Quando prestou vestibular, aos 16 anos, a carioca Mariana Zoneschein, hoje 43, estava na dúvida entre Comunicação e Direito; ficou com o segundo. “Acho que foi uma escolha feliz porque consegui chegar, até aqui, satisfeita com a minha profissão”, diz ela, recém-indicada, pelo segundo ano seguido, ao prêmio “Women in Business Law Awards Americas”, na categoria Melhor Advogada de Propriedade Intelectual do Ano.
A área é relacionada à proteção legal e reconhecimento de autoria de um trabalho, seja de inventores, artistas, cientistas, seja de empresas que criam marcas e produtos etc., um braço que ganhou ainda mais desdobramentos e cuidados com a chegada da tecnologia, como os direitos autorais em tempos de redes sociais, fake news, deep fakes, Inteligência Artificial e assim vai.
Em 2016, ela fundou o escritório com seu nome, no Leblon, com filial em São Paulo, desde 2020, e começou a atender pessoas públicas; a primeira foi a atriz Juliana Knust. A partir daí, o boca a boca cresceu, e vieram clientes, como o cantor e compositor Seu Jorge, os atores Bruno Gagliasso, Giovanna Antonelli e a apresentadora Fernanda Lima em processos contra fake news e direitos autorais.
Artistas costumam ser os mais afetados nesses segmentos, por motivos óbvios, como no caso em que entrou com um processo contra uma empresa de cosméticos, tendo Giovanna Antonelli envolvida em propaganda falsa com a voz de Drauzio Varella. No vídeo, a voz do médico era reproduzida por IA (Inteligência Artificial), dizendo que a Antonelli e a apresentadora Fátima Bernardes faziam um tratamento que deixaria a pele com aspecto de 20 anos. Ou ainda quando defendeu casos conhecidos, como o da adolescente que fez ataques racistas a Titi, filha de Gagliasso e Ewbank, em 2016.
Mariana faz de tudo pra não entrar numa briga, um litígio. Ponderada, ela prefere sempre os acordos porque a Justiça pode ser muito lenta, mas, quando entra, vai até o fim e sem medo dos tribunais. O escritório, que tem 14 profissionais (dois terços de mulheres), atua em múltiplas áreas, como a cível, a empresarial e desportiva, dando consultorias para marcas, representando empresas de grande e médio porte.
1 – O que significa concorrer, pela segunda vez, a um prêmio que reconhece mulheres advogadas das Américas?
Da primeira vez, eu nem sabia que tinha sido indicada. Uma colega viu e mandou uma foto em que eu concorria com “Mídia e entretenimento”. Só tinha eu de brasileira nessa categoria; as outras eram advogadas do grupo U2, da Madonna. Levei toda a família a NY, para participar porque achei muito relevante estar ali. Eu tenho 43 anos e, pela segunda vez, ter meu nome incluído numa lista de outras mulheres que são advogadas que defendem o YouTube, do Sting (cantor) e de personalidades tão relevantes, me faz muito feliz e me dá muita vontade de continuar o meu trabalho.
2 – Como foi seu caminho até o Direito?
Eu tinha apenas 16 anos quando prestei o vestibular; não sabia ao certo o que queria, apenas que eu precisava fazer algo na área de Humanas. Para metade das faculdades, fiz Comunicação e, para a outra metade, Direito. No último minuto do segundo tempo, optei pelo Direito. Me especializei em propriedade intelectual, que, hoje em dia, fala muito também com Direito digital, e sou apaixonada realmente por essa área toda de marcas, patentes, desenho industrial, que é uma área de direitos imateriais. Também gosto muito da área toda de contencioso (que pode ser contestado), em que a comunicação e sustentação oral é necessária. Tudo isso também me faz bem e eu acho que consigo trazer bons resultados. A verdade é que eu sou apaixonada pelo Direito desde o momento em que comecei a entender como é possível transformar vidas através dele e ter sucesso profissional conjuntamente.
3 – No meio do percurso, sofreu algum tipo de assédio moral ou sexual num mundo, digamos, mais masculino? Qual a importância em, sendo mulher, ter essa visibilidade e ter feito seu caminho?
Diretamente, nunca sofri, mas o meio jurídico costuma replicar a sociedade, que evidentemente é machista. Então pessoas em lugares de destaque, principalmente mulheres, precisam se impor muitas vezes. Eu já tive, sim, que falar firme em situações em que me senti mais vulnerável. E aí eu fiz prevalecer o entendimento de que eu tinha que ser escutada daquela maneira e não podia ser desrespeitada – mulher falando sendo interrompida é uma coisa que me deixa louca. Mas existe uma mudança nesse cenário à medida que a mulher vem ocupando mais espaços. Somos 14 pessoas no escritório, e dois terços são mulheres, com apenas um terço de homens. Como advogada, sinto que é um ambiente nocivo: você tem que saber se portar, se defender na forma que você se coloca.
4 – Como dar, digamos, uma aliviada no ambiente de trabalho com tanto problema vindo dos outros?
Temos aproximadamente mil casos ativos, fora os clientes que atuamos de forma contínua e consultiva para contratos, registros de marca etc. No ano passado, fizemos uma política de valorização com a Cynthia Howlett, dando palestra com dicas de nutrição e saúde, que foi muito interessante. Depois disso, fizemos também um programa de respiração com a Tânia Prado, professora de ioga. Mas tudo isso eu ainda penso que é insuficiente para conseguir mitigar todo o estresse e a pressão que é trabalhar num escritório descontencioso. Então, cada vez mais, busco novas políticas que possam dar uma equilibrada nesse dia a dia, que realmente não é para qualquer um.
5 – Como na maioria das profissões, a rede de contatos é tudo na vida. Você já conhecia os seus clientes públicos antes, ou os fidelizou com o tempo e como?
Você tem toda a razão. A minha primeira cliente foi a atriz Juliana Knust, que se tornou minha comadre: sou madrinha do filho dela (Mateus). Depois do meu primeiro trabalho, outros artistas ficaram sabendo e pedindo indicação. É o que mais conta pra gente fidelizar os clientes.
6 – Como tranquilizar um cliente aflito?
No momento da aflição, eu aprendi com a prática. Já tenho 20 anos de carreira: na hora que a pessoa é vítima de uma fake news, ou está num momento de muita aflição, o que ela precisa escutar de mim é que eu vou resolver o problema, e é isso que eu faço. Costumo pegar aquele problema pra mim e faço de tudo para resolvê-lo; até que a gente chegue a uma solução, não me aquieto.
7 – Existe diferença de ego entre pessoas públicas e anônimas? Advogados são como psicólogos, ou seja, não têm hora para atender… Como consegue equilibrar sua carreira com a vida pessoal e dar atenção ao filho?
Nunca tive nenhum problema relacionado a ego de pessoas públicas; sempre fui muito bem tratada, fiz muitos amigos na minha carreira, sem saia justa para relatar. Num processo, todos e tudo são iguais — você está lá defendendo o direito de uma pessoa e vai fazer com o melhor da prática jurídica moderna que temos hoje. Sobre sermos psicólogos, sim: quando tem alguém com algum problema mais relevante, eu dou ali a minha atenção. E também consigo equilibrar meu tempo com meu filho único, Rafael, de 9 anos, passando a metade do tempo com ele, porque sou divorciada e também para o meu outro filho, que é o meu escritório e o meu trabalho, e os meus clientes que estão a ele vinculados.
8 – Estamos em ano eleitoral, mas nem precisamos estar para que as fake news aconteçam, como no caso do show da Madonna, do Rio Grande do Sul etc. Como o Brasil está hoje em termos de lei contra as fake news? Acredita que estamos muito atrasados, e o que você sugere para os legisladores que estão nos lendo?
Sobre a legislação para combate a fake news, sim, é necessário aprimoramento. Existe, como é sabido, projeto de lei para ser aprovado no Congresso em que, entre alguns pontos relevantes, deveria voltar a ser aplicada a notificação à rede social para retirada de imagem usada indevidamente. Hoje, é preciso uma medida judicial para retirar a imagem. Isso fez com que as medidas fossem menos rápidas; antes era só notificar a plataforma que resolvia. Quanto mais rápido você age contra uma fake news, melhor, porque ela pode resolver a vida da pessoa para o bem ou para o mal. Se precisar de medida judicial, pode demorar. E também existe um ponto da proposta que passa a responsabilizar as plataformas juntamente com a pessoa/empresa quando o conteúdo for pago, ou seja, a plataforma recebeu para distribuir aquele conteúdo e, se alguém se sentir agredido ou for disseminação de fake news, isso deveria ser responsabilidade das big techs. É uma geração que tem vivido mudanças sempre muito rápidas pela digitalização cada vez maior das relações. Então, concordo que nós precisamos melhorar o que temos hoje em dia, porque o marco civil da Internet possibilitou, no meu entendimento, um retrocesso que necessita de ordem judicial para tirar esse conteúdo, o que atrasa o combate.
9 – De 2018 pra cá, quando aumentaram as fake news, você pega mais casos? E quando negar?
Aumentaram porque tudo se faz pelo celular, e as relações foram altamente digitalizadas com as novas tecnologias. Não sei o número certo de casos, mas já neguei quando percebi que a notícia não era fake, e a pessoa queria apagar coisas que não tinha como, porque eram a realidade: reclamações reais sobre uma prestação de serviço.
10 – Estamos na era da IA. Com isso, vários casos que a lei ainda desconhece ou que não foi criada ainda, porque tudo é muito novo. Qual o grande dilema da proteção de direitos autorais no uso da IA?
Realmente é um momento de muita mudança, mas, em relação aos direitos autorais, eu fico tranquila porque o artigo 11 da Lei de Direitos Autorais é muito claro e diz que o autor é uma pessoa física, criadora de uma obra literária, artística ou científica, então é uma pessoa humana. Houve uma jornada de Direito Civil em que se tratou especificamente desse artigo mencionando a IA, falando que, independentemente do grau de autonomia de um sistema de inteligência artificial, a condição de autor é restrita a seres humanos. Eu tenho ciência de uma pressão que os dubladores vêm sentindo nos contratos novos para que eles disponibilizem a sua voz a fim de que ela seja utilizada para novas dublagens e isso, de fato, pode trazer um problema porque, nesse caso, a profissão seria muito afetada. Nesse cenário, eu não concordo com a utilização da voz para que a profissão possa ser substituída. Em relação aos direitos autorais de obras criadas na IA, fico muito tranquila porque elas já nascem no domínio público.
11 – Morar no Rio dá mais leveza?
O Rio é uma grande parte da minha personalidade. Tenho esse sotaque superpuxado e acho que isso fala muito sobre a minha vida também de carioca, porque, em qualquer lugar onde eu esteja, sinto falta da minha casa, que é o Rio. É o cheiro de mar, a gratidão de ver esse cenário todos os dias, de viver nesse lugar tão lindo, de natureza tão exuberante. Praia, mar, cachoeira, Baixo Gávea, Circo Voador, tudo isso faz parte da minha personalidade e tenho a felicidade de poder criar o meu filho aqui.