O escritor Ricardo Linhares, sempre doce e gentil, parece até alterar a voz, dando-lhe mais convicção, vigor e firmeza ao falar da minissérie “Se Eu Fechar os Olhos Agora”, o que só demonstra seu ânimo com esse novo trabalho, cujo lançamento será no dia 15 de abril, pela TV Globo e GloboPlay (disponível para assinantes do Now). Essa realização também marca uma virada sua como autor: escrevendo novelas desde 1987, agora ele pode soltar a criatividade e ousar bem mais na narrativa para uma minissérie densa como essa. A apresentação da trama dá o tom: “Uma sociedade onde não basta ser; é preciso parecer”. O ano é 1961, mas poderia muito bem ser 2019.
A história é baseada no livro homônimo do jornalista Edney Silvestre (ganhador do Jabuti e do Prêmio São Paulo de Literatura 2010), com direção artística de Carlos Manga Jr.: “Eu abordo a forte repressão da época. A sociedade era controlada pelo patriarcado branco, que ditava a hipocrisia do jogo de aparências”, explica Linhares. “A trama trata da dificuldade dos relacionamentos amorosos, familiares e sociais, e dos segredos que cada um esconde para representar o seu papel na comunidade. São Miguel é um microcosmo do Brasil, das relações de poder e opressão”. Enfim, essas coisas pouco exaltantes, mas tão presentes em nossas vidas. Enquanto isso, Edney diz ter amado o resultado.
E que tal o elenco? Artista não tem ego, claro, mas aqui vai, em ordem alfabética (rsrs): Antônio Fagundes, Antônio Grassi, Betty Faria, Débora Falabella, Eike Duarte, Enzo Romani, Gabriel Falcão, Jonas Bloch, Leonardo Machado, Lidi Lisboa, Marcela Fetter, Mariana Ximenes, Martha Nowill, Murilo Benício, Paulo Rocha, Vitor Thiré e tal e tal e tal.
Tem muita diferença entre escrever uma novela e uma minissérie como esta, “Se Eu Fechar os Olhos Agora”?
Tem diferença. Escrevendo minissérie, sou mais conciso na linguagem, não precisa ser tão explicadinho e tenho mais liberdade até pela hora em que vai ao ar. E a história tem que caminhar pra frente, e logo.
A história, segundo sinopse, é densa, cheia de mistérios, assassinatos e personagens dúbios. Como acha que o espectador vai recebê-la quando estrear na TV aberta?
A cada capítulo, surge uma revelação; os personagens escondem sua verdadeira natureza para serem aceitos na convivência social. No fundo, ninguém é o que aparenta ser. Aos pouquinhos, vou revelando as camadas que estão embaixo dessa dissimulação e sentimento reprimidos. Como é uma série, trato o tema com mais profundidade.
Muito tempo de dedicação a essa minissérie?
Passei seis meses escrevendo, e foi aprovada em tempo recorde. Acho que caiu no gosto.
Foi difícil fazer apenas 10 capítulos?
De jeito nenhum! É um formato atraente pra quem escreve e para quem dirige.
Você e Edney já eram amigos, ou ficaram depois da adaptação? Como veio a ideia?
A gente se conhecia; na verdade, nos conhecemos nas festas de aniversário da Regina Martelli, mas sem intimidade. A partir do momento em que comecei, viramos grandes amigos, passamos o réveillon juntos, jantamos, trocamos e-mails, além do que temos muitas coisas em comum. O Edney me procurou para outro projeto, mas, tendo lido o seu livro, sugeri e falei: “Vamos levar essa proposta à Globo”. Uma das tantas coisas boas dessa minissérie foi exatamente esta: ter ganhado um grande amigo.
O que mais o emocionou no percurso da minissérie?
O ritual de amadurecimento dos dois garotos: a passagem da adolescência pra idade adulta, de um negro e um branco. Estudam juntos e são grandes amigos. O racismo era forte numa sociedade repressora, dominada pelo patriarcado. Ali, mostra-se como a amizade pode ultrapassar esses preconceitos. Era começo da década de 60 (a história se passa em 1961). As mulheres não tinham liberdade, quase não havia namoro entre brancos e negros; ainda se vivia muita repressão.
Você participa das escalações? Como foi para a minissérie com tanto ator maravilhoso?
Participo de tudo. O elenco está mesmo maravilhoso.
A minissérie está no Now. Você já teve algum retorno?
Todas as críticas são muito positivas.
Você chamaria atenção para as pessoas “abrirem os olhos”, atualmente, pra quê?
Para a tolerância, para olhar pro outro e enxergar como ele é, para a liberdade.
Anda “fechando os olhos” pra muita coisa?
Não fecho. Encaro tudo: para o bem e para o mal. Prefiro olhos nos olhos.