O apresentador carioca Pedro Andrade está gravando uma nova série documental para a HBO e Max (plataforma de streaming da Warner Bros.), ainda sem data de estreia. Ex-CNN, ABC e GloboNews, viajante de passaporte muito carimbado, dono de reconhecidos talentos (incluindo o físico), bem informado, o jornalista sempre foi viciado em trabalho; ao mesmo tempo, nunca teve amarras.
Não é um programa de viagens, dicas de NY, nem de entrevistas, em que Pedro é apenas o coadjuvante: agora, ele também será o protagonista e, pela primeira vez na carreira, expõe seu cotidiano com o marido, o cabeleireiro americano Benjamin Parker Thigpen, com quem vive há mais de 15 anos, em Nova York. Tudo mudou quando nasceu a filha do casal, Isabel, no fim de janeiro. O projeto começou pelo tamanho de todo esse novo amor, que estará em oito episódios, seguindo a vivência do casal, além de várias outras histórias e definições de família, apresentando dinâmicas e culturas em diferentes países, mostrando os desafios diários e como o amor é compartilhado entre pais e filhos.
Antes, ele dividia o tempo entre NY, Rio e os aviões; agora, o ritmo diminuiu e o foco mudou. Ter um filho era um sonho comum de ambos. Depois de muito planejarem, a filha nasceu de uma barriga solidária, da amiga Whitney Caskey, como ele descreveu à época, “a mulher mais generosa, digna, forte, segura e inspirada que já conheci. Ela, com o suporte de uma família invejável, é a prova de que os maiores presentes na vida não vêm em forma material, mas, sim, emocional”.
A série da HBO, em coprodução com a Warner Bros. (Max) com a Producing Partners, é dirigida por Tatiana Issa e Gustavo Nasr e produzida também por Issa e Guto Barra (diretores e produtores do sucesso “Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez”, na Max).
Para Pedro e Benjamin, a vida se apresenta nova.
1 – Como aconteceu a série da HBO?
Na verdade, o universo meio que conspirou a favor desse projeto. Eu já tenho curiosidade com relação a diferentes estruturas familiares pelo mundo há muito tempo. Muito antes de começar o meu processo de barriga de aluguel, de paternidade, eu já tinha esse interesse e já me perguntava o que significa ser uma família. Eu acho que o mundo é dividido em dois grupos: o que acredita que a família tradicional/conservadora é a solução de todos os nossos problemas, e outro, que tem uma cabeça um pouco mais aberta, acreditando que a família não tem que ser exatamente aquele formato conservador que a gente sempre conheceu. Quando comecei o meu processo e a entender a riqueza desse tópico, desse assunto, falei “isso aqui daria um bom documentário”. Há muitos anos, admiro a qualidade dos documentários da HBO e da Max. A Producing Partners, da Tatiana Issa e do Gustavo Nasser, fez a “Pedro Pelo Mundo” e também o doc da Daniela Peres, “Pacto Brutal”, que foi o projeto de maior audiência na HBO Max global. Então, meio que tudo funcionou, sentei para conversar com eles, que adoraram a ideia. A gente já tem um histórico gigantesco — já viajamos juntos para mais de 70 países.
2 – Como está sendo a experiência do casal? Que pontos você destacaria na fase pré-Isabel e na pós-Isabel?
Não me lembro em nenhuma fase da vida que cogitei a possibilidade de não ser pai, então, é um plano antigo. O restante foi questão de timing, paciência, em pensar qual seria a melhor maneira de isso acontecer. O Ben também tinha esse sonho, e estamos juntos há 15 anos. A vida pré-Isabel era uma vida ótima, mas, de certa forma, sempre houve uma contagem regressiva para o dia em que o sonho se concretizaria. Ela está com 3 meses e é uma paixão, um bebê adorável. Muita gente esquece ou não fala da dificuldade que é você ter um bebê recém-nascido. A vida muda, mas, pra minha surpresa, ela mudou não apenas nos aspectos que a gente espera, a falta de liberdade para fazer a mala e ir para Zanzibar. O nosso calendário tem que ser mais estruturado, as noites não são tranquilas, não dormimos tanto quanto antes, mas a grande mudança mesmo é a de propósito. Eu nunca mais vou ser a minha prioridade: tudo o que eu fizer daqui pra frente, profissional, financeira e socialmente, vou levar em consideração esse protagonismo da nossa filha. Mudou e mudou pra melhor.
3- Quem era o Pedro de antes e o de agora?
Sou péssimo em falar de mim mesmo. A minha essência continua a mesma e talvez eu tenha ainda mais entusiasmo pela vida agora, né? É interessante porque meus pais me tiveram quando eles eram muito jovens. Estou com 44 anos, não sou um pai jovem, mas, de certa forma, acho que a paternidade, apesar das noites maldormidas, me rejuvenesceu. Tenho mais gosto pela vida, mais tesão pelas oportunidades, porque eu acho que não estou fazendo só por mim – estou fazendo por nós.
4 – Você disse que sempre sonhou em ser pai. Quando a ideia se materializou? Foi quando conheceu o Benjamin, ou seria pai solo?
Não, nunca pensei em ser pai solo, mas também nunca tive desespero para encontrar ninguém. Depois de 15 anos, minha família é a família dele, a família dele é a minha, e foi o curso natural desse processo. É claro que ajuda ter em mente que esse era um sonho em comum, uma interseção entre nós. Foi muito gostoso acompanhar até onde a gente estava disposto a ir para ser pai. Não é um processo fácil, não é um processo barato, não é um processo rápido, mas agora que ela está aqui com a gente, sabemos que valeu a pena.
5 – E como foi a escolha do método, como aconteceu Whitney Caskey, enfim, a história que a gente conhece pouco, já que vocês são sempre muito discretos? Está muito cedo, ou já pensou em ter mais filhos?
Não posso dar muitos detalhes sobre a Whitney, sobre a nossa relação e como aconteceu, mas a barriga de aluguel é ilegal em 90% do mundo. Durante muito tempo, os únicos dois lugares que eram as mecas de barriga de aluguel eram os Estados Unidos e Ucrânia. Pela guerra da Ucrânia com a Rússia, quase todo mundo que quer fazer barriga de aluguel legalmente vem para os Estados Unidos, onde existe uma série de agências que conectam você com essa barriga de aluguel; no nosso caso, também com a doadora de óvulos. É importante lembrar que a Whitney não é a mãe biológica da Isabel, ela foi apenas responsável pela gestação da Isabel. Passamos por todo um processo de criação de embriões biologicamente do Ben e meus com a mesma mãe biológica. Não tenho contato algum com a mãe, nem ela com a gente. Temos uma série de outros embriões e pensamos, sim, em ter mais filhos. Não neste exato momento, porque eu acho que precisamos esquecer um pouco as noites maldormidas e precisa curtir este momento com a Isabel. Não temos pressa, mas é um plano, sim.
6 – Até aqui, qual o maior desafio em ser pai? Você tem exemplos que admira?
Aprender a lidar com um amor desse tamanho, dessa dimensão, nessa intensidade. A gente ouve podcast, lê livros, assiste a docs, mas, quando vira pai, você deixa de ser sua prioridade – é maior do que qualquer outro amor. Eu não tinha ideia que seria tão impactante, e isso acaba gerando uma série de medos e inseguranças. Ela soluçava na primeira semana, e eu já ficava, “meu Deus, isso é normal?” Espirrava, e eu, “meu Deus!…” É fácil entrar num buraco negro de ficar com medo de algo acontecer com aquela criatura que parece tão frágil e tem tanto poder na sua vida do dia pra noite. E sobre exemplos, eu tive pais incríveis. Tenho muito orgulho da criação que me deram. Nasci numa família de classe média, sem grandes luxos, mas nunca faltou nada, e nunca fui mimado, sempre fui educado. Eles passaram valores e princípios pelos quais eu sou apaixonado e orgulhoso, que me formaram e fizeram de mim o homem que eu sou, com capacidade de ser generoso, gentil, curioso, ambicioso, mas olhando sempre para o outro. É tratar os outros como você quer ser tratado.
7 – Você já está gravando o novo programa… Como é voltar ao trabalho com um bebê em casa?
Na verdade, nunca parei de trabalhar; durante toda a gestação da Whitney, eu trabalhei. Tenho ciência absoluta do privilégio que isso é, mas a novidade é eu estar trabalhando num projeto tão íntimo, tão pessoal, tão visceral. Eu sempre fui muito honesto com o meu público e os telespectadores, mas eu nunca fui o centro das atenções. Sempre contei histórias alheias, de vozes muito plurais e diferentes. A novidade é eu falar tão abertamente sobre a minha intimidade, sobre as minhas emoções, sobre o que eu estou sentindo. Na vida, a gente tem que evoluir; se ficar parado, o formato fica desgastado.
8 – Como será a série, e qual a importância de mostrar as várias definições de famílias? Vai ter alguma família carioca ou de algum outro lugar do Brasil?
A série é sobre diferentes estruturas familiares, desde a adoção, a poligamia e outras realidades. O fio condutor é a minha história, então vão ter várias histórias conectadas. Eu tenho certeza de que as pessoas vão se encantar por muitos desses personagens. É uma série que traz uma carga emocional gigantesca, porque a gente está falando de um aspecto sentimental da vida com que muita gente vai se identificar – pessoas que são pais, que não têm família, não têm filhos ainda, mas eu acho que fala sobre elo emocional, amor. Então, eu estou muito orgulhoso do resultado até agora e, sim, a gente vai gravar no Brasil também.
9 –Você e Benjamin se sentem um pouco responsáveis em representar pais gays e dar exemplo?
Não nos vemos com essa responsabilidade em mãos. A gente tem uma vida confortável, construímos essa família da qual eu me orgulho de uma maneira honesta, mas não acho que a gente seja exemplo. O programa é informativo e mostra que há uma série de realidades tendo como fio condutor esse amor familiar. Ele não é LGBT+, de pais gays; muito pelo contrário, é mais plural, mais abrangente e não é nichado. Há realidades que giram em torno de uma família gay, pais gays, mas ele fala de realidades diferentes, opostas, contraditórias, então o fato de sermos dois homens com uma filha é apenas um detalhe.
10- Acha que uma série como essa pode diminuir o preconceito no mundo?
Preconceito, frequentemente, vem do desconhecido. Antropólogos falam que isso era um meio de sobrevivência: fugir do que não se conhecia. Nesse sentido, a humanidade mudou pouco e, quando você conhece o que acha que é seu inimigo, se aproxima de uma realidade que achava tão distante, você quebra o tabu, dilui incertezas, inseguranças. O projeto mostra que há muitas maneiras de encarar uma família; não existe um método correto de amar seus filhos, seus pais, e até o conceito do que é um filho é subjetivo. Qual o impacto do aspecto biológico enquanto tem tanto pai péssimo e tantas mães incríveis que não geraram e não têm elo biológico… São ponderações que vão fazer com que o público repense certos conceitos. É muito saudável.
11 – Que lições, digamos, assim, uma criança pode nos ensinar?
Eu ainda sou pai de primeira viagem, mas o que eu já aprendi com a Isabel vai muito além do que eu imaginava. Ela me deu a exata dimensão do que é esse amor, do que é essa dedicação, do que é esse carinho. Se é verdade que, antes de morrer, a gente tem um flashback dos momentos mais incríveis da nossa vida, eu diria que metade dos flashbacks que eu teria aconteceram em dois meses e meio. Então, é muito especial. É muito especial quando você abraça sua filha pela primeira vez, quando você nota que ela te reconheceu, que ela reconheceu sua voz e sorriu pra você. Já fui a mais de 77 países, moro na cidade que escolhi, tenho orgulho singular de ser brasileiro, de ter nascido no Rio, tenho uma vida ótima, mas o impacto que a chegada da Isabel teve na minha vida é incontestável. Eu estou muito empolgado para aprender tudo que ela tem para me ensinar – sem pressão, sem expectativas, mas às vezes eu olho para ela e falo “não acredito que você é nossa, que você é minha”… Acho que, quando a gente passa por um momento como esse, reavaliamos o que é importante e o que é bobagem.
12 – Além da série, existem outros projetos em volta desse tema?
Estou trabalhando em um projeto grande aqui, nos Estados Unidos, mas não posso falar. Meu ano está dividido entre esse projeto da HBO ou Max e também estou negociando algumas coisas no Brasil e na América Latina. A realidade para quem tem um recém-nascido não é fácil. Eu viajo muito, trabalho muito, graças a Deus, mas temos uma babá espetacular. Eu e Ben vamos fazer de tudo para estar presente, para participar de todas essas etapas, mas também entendendo que a vida continua e agora ela é uma adição à nossa vida. Não estamos jogando fora o que construímos antes. Enfim, é isso. Estamos muito felizes.