Tenho uma teoria (que nem sei se é minha, mas que adotei, reelaborei e na qual penso sempre) e que chamo de “Teoria de Oz”, por causa de um filme do qual todo mundo ouviu falar, mas quem tem menos de 50 anos possivelmente nunca viu.
Ele conta a história da garotinha levada por um furacão para um mundo paralelo, onde encontra três seres incompletos: o Espantalho (que é bom, mas não tem cérebro), o Homem de Lata (racional, mas sem coração) e o Leão Covarde (que tem cérebro e coração, mas carece de coragem). Posso ter entendido tudo errado, mas para mim o filme é sobre o amor – ou melhor, sobre os tipos de amor. Melhor ainda: sobre as incompletudes do amor.
Há o Amor Espantalho, no qual existe afeto, mas não há diálogo. O que digo não é ouvido, o que ouço não me diz nada. Não há centelha, cada palavra é uma fagulha perdida. Aquietada a paixão, adormecida a carne, abre-se um fosso de silêncio – e o outro, que até agora há pouco era eu, era meu, é agora um estranho cuja língua não falo. O Amor Espantalho leva ao desprezo, às pequenas humilhações, às mesquinharias. Não compartilho mais: vivo na superfície de mim mesmo e do outro, porque não há onde mergulhar. O Amor Espantalho é o grande corvo que ronda a velhice das relações, e nos faz guardiões de mágoas e segredos, e não deixa que se fechem as feridas, que se abram as janelas, que se desfaçam os nós dos mal-entendidos. O Amor Espantalho é uma armadilha.
Há o Amor Homem de Lata, aquele em que o coração não dispara, em que o dia continua a ter 24 horas; a hora, 60 minutos. O tempo não se contrai, não se dilata, ao sabor da presença ou da ausência o outro. É o amor racional, em que as coisas são o que são, em que não há transcendência, arrebatamento, em que canções não se colam à nossa vida como se tivessem sido escritas para nós, em que as palavras até rimam, mas não se juntam para virar poesia. Tudo é apenas o que é: sexo é coisa física, com o prazer possível de se extrair da carne e das terminações nervosas. No Amor Homem de Lata a fantasia comete adultérios, cada olhar é uma promessa, cada sorriso é um convite. O sangue não circula, não nos enrubesce, não nos intumesce, não nos faz sentir vivos. O Amor Homem de Lata é uma grande ilusão.
E há o Amor Leão Covarde, que não ruge, não rosna, não crava os dentes na jugular e não desarma. É um amor que não vai à caça, não ronda, não embosca, não conquista. Não me pega de jeito e faz comigo o que nem eu sei que é o que quero, porque quem faz a presa é o predador. O Amor Leão Covarde não sabe a força que tem, o fascínio que exerce. Segue por caminhos óbvios, não inventa trilhas. Conhece só o que aprendeu, esquece o instinto. Pede licença para entrar, cuida para que nada se arranhe, que tudo permaneça intacto, que as roupas estejam dobradas sobre a cadeira, que os vizinhos não ouçam nada, que o lençol não se manche – que os limites da carne não sejam ultrapassados, que não fiquem marcas na pele ou na memória. O Amor Leão Covarde desconhece que desejo é falta, que desejo é fome, e que é da grande fraqueza de não ter que nasce o tesão de possuir. O Amor Leão Covarde é uma fraude.
O amor só se sustenta se estiver apoiado no cérebro, no coração e no desejo. Sempre que um amor dá errado (e disso tenho ampla amostragem) identifico: aqui o coração não bateu forte, ali os neurônios ficaram sedentários, mais além faltou pegada.
Não me lembro como termina o filme – se cada um ganha o que lhe faltava, se todos se juntam e formam um único ser, com cérebro, coração e coragem. Pode ser que só mesmo além do arco-íris é que haja esse lugar onde os amores são completos. Esse é que deve ser o tal pote de ouro que dizem haver por lá.