De Próprio Punho, por Edney Silvestre: “Enfrentando o descrédito por não ter quem me indicasse”

Meu pai era dono de armazém e minha mãe, operária de fábrica de tecidos em Valença, no Estado do Rio. Entre os muitos reveses que enfrentaram, um dos mais devastadores foi um incêndio que acabou com o comércio do meu pai, com nossa casa, que ficava nos fundos, nossas roupas, móveis, tudo, menos com a bravura deles. Dona Lourdes e seu Joaquim, como eram chamados, nunca perderam a altivez nem a esperança de construir uma vida melhor para si e nós, os seis filhos.

Em “Se eu fechar os olhos agora”, eu os homenageei, e o Ricardo Linhares sublinhou essa doçura corajosa nos personagens de Rosângela e Rodolfo, delicadamente interpretados pela Martha Nowill e o precocemente falecido Leonardo Machado. Foi na tenacidade e persistência de seu Joaquim e dona Lourdes que me apoiei quando vim para o Rio, com escasso dinheiro no bolso, morando em quartos de empregada e vagas de pensão, buscando trabalho e, tantas vezes, não passando sequer da barreira das recepcionistas e enfrentando o descrédito por não ter quem me indicasse.

Quantas vezes, quando estive em missão no Iraque ou em Cuba, quando estive no que restou dos jardins da Babilônia ou diante do tapete vermelho do Oscar (por onde desfilavam estrelas de Hollywood), quando atravessava Nova York para alguma entrevista com gente, como o Nobel da Paz ou estava na biblioteca do Nobel de Literatura José Saramago, na ilha de Lanzarote, a apenas 100 quilômetros do continente africano; quantas vezes pensei na operária de fábrica e no dono de armazém que acreditavam ser possível crescer, construir, vencer a descrença e, mesmo, o escárnio. Como eu gostaria que dona Lourdes e seu Joaquim estivessem aqui e pudessem testemunhar o quanto minha caminhada se amparou e se ampara neles!