O ator e diretor Ernesto Piccolo, 62, conhece arte desde o berço — e pode-se dizer que vive dela há mais de 40 anos. Começou no Teatro Tablado aos 12 anos, de onde nunca saiu: primeiro, como aluno; depois (e até hoje), como professor, sem nunca se desconectar do amor às artes cênicas. Essa face da vida jamais mudou pra ele.
Conhece praticamente todas as coxias dos teatros cariocas e do país. Atualmente está com oito peças em cartaz como diretor no Rio e em turnês pelo Brasil. Na capital, com “Duas Irmãs e Um Casamento “, peça com Maitê Proença e Débora Olivieri no Clara Nunes, no Shopping da Gávea, até 24 de novembro; e “A.M.I.G.A.S”, no Teatro Vannucci (mesmo shopping), às segundas e terças, às 20h, até 26 de novembro, lotando sessões.
As outras estão em SP ou em excursão: “Doidas e santas”, com Cissa Guimarães; “O livro dos prazeres”, de Clarice Lispector, estrelado por Melise Maia e Caio Paduan; o musical infantil “D.P.A. A Peça 2 – Um Mistério em Magowood”; “Pormenor de ausência”, com Giuseppe Oristanio; e “Duetos”, com Patrycia Travassos e Du Moscovis.
“Tenho sorte porque algumas peças minhas ficam em cartaz por muitos anos, caso de ‘Doidas e Santas’ (14 anos), ‘Divã’ (8 anos), ‘A história de nós dois’ (14 anos), e daí elas vão e voltam. ‘Doidas’ volta em janeiro para o Rio”.
Todos os espetáculos com temas diversos, mostrando o ecletismo de Piccolo, que de “pequeno” só mesmo a tradução do sobrenome italiano — de literatura brasileira a musical infantil, de assuntos adolescentes a conflitos existenciais.
Nas TV, voltou a aparecer como Eurico, o simpático copeiro atrapalhado da casa de Rafael (Eduardo Moscovis), em “Alma Gêmea”, novela de 2005 que está sendo reprisada no “Vale a Pena Ver de Novo”. Foi o último trabalho inteiro do ator, que está afastado da TV há mais ou menos sete anos, mas, na vida artística, é uma máquina. No entanto, as noveleiras de plantão vivem perguntando por onde ele anda… Muito bem, obrigado!
No meio de tanto trabalho, ainda teve tempo para fazer cinema, não um, mais quatro produções: “Papagaios” (2024), do diretor Douglas Soares; “Ruas da Glória” (2023), de Felipe Sholl; “Narciso” (2024), de Jeferson D.; e “Um lugar para viver” (2024), de Maria Emília de Azevedo. É o homem que nunca soube o que é tédio — rsrsrsrsrsrs.
1 – São muitas peças, muitos sucessos e de assuntos completamente distintos. Como?
O que me interessa é fazer as pessoas irem ao teatro para dar gargalhadas e saírem felizes. Eu quero ter a possibilidade de fazer coisas diferentes para poder me comunicar de todas as maneiras, para criança, para adolescente, para adultos, para terceira idade, para quarta, para quinta, eu quero comunicar. Tenho tido sorte de trabalhar com pessoas com as quais sonhei a vida inteira, como Maitê. Fiz minha primeira novela aos 18 anos; desde então, sonho em trabalhar com ela em uma peça. “A.M.I.G.A.S.” é uma peça que montei com Luana Piovani há 25 anos, baseada no livro de Cláudia Mello. O teatro é feito em equipe, então é muito legal, 25 anos depois, você trabalhar com os filhos dos parceiros da primeira equipe. É o caso da Isabel, filha da Luciana Braga com o Maneco Quinderé, que fez a luz, e também da Júlia Iorio, filha do Duda Ribeiro (morto em 2016), o autor que inventou essa história toda e me deu esse presente, que foi fazer essas múltiplas personagens. Soma isso tudo e multiplica por Júlia, Luísa e Isabel, três meninas cheias de gás, de energia, muito criativas, que adaptaram o texto brilhantemente para os tempos modernos, mais o Bernardo arrebentando com suas várias personagens (Isabel Castello Branco, Júlia Iorio, Luiza Lewicki e Bernardo Coimbra). Ando me divertindo muito.
2 – E você acaba virando amigo dos atores?
A Maitê, por exemplo, eu conheci quando fiz a primeira novela, aos 18 anos, “Jogo da Vida”, e ficamos amigos; eu a achava linda, incrível, inteligente, culta e sempre quis trabalhar com ela. Quase 50 anos depois, isso aconteceu. A Débora, também, sempre quis trabalhar, uma atriz antenada, disciplinada, uma coisa linda. Fiquei apaixonado mais ainda pelas duas, minhas meninas, minhas divas. Tem o Moscovis, com quem eu nunca tinha trabalhado, a Patrycia Travassos, uma pessoa que eu ganhei para minha vida. Nós fizemos a adaptação juntos agora desse texto da Maitê e da Débora, que a gente se encontrava, a gente tinha umas gargalhadas, tardes memoráveis. Eu tenho tido oportunidade de vivenciar, de experimentar, de comungar arte com todos os tipos de pessoas diferentes, com propostas diferentes. Isso é teatro.
3 — Todas as semanas, são muitas estreias nos palcos cariocas. A que você credita isso? E você percebe que têm mais jovens na plateia?
No pós-pandemia, as pessoas querem tudo ao vivo, na hora, e é uma coisa que, além de shows, só o teatro tem. O trabalho sempre foi grande, mas agora eu vi aumentar a vontade do público de ir ao teatro direto, uma sede de pegar na mão do ator, de assistir, de ver a veia do ator pulando, perdigoto caindo, acho que é uma fase bem bonita. Tiveram várias fases ao longo da minha carreira e vários espetáculos eleitos pelo público, mas agora eu estou vendo uma coisa de uma corrida, uma sede, ingressos esgotados rapidamente, estou amando. E está lindo ver a plateia de “A.M.I.G.A.S.” cheia segunda e terça-feira, até porque eu acho que tem um limbo nessa fase, sem muitos espetáculos para essa faixa etária, ou tem grandes musicais ou peças mais elaboradas, mas não que fale direto a esse público.
4 – Quais são suas inspirações como diretores e que tipo de diretor você é?
Tive a sorte de ter grandes mestres, como o Carlos Wilson, o Damião (1950-1992), que tinha um grupo de teatro junto com os então também meninos Felipe Camargo, Roberto Bataglin, Maurício Mattar e outros, fizemos as montagens de “Os doze trabalhos de Hércules” e “Capitães de areia”, que percorreram o Brasil, lotando os teatros, era um frisson. E tive grandes diretores enquanto eu fui ator e eu fui ator durante muito tempo, tive a sorte de ser dirigido pelo Damião, pela Maria Clara Machado, pelo Flávio Rangel, Paulo Reis, Antonio Pedro… Eu sou um diretor calmo porque gosto muito de ator, até porque eu sou um ator. Mergulho nas aflições de todos quando estou trabalhando, me coloco no lugar do outro e tento fazer com que seja menos doloroso e mais prazeroso. Sempre estou buscando a felicidade dos meus atores para eles estarem plenos e felizes em cena, entendeu? Eu não gosto de nada que seja perturbador ou angustiante ou que faça ficar para baixo. Eu quero ser um estímulo para dar alegria para eles contarem a história da melhor maneira possível para conquistar o povo do teatro.
5 – E TV? Pretende voltar?
Acho que esse meu trabalho de diretor tem me dado bons frutos e tem me ocupado bastante o tempo. Eu adoro ser ator e adoraria conciliar uma novela junto aos meus trabalhos, mas está bem difícil, graças aos Deuses. Porque quando você faz uma novela, você tem que parar oito meses e eu dirijo duas, três peças por dia e isso me deixa muito feliz. Então eu opto pelo teatro e acho muito engraçado quando alguém me pergunta se abandonei a profissão de ator.
6 – Acredita que o mundo encaretou?
Eu fico muito receoso com o que o politicamente correto faz com que o mundo fique mais careta, porque depois que a gente deu uma licença para essas pessoas se manifestarem, surgiu uma raça e uma corja que eu quero distância, de pessoas racistas, preconceituosas, falando barbaridades, que eu não quero que faça parte da minha convivência, nem de uma sociedade bacana. Uma sociedade que a gente possa crer que haverá dias melhores. Que não haverá tanta disparidade, tanta gente com fome, tanta miséria. Acho que temos que ser muito respeitosos e resgatar essa empatia, esse respeito ao próximo, essa coisa tão básica da gente se colocar no lugar do outro, né? Poxa, isso é tão importante, mudaria tantas maneiras de a gente se relacionar com o outro. E é isso, eu acho que o que falta é amor. Acredito que os haters são pessoas que não experimentaram o verdadeiro amor ou não foram amadas pelos pais, pela família, ou foram rejeitadas, não sei. Eu sou um apaixonado pelo ser humano, daí quando a gente encontra uma pessoa assim eu fico incrédulo. Como alguém tem coragem de falar mal do padre Julio Lancellotti, por exemplo? É inacreditável. É uma parte da sociedade muito adoecida e a gente precisa cuidar porque elas fizeram coisas tenebrosas na nossa história.
7 – Como lidar com o envelhecer?
Envelhecer, fisicamente, é uma merda. Antigamente eu virava a noite e ia trabalhar como se nada tivesse acontecido. Hoje em dia rsrsrs… O lado bom é amadurecer, ver onde a gente acertou e errou, como pode melhorar, a maneira como encaramos a vida, as conquistas, isso não tem preço. E a gente está resistindo, trabalhando e está no mercado, contando história, é tudo lindo. A Rita (Lee) tem uma frase ótima que diz “envelhecer é uma merda e é maravilhoso… É uma merda porque você vai virando uma ameixa seca. É maravilhoso porque ameixa ajuda você a cagar pro mundo”. Isso é bom. Mas faz parte da existência envelhecer, perceber as dobras do corpo, da cara, das risadas, das dores. E têm os amigos que a gente conquistou, todos duradouros, com histórias incríveis e isso não tem preço.
8 – No tempo que sobra, você faz o quê?
Pedalo… Vou à praia ou à cachoeira dar um mergulho, porque eu preciso muito estar assim com esse deus bruto, que é a natureza. Dou uma volta de bicicleta até o Leme (ele mora na Gávea), mergulho e volto. Isso já me renova.