Depois de quase 20 anos escrevendo, Heloisa Seixas acaba de lançar, se não o mais importante, pelo menos o mais impactante dos seus livros – a opinião é da autora. “O oitavo selo”, cujo subtítulo é “Quase romance”, está bem retratado na contracapa. O protagonista é um personagem da vida real, seu marido, o escritor Ruy Castro. Misturando ficção e realidade, em uma narrativa daquelas que inclui beleza e horror, o livro mostra os diversos momentos de um homem diante da morte. Os “selos” a que se refere o título são os diferentes trâmites enfrentados, uma saga que inclui drogas, alcoolismo e doenças graves.
Com muitas referências literárias, musicais e cinematográficas, o livro é resultado da parceria desses dois escritores brasileiros, casados há mais de vinte anos. “Já tinha vivido uma experiência semelhante ao escrever, em 2007, “O lugar escuro”, sobre a doença de Alzheimer da minha mãe (que eu própria adaptei depois para o teatro), mas, desa vez, foi diferente porque eu acabei misturando realidade e fantasia, o que me deu muita liberdade”, diz Heloisa, que continua: “Escrever “O oitavo selo”, partindo de histórias reais de uma pessoa tão próxima como o Ruy foi uma experiência diferente e muito, muito forte pra mim. Mas foi curativa. Passei a dormir melhor depois de botar o ponto final. Escrever é assim — uma espécie de salvação. A salvação pela palavra. Aliás, isso é a própria história do livro”.
“O oitavo selo” é o primeiro livro lançado pela nova editora de Heloisa, a Cosac Naify, que vai, a partir do ano que vem, publicar todos os livros dela (são muitos, alguns fora de catálogo, como “Pente de Vênus”, de contos, publicado por ela em 1995). Todos serão relançados. Leia sua entrevista:
UMA LOUCURA: “Ter largado tudo para começar a escrever. Joguei para o alto um emprego na ONU, no qual eu tinha uma aposentadoria certa, ganhando em dólar, uma garantia de velhice tranquila. Mandei tudo para o alto porque precisava me dedicar à escrita. Foi uma loucura mais maravilhosa que fiz na vida.”
UMA ROUBADA: “Estranho, não consigo responder. Acho que uma roubada é algo que fazemos e do qual depois nos arrependemos. E não me arrependo de nada que fiz na vida, talvez porque sou dessas pessoas que pensam, pensam, e aí dão o passo — sem olhar para trás.”
UMA IDEIA FIXA: “Continuar escrevendo, sempre. Sempre brinco dizendo que, se eu ficar toda entrevada, mas puder piscar um olho, vou escrever assim, como faz o Stephen Hawkins.”
UM PORRE: “Meus porres sempre foram secos, não bebo nada, sempre fui assim. Mas sempre tive essa capacidade de me inebriar, de pegar carona na loucura em torno. Por isso, sempre adorei carnaval, desde pequena.”
UMA FRUSTRAÇÃO: “Entrar numa livraria e não encontrar nenhum livro meu. Às vezes acontece (não sempre, felizmente). Dá tristeza.
UM APAGÃO: “Esquecer nomes de pessoas durante um lançamento de livro. É o terror dos escritores, isso! Por sorte, sou muito fisionomista, mas o Ruy sofre mais do que eu com essa história.”
UMA SÍNDROME: “Tive a síndrome do pânico quando tinha 33 anos. Durou meses, mas consegui me curar, sem tomar remédio. Parecia inexplicável para mim, mas hoje sei que essas coisas acontecem quando a gente pensa pela primeira vez, de verdade, na morte.”
UM MEDO: “Medo da morte, como acabo de dizer. Acho que é esse o medo maior, mesmo que não seja admitido. É talvez por isso que escrevemos. Para deixar rastros.”
UM DEFEITO: “Ansiedade. Não sei ouvir. Sempre interrompo as pessoas, porque minha cabeça está sempre a mil, pensando em um milhão de desdobramentos a partir daquilo que meu interlocutor está dizendo.”
UM DESPRAZER: “Gente falando alto no celular dentro de restaurante. Devia ser proibido por lei.”
UM INSUCESSO: “Minhas dificuldades com a tecnologia. Tenho um site, tenho Instagram (quase inativo), mas não tenho Facebook, não consigo me interessar. Mas às vezes fico com a sensação de que, sem isso, vou acabar como um náufrago numa ilha deserta.”
UM IMPULSO: “Não sou uma pessoa impulsiva. Penso muito antes de fazer qualquer coisa, como já falei. Não consigo me lembrar de nenhum ato importante na minha vida que eu tenha feito sem pensar.”
UMA PARANOIA: “Gente andando atrás de mim na rua. Se ouço passos atrás de mim numa calçada estreita, paro e dou passagem. Mas não é medo de assalto, não; isso eu não tenho. É só uma agonia que me dá, sem explicação.”