Nasci antagônica, batizada como Morena Leite, carregando um nome que traz contrastes em suas raízes. Sempre fui curiosa e afetuosa, e o reflexo do todo esse meu ser simboliza uma cozinha colorida, doce e cítrica, crocante e cremosa, caliente e gelada — sempre executada com muito carinho. Cresci em Trancoso, uma esquininha do mundo, lugar que reúne simplicidade e sofisticação, em perfeita harmonia com quintais cheios de iguarias.
Nos cafés da manhã da pousada dos meus pais, recebendo e acolhendo pessoas de todos os cantos, comecei a observar que eles tinham comportamentos similares, dependendo de onde vinham — os mineiros, mais acanhados; os cariocas, mais expansivos; os italianos falavam cantarolando; os ingleses, mais contidos; os franceses, curiosos…
Fazendo o caminho inverso dos portugueses, resolvi sair de Trancoso, meu porto seguro, e experimentar o mundo. Com 15 anos, fui estudar na Inglaterra; lá, morei e dividi cozinha com uma cabodiana budista, uma russa judia, uma turca muçulmana. Através de seus hábitos alimentares, consegui entender muito sobre cada uma delas.
Passei um fim de semana em Paris e percebi que a comida significava mais do que uma necessidade fisiológica – era algo intrínseco na cultura, no modo de viver, de pensar, de agir. Os franceses não comiam para viver, viviam para comer. Foi então que decidi usar a cozinha como minha ferramenta de comunicação. Eu me mudei para a França, me formei no Le Cordon Bleu, onde, mais do que as técnicas gastronômicas, aprendi a valorizar o produto local. Voltei para o Brasil em uma imersão e pesquisa pelas raízes do nosso país. Rodei de norte a sul, para entender a identidade do nosso povo, as origens das nossas raízes, unindo nossas tradições culinárias com técnica gastronômica.
O reflexo de todas essas descobertas são seis restaurantes em São Paulo, Rio e Trancoso, uma empresa de eventos que faz desde pequenos jantares, em residências, a grandes eventos corporativos, até casamentos exclusivos em lugares especiais do Brasil e do mundo, com muito charme e autenticidade.
Hoje, com um time de 400 pessoas, temos a certeza de que o principal ingrediente do nosso negócio é a nossa equipe, pois pessoas felizes cozinham e realizam com amor, o maior de todos os temperos. Acredito que todos nascemos para deixar nossa marca na Terra. Transformo minha curiosidade em pesquisa, e sempre desse aprendizado, nasce um novo livro: já tenho oito publicados, mais quatro prontos e uma meia dúzia rondando meus pensamentos. Cozinhar sempre veio da minha vontade de nutrir, alimentar pessoas, compartilhar sabores e saberes.
Dessa semente, nasceu o Instituto Capim Santo, escola de capacitação de jovens em gastronomia, há nove anos; com seis unidades, já formou mais de 1.000 alunos e ganhou, neste ano, um importante prêmio de responsabilidade social. Para me reciclar e comemorar a minha maior idade gastronômica — 18 anos de formada no Cordon Bleu como chef de cozinha —, resolvi dar uma volta ao mundo. Parti como turista, rodando as melhores mesas e descobrindo os temperos e aromas dos cinco continentes. Acabei virando guia. No meio dessa viagem, fui convidada pela neta do Gustavo Eiffel para fazer um cardápio brasileiro em um lindo restaurante em Paris, a cozinha do Café d’ Homme, no Museu do Homem, que conta a história das civilizações, das raças e raízes da humanidade, línguas e linguagens dos seres humanos.
Paris virou minha base entre as viagens, para descobrir as especiarias da Índia, aromas do oriente, África e embaixadas do Brasil. E, na sequência, uma imersão na Ásia, que me conectou ainda mais com o meu primeiro pilar da cozinha saudável, seguindo meu DNA gastronômico e a minha vivência na infância da alimentação dos meus pais, que já foram macrobióticos, antroposóficos. Hoje, eles entendem que ser saudável é ter uma alimentação equilibrada, balanceada, com uma grande variedade de ingredientes e em menores quantidades. Meus pilares são cozinha saudável com técnica francesa e ingredientes brasileiros.
Na Indonésia, senti uma grande similaridade entre nossos ingredientes: jaca, fruta-pão, carambola, biri-biri, coco, capim santo… E também na energia do povo, com suas crenças, oferendas, gratidão e orações. E mais: felicidade no meio do caos, bagunça que se coordena, cozinha sem medida com muito afeto e intuição, identificação com minha filosofia de cozinhar. Coordeno minha equipe com amor, planejamento e técnica. Mergulho no verde e na sustentabilidade, elaborando uma comida que cura e acarinha. Trabalho seguindo valores, em cumplicidade com nossos fornecedores, parceiros, colaboradores e clientes, fazendo a corrente do bem crescer no ganha-ganha.
Morena Leite é chef de grandeza própria, sócia da atriz Marina Ximenes no restaurante Capim Santo do Rio (na Barra), se apresenta muito bem no texto acima.