Existem várias teorias sobre o mal: religiosas, fatalistas, saúde mental… Ante o genocídio dos judeus, Hannah Arendt cunhou a banalidade do mal, baseada no fato de que as pessoas são incapazes de julgar. João Ubaldo Ribeiro escreve uma obra poderosa, uma metralhadora que, de uma vez, acerta na religião, família em afeto. É dessa metralhadora que Thelmo Fernandes faz o solo magistral “Diário do farol – Uma peça sobre a maldade”.
Com idealização e inspiração de Domingos Oliveira, direção de Fernando Philbert, “Diário do farol” nos levanta em uma montanha-russa na qual somos espectadores ao ver o personagem ir mergulhando, sem parar, na autoconfissão de todos os tipos de sordidez imagináveis. Chegamos a tremer, a chacoalhar o coração e a mente, com o sangue subindo, nos enchendo a veia de perplexidade e indignação.
A direção de Fernando Philbert é o tecer de uma colcha de crochê, daquelas com o trabalho que chamamos fuxico. Cada episódio, cada ato é falado de um jeito, permitindo que Thelmo possa ir despejando, sem exageros, sem trejeitos, com seu modo único de ser ator, aquele que só os que pertencem ao olimpo da dramaturgia são capazes de fazer.
Impressiona como a máxima “menos é mais” cabe aqui como uma luva. Gritar para quê? Gesticular com que objetivo? Cuspir, sapatear, vomitar ódio? O que faz do Farol um espetáculo inesquecível, marcante é a delicadeza da luz, do figurino, com casaco de couro, o jeito com que Thelmo se move.
Há quem se impressione sem pensar que perceber o horror e o terror é o ato de pensar, de refletir, que o deparar-se é o que permite que se dê existência ao mal. A banalidade não está no ato, está em quem não tem esse olhar. Temos que agradecer a João Ubaldo, Thelmo e Philbert por terem a coragem de nos obrigar a ver como o mal existe e como está ao nosso lado.
Fotos: Rafael Blasi
SERVIÇO:
Teatro Poeira, Botafogo
Terças e quartas-feiras, às 20 h