem, muitas vezes, humilhados, tendo que, para sobreviver — com um mínimo de dignidade —, exercer jornadas de trabalho que chegam a mal remuneradas 14 a 16 horas, seis dias por semana.
Estranho que tantos professores não consigam ver como a política estatal transformou-os em mercadoria barata graças às falsas promessas de que vão retirá-los da área dos excluídos do consumo. O Estado paga mal para fazer falsas promessas políticas de melhor pagamento, culpando o mercado por não o fazer; porém, as leis e os mecanismos do mercado e do Estado são os mesmos. Nunca o Estado populista — de qualquer vértice — concretiza a melhoria dos salários dos professores.
Se fosse verdade que o populismo respeita os professores, após terem passado 22 anos no poder, eles deveriam ser a classe social que teria — por sua crucial importância — a melhor remuneração. Um dos efeitos venenosos da dialética da era tecnológica é o chamado discurso “politicamente correto”, que precisa admitir o cultivo de formas alternativas de ser, de amar e de desfrutar o prazer. As diferenças, no entanto, são facilmente aceitas desde que não comprometam nem confrontem os interesses do mercado.
Setores amplos da política se apropriaram do discurso “politicamente correto”, na realidade, um discurso hipócrita que destrói a “imago paterna” e faz de conta que aceita as formas dissidentes de existência, em troca de uma não oposição à sua sede e ganância por poder. É no mínimo chocante o que esses setores falam nos bastidores dos “diferentes”; os famosos “duas caras” estão à vontade nessa seara.
Todavia, aqui e ali, os políticos sempre escorregam em sua “defesa das liberdades”, expressando seu preconceito arraigado contra as diferenças, pois nada mais ameaçador para o politicamente correto do que as diferenças com capacidade para pensar. Entretanto, como é muito comum, a atitude dos políticos é chamada de “gafe” pela mídia oficial conivente.
O “politicamente correto” aceita a diferença sempre, e quando essa pode se assimilar à normatização do sistema global, transformando-se em novo produto, desde que não haja oposição ao poder governante. Não importa o partido.