Maria Antônia Klabin, 18 anos, quer fazer por si. Filha dos empresários José Klabin e Maria Carolina Gouvêa Vieira, é a mais velha de quatro irmãos, todos homens – Lucas, 16 anos; Felipe, 12; Benjamin, 8. A família é grande (tios e primos em profusão) e um sobrenome conhecido nacionalmente.
A Klabin Irmãos & Cia (KIC) foi fundada em 1899, em São Paulo, pelas famílias de origem judaico-lituana Klabin e Lafer, controladora do Grupo Klabin, maior produtora e exportadora de papéis para embalagens do Brasil (23 empresas em 10 estados e uma na Argentina). O escritório no Rio abriu em 1920.
Maria Antônia estuda a vida inteira na Escola Britânica, é carioquíssima. Aos 16 anos, em 2021, auge da pandemia, criou o seu primeiro projeto social, o “Reading Smiles” de doação de livros para crianças e jovens que vivem em áreas carentes. Começou visitando a Fundação Américo de Viveiros, ONG fundada pela avó Rosa Lisboa Klabin, no Rio Comprido. E não parou mais.
Ainda este mês, fez a primeira ação do projeto “Empower Her Judaism” (em tradução livre “empoderar o judaísmo delas”), com as primas Helena e Gabriela Klabin e as amigas Alice Sayão e Beatriz Binenbojm, com uma palestra na Fundação Eva Klabin, tendo como convidado o brasileiro Rafael Zimerman, sobrevivente do ataque do Hamas em julho do ano passado.
Em julho, fez um estágio de verão com Tabata Amaral, pré-candidata a prefeita de São Paulo, na área de Comunicação. “O que me permitiu mergulhar profundamente no mundo da comunicação e estratégia política. Também tive a chance de criar e organizar arquivos de conteúdo de mídia social. Tudo isso reforçou a minha paixão pelo serviço público e engajamento político”, diz, embora não tenha pretensões de seguir carreira na política.
Maria Antônia também criou o projeto Mini Congresso Rio, com os melhores amigos, Antônio Vogt e Francisca Niemeyer, dentro da própria escola, para, digamos, politizar os alunos ao simular o Congresso Nacional e debater questões relevantes.
No momento, ela tem estudado muito, porque pretende fazer faculdade de Hotelaria e Comunicação Social, de preferência, em alguma universidade fora do país (está fazendo os processo de admissão em algumas), sempre visando trabalhar com projetos sociais. “É o que eu quero fazer da minha vida”. Como visto, o perfil rico-entediado jamais fez parte de sua vida, que, ainda na adolescência, já tem uma trajetória.
1 – Como surgiu a ideia de fazer projetos sociais?
Meu primeiro projeto social é o Reading Smiles, criado em abril de 2021, ainda durante a pandemia. A galera não estava indo direito pra escola. Era difícil estudar, ninguém conseguia aprender nada, era horrível. Daí pensei “imagina as crianças de escolas públicas que não têm a menor oportunidade de fazer nada: vão ter um gap absurdo”. Estava em casa, bateu uma luz para criar o “Reading Smiles”. Fiz tudo sozinha.
2 – É difícil ver uma adolescente da Geração Z se interessar por ações sociais…
Geralmente, a maioria das pessoas da minha idade não estão nem aí mesmo, mas tenho muitos exemplos em casa, como o da minha avó Rosa, que tem a Fundação Américo de Viveiros (ONG com mais de 50 anos no Rio Comprido). Comecei por lá, oferecendo aulas de reforço; depois veio a ideia da captação de livros para doação. Minha bisavó por parte de mãe também tinha uma escola em Petrópolis, e minha avó por parte de mãe (Ângela Gouvêa Vieira), que é formada em Letras, também faz ações sociais. Então me inspirei nas mulheres da minha família, pois sei que todas ajudam muitas crianças. A gente faz várias coisas na fundação, como oficinas, produzimos uns livros com as crianças e depois passamos a visitar outras escolas. Eu gosto de festa, mas, se eu saio um sábado à noite, no domingo de manhã, vou acordar e ter aula de Matemática. Agora, na fase de provas, parei de sair — nada pode ser ao extremo. Saio um pouquinho, estudo um pouquinho, acho que tudo tem que ser balanceado. A maioria das pessoas da minha idade não são engajadas em causas sociais, e vejo que muita gente faz mais essas coisas por precisar para notas da escola ou faculdade. Cresci numa família muito privilegiada e sempre vi pessoas ao meu redor, ajudando muito. Meu avô Armando Klabin, morto em 2021, era presidente da Escola Ort (fundada em 1943), com cursos de Ensino Fundamental II (do 6º ao 9º ano) e de Ensino Médio e outras habilitações. Ele ajudou muita gente. E meus avós sempre disseram pra fazer o que a gente gosta e temos que ser bons no que queremos fazer. Percebi que era isso que eu amava e comecei a investir.
3 – Foi fácil conseguir doações de livros?
No começo, eu comprava os livros porque ninguém doava e eu tinha uma certa vergonha. Quando o projeto começou a ganhar visibilidade, as pessoas começaram a doar cada vez mais, e eu fiquei muito cara de pau: fiz vaquinhas, recorri aos amigos da família. Guardava em casa, separava e levava para as escolas. Desde entã, já doamos mais de 2 mil livros. O projeto cresceu, está em São Paulo, Fortaleza e Espírito Santo; hoje devemos ser umas 20 pessoas, todos voluntários. Atualmente organizo tudo. Só não vou mais para as escolas porque tenho de estudar para me formar — as provas estão chegando, mas continuo falando com todo mundo. Mas sinto também que muita gente não está nem aí, só liga pra si. A coisa mais bizarra é quando eu peço uma doação: as pessoas batem palminhas, falam que é incrível, mas são pouquíssimas as que doam. Foi a minha família que ajudou com a visibilidade. Minha avó (Ângela) é a minha segunda mãe e sempre foi a minha maior incentivadora, dizendo que não existe pessoa que não faz nada hoje em dia e que temos que criar nosso próprio valor.
4 – E a aceitação das crianças?
No início, eu chegava, e as crianças nem olhavam pro livro. Lembro que eu levava chocolate e falava que eles só ganhariam se lessem o livro, pelo menos uma página. Daí eu começava a ler e, no final da sessão, já estavam todos querendo levar os livros pra casa. E eu amo crianças.
5 – O sobrenome ajuda?
Isso também é um problema pra mim porque eu sempre vi muita gente que vem de lugares privilegiados não fazendo nada. Como sempre tive um horror tão grande a isso, não quero ser assim. Não quero que ninguém me defina por ser de uma família X ou Z, sabe? Então, eu quis fazer o meu. A minha prima Amanda (Klabin, filha de Daniel Klabin, irmão de Armando), por exemplo, é uma inspiração, uma mentora. Tudo que eu faço pergunto a ela: se ela gosta e o que acha. Mas, de muitas maneiras, meu sobrenome me ajuda porque eu acho que abre muitas portas; mas também ninguém ia querer lidar com uma Klabin sem noção. Para os outros te levarem a sério, você precisa entregar alguma coisa, porque o sobrenome pode ajudar, mas manter é difícil. Já sofri muito por isso, de as pessoas acharem que eu tenho tudo dado pelos meus pais; então preciso provar que sou eu que estou fazendo tudo isso sozinha.
6 – E sobre a luta das mulheres por equidade? Pretende ocupar esses cargos?
Não tenho dúvida. Criei o “Empower her juaism” com as minhas primas, mas tenho muitos familiares judeus e sempre quis mostrar aos outros o que é o Judaísmo, pois acho que o mundo é muito politizado, mas ninguém entende nada, e todo mundo quer falar sobre tudo. Eu sempre fui uma pessoa muito família, me sinto na obrigação de mostrar os valores certos para os mais novos; juntei as duas coisas que são muito importantes pra mim: a religião e a minha família. E eu tenho rabiscado vários projetos que enaltecem mulheres; assim surgiu esse projeto para mostrar que a religião judaica não é uma religião que precisa ser politizada e que mulheres judias não são tão empoderadas como elas deveriam ser. Daí conseguimos organizar um projeto realmente só composto por meninas, e tem sido incrível. Nosso próximo passo é fazer uma palestra na nossa escola com uma sobrevivente do Holocausto. Ouço histórias inacreditáveis na minha própria casa. Já li o livro do meu bisavô, do meu avô e tenho muita empatia pelo que o meu bisavô passou, especialmente, porque ele veio muito pequenininho, sem os pais, chegando a um país diferente e nem falava a língua. Pesquiso muito sobre isso e tento aprender. Eles são uma inspiração pra mim.
7 – Você também é politizada. Pensa em algum cargo político no futuro?
Estagiei com a deputada federal Tábata Amaral, no time de Comunicação. Adorei. Ela é incrível, educada, inteligente… E também uma mulher que não está nem aí pro que os outros falam, ela faz o dela. Um dos meus livros prediletos é o “Nosso Lugar”, relato de Tabata sobre sua trajetória até se tornar a segunda mulher mais votada do país, pela mensagem que ele passa. Mas não me vejo política porque acho que não há um ambiente ideal pra mim. O que eu me vejo é trabalhando no terceiro setor.
8 – E tem mais projetos?
Empower Her Judaism, Reading Smiles e o Mini Congresso, este, um projeto que conheci através de uma amiga em SP. Perguntei se poderia trazer para o Rio, junto com a Francisca Niemeyer e o Antônio Vogt, que são dois dos meus melhores amigos e começamos a fazer isso na escola. Ficou superpopular, todo mundo amou. É como se fosse uma simulação do Congresso Nacional, com discussões semanais; dividimos em vários partidos, e a gente faz debates sobre projetos de leis, essas coisas. E também tenho um clube de sustentabilidade da escola, que é um tema recorrente na minha família — Sustainability Club, em que a gente indica filmes sobre o tema, coisas simples do dia a dia para o meio ambiente, novos hábitos. Eu faço tudo isso porque gosto e me dá calma.
9 – Um sonho?
É o que faço hoje: mudar a realidade dessas crianças que atendo no projeto, das crianças de Israel, das que sofrem nas mãos de políticos. Por exemplo, a Rebeca Andrade (ouro na ginástica olímpica): essa menina é maravilhosa, de origem humilde e é cria de projeto social (ela entrou para a ginástica aos 4 anos em um projeto da prefeitura de Guarulhos, SP). Existem várias Rebecas por aí, que têm sonhos, às vezes a mesma capacidade em áreas diferentes, mas que não tiveram oportunidades. Eu quero que essas crianças, que não são tão privilegiadas como a gente, tenham as mesmas oportunidades — um país em que o filho do pobre e o filho do rico possam frequentar os mesmos lugares, sabe? Os ricos não se esforçam para ser os primeiros porque eles já têm privilégios num país desigual como o nosso.