Nelson Rodrigues, ou simplesmente Nelson, sempre foi um autor imprevisível. Essa impresivibilidade é normalmente uma “virada” na trama, um final surpreendente, mas, aí, com os elementos matrizes de toda a sua obra: incesto, insatisfação, abusos, finais de total solidão, uma vida de perdas… “Bonitinha, mas ordinária” foge a essa estrutura.
Escrita em 1962, em um mundo que começava a se transformar, com o pavor que uma bomba poderia acabar com a nossa vida, “Bonitinha” ficou famosa pela “brincadeira” de Nelson com Otto Lara Resende, um príncipe em seus modos, atitudes profissionais e pessoais. A famosa frase “mineiro só é solidário no câncer” vira bordão na trama e na vida. Otto sempre negou a autoria.
“Bonitinha” cruza temas de destinos, gêneros, classes sociais e cor, em torno do embate do homem do século XIX – ser bom ou ser mau, sujeitar-se a imposições sociais, aderir aos horrores da selvageria capitalista ou se redimir na realização do amor. Edgar, esse herói, e sua mãe, Ivete, são interpretados por Emilio Orciollo Netto e Sirléa Aleixo, que, em ótimas atuações, definem o eixo da peça.
A direção de Bruce Gomlevsky, que tem o mérito de manter o tom e o texto original, dá uma nova dimensão, sobretudo com a inserção de uma trilha musical que atualiza o mundo de 60 anos atrás, ao mesmo tempo em que é uma declaração de que nada mudou. A coragem de um espetáculo com 16 atores – com a falta de cenário realista, tão característica de Nelson – nos faz pensar que o teatro com uma trama e atores nos mostra a capacidade de arte ser uma verdadeira filosofia dos embates do humano.
SERVIÇO:
Teatro Nelson Rodrigues, Centro
Quinta a sábado, às 19h
Domingo, às 18h30