“Será que ele é? Maria Sapatão” já foi tema de marchinhas de carnaval em um tempo em que a questão do gênero era obrigatoriamente definida, como se o desejo tivesse endereço certo. Amar, fazer sexo, se vestir-se, escolher a profissão… foi parte do mundo em que meninos vestiam azul e meninas vestiam rosa. Hoje, porém, as cores das roupas, dos cabelos, os amores, são uma paleta repleta de tons e semitons, todos os tipos de mistura e de direções. É deste mundo atual, contemporâneo, que trata “Menines”, de Márcia Zanelatto, com direção da autora em conjunto com César Augusto.
O espetáculo apresenta seis esquetes que tratam da questão da inversão, da possibilidade de regras absolutamente arbitrárias se transformarem em cláusulas pétreas. Assim, começa, com Romiet e Julieu, que brinca com a troca óbvia até o brilhante final de explique-se, um julgamento surreal sobre o prosaico ato de se chupar uma laranja.
O texto inédito, de Márcia Zanelatto, ganha montagem apresentando uma nova geração de jovens atores absolutamente talentosos que se revezam nos diferentes papéis. Agnes Lobo, Bruno Maria Torres, Elisa Caldeira, Ian Belisario, Maíra Garrido, Pedro Marquez e Zane recebem o super-reforço de Simone Mazzer, atriz e cantora, especialmente convidada para a temporada de lançamento.
“‘Menines’ é um projeto que recebi com todo o afeto, desde o momento em que a Márcia Zanelatto me convidou. Desde a primeira vez em que li o texto, eu percebi a sua potência. E encenado com esses atores tão especiais, me remeteu a memórias importantes, e me faz pensar num futuro tão possível, apesar de todas as questões socioculturais que estamos enfrentando ultimamente. Parece que o tempo de agora voltou atrás. Com ‘Menines’, eu percebi que é preciso sonhar e lutar por um futuro melhor”, conta César Augusto, diretor convidado por Márcia.
Todo o tom é dado pela leveza, pelo entrosamento do elenco, por um figurino que complementa, que fala, sem qualquer caricatura. O resultado é muito eficiente, pois, ao invés do tom pesado, inflamado ou militante, questiona-se o papel do homem e o da mulher na vida doméstica, o relacionamento de atores com o autor, e todos os aparentes chavões se transformam, de forma rica, na junção do bom texto com a direção inventiva, em momentos de reflexão.
É a partir da ousadia de se fazer o sentido nos subtextos, de se apostar em um elenco jovem e estreante, de centralizar o teatro naquilo que ele tem de mais essencial, um bom texto, uma direção que procura (e encontra) novos caminhos, que, particularmente, no momento em que vivemos, que “Menines” vai nos trazer um vento de esperança na arte, na vida e no significado que encontramos em um espetáculo bem construído.