Você, carioca, conhece o Leblon? Não tanto quanto o autor Manoel Carlos, 91 anos, hoje aposentado, em sua casa no… Leblon.
Em julho de 2014, há 10 anos, ia ao ar o último capítulo de “Em Família”, a grande despedida do novelista, o “pai” de todas as “Helenas”, escritor de mais de 15 novelas, como “Por Amor”, “Laços de Família” e “Mulheres Apaixonadas”.
Em comum, além do talento do autor e sua sensibilidade para o comportamento humano, a paisagem carioca e o cotidiano de seus moradores, sendo a Zona Sul grande protagonista. Nem todas as dores vividas – ele perdeu a primeira mulher num acidente de carro, além de três filhos em ocasiões e situações diversas – abalaram a generosidade de Maneco, na convivência profissional ou pessoal.
O autor, diagnosticado com Parkinson, mas muito bem cuidado, falta matar de saudades aqueles com quem convivia na vida a pé, digamos assim, tão apreciada no Leblon. Recentemente, no aniversário da Argumento, muito frequentada por ele, uma jornalista perguntou em que dias Maneco aparecia ali, queria fazer um agradecimento. Como ela, muitos cariocas querem dizer “obrigada” ao Manoel Carlos, alguns talvez nem saibam a razão exata.
A atriz Júlia Almeida, filha de Maneco, vai lançar a série “O Leblon de Manoel Carlos”, no YouTube, em setembro, com depoimentos de atores, diretores e empresários, sobre a influência do pai na transformação do bairro.
Desde 2023, ela começou a organizar e catalogar todo o acervo pessoal e profissional do novelista, a pedido dele mesmo, através da produtora Boa Palavra, criada pelos pais (Maneco e Elisabety), em 2005. São mais de sete mil caixas com sinopses inéditas e livros.
Júlia morou na Inglaterra por um período, casou-se, divorciou-se, voltou ao Brasil em 2020, pouco antes da pandemia. Nunca teve vontade de ser mãe porque “sempre achei de uma responsabilidade imensa colocar um ser humano no mundo, ainda mais no mundo como está hoje; por isso, optei por cachorros (Jongo e Salvador). Não estou comparando um ser humano a cachorro, mas é um amor tão verdadeiro, e eles me preenchem”.
1 – Você começou a rever a obra do seu pai, Manoel Carlos, ano passado. Como tem sido essa experiência e o que separou ou descobriu de mais interessante sob seu ponto de vista, até agora?
Meu pai me convidou para assumir a produtora Boa Palavra, que fundou com minha mãe. Desde então, tenho mergulhado com a equipe no enorme acervo de obras dele, sempre com o objetivo de manter vivo o nome de Manoel Carlos e sua importância para a teledramaturgia e para a cultura brasileira em geral. O mais interessante até agora foram os feedbacks positivos do público, vindo de pessoas de todas as idades que relatam a importância do que meu pai criou na vida delas e querendo ver mais trabalhos do Manoel Carlos.
2 – Com tantos personagens femininos incríveis, o Maneco, em casa, passava essa, digamos, sensibilidade pra você?
Meu pai sempre foi extremamente sensível a diversas questões, não apenas a alma feminina. A obra dele se destaca exatamente pela coragem de abordar, nas novelas, temas à época pouco discutidos pela sociedade, como a inclusão da pessoa com deficiência, o etarismo e o preconceito racial estrutural.
3 – Em quais momentos da sua vida sentiu o peso do nome do seu pai e como trabalhou isso?
Cresci vendo meu pai trabalhar e, para mim, fazer parte deste universo sempre foi muito normal, portanto é natural que seguisse o caminho que segui. Se houve peso, não foi nada que me puxasse para baixo.
4 – Como surgiu a ideia da série “O Leblon de Manoel Carlos”? Alguma coisa, alguns personagens, alguns lugares… Ele tem dado sugestões? Você tem vivido o Leblon?
Nasci e fui criada no Leblon; meu pai e minha mãe ainda moram lá. Hoje, moro fora do bairro. Mas Manoel Carlos sempre teve o Leblon como um personagem e foi o primeiro autor de telenovelas a ter esse impacto social em um bairro. Por isso o primeiro produto da Boa Palavra é “o Leblon de Manoel Carlos”.
5 – O que descobriu sobre o Leblon de 20 anos atrás, comparado com o de agora? Acha que a Dias Ferreira é um outro lugar?
Vivi muito aquele Leblon dos anos 1990/2000/2010 e trago lembranças maravilhosas daquele período. A partir das novelas do meu pai, o bairro aumentou sua autoestima e se projetou como destino turístico, algo impensável anos antes, como foi dito por alguns de nossos entrevistados. Mas, como tudo na vida, há ciclos, e o bairro não foge à regra. A Dias Ferreira de hoje é diferente da daquele tempo, nem melhor, nem pior, apenas diferente.
6 – Quais outros projetos pretende tocar na Boa Palavra?
Não posso adiantar ainda alguns dos que temos no radar, mas posso contar que o “Leblon de Manoel Carlos” terá continuação, com outros temas ligados à obra do meu pai, cada um pensado de uma forma, com calma. Pode ser um filme, pode ser uma série, mas sempre mantendo a raiz dele, com a linguagem dos dias de hoje.
7 – Pra você, quais as obras mais importantes, que mais tocam o Maneco?
Esta é bem difícil de responder… É claro que tenho carinho especial por aquelas em que atuei, mas sei que ele tem um carinho especial por “Sol de verão”, “Baila comigo”, “Laços de família”, em que realmente criei um laço com os atores (Marieta Severo e Reynaldo Gianecchini), entre outros. Tenho carinho por tantas….
8 – O Maneco estava sempre presente em nossa vida, tanto através das telinhas como nas ruas ou na imprensa. Há seis anos, ele teve o diagnóstico de Parkinson… Como anda tudo?
Ele está tranquilo, em casa, com minha mãe. Não tem saído à rua, mas mantém rotinas, como assistir aos telejornais, às reprises de suas novelas e ler o jornal tomando sol – sempre acompanhado de um sorvete, paixão antiga.
Foto: Estúdio Mu