Em 2023, foram mais de 300 eventos/espetáculos na Cidade das Artes Bibi Ferreira, na Barra, para os mais diversos públicos. Em 2024, a agenda está acelerada, com atrações que incluem novo espetáculo da Cia. Deborah Colker e companhias internacionais de dança, show do cantor e compositor Roberto Menescal (29/02), stand-up comedy, temporadas fixas da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), shows nos jardins, ExpoFavela, Rio2C (o maior evento de criatividade da América Latina), feiras de moda e gastronomia etc.
Em janeiro, a Prefeitura lançou um edital inédito para a ocupação dos espaços do complexo vinculado à Secretaria Municipal de Cultura, para ampliar o acesso.
Há um ano à frente do CDA está Daniela Santa Cruz, advogada e artista plástica, casada há 20 anos com o ex-presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, e mãe de dois filhos (Maria Eduarda, de 18 anos, e João Felipe, de 14). Ela foi convidada pelo prefeito Eduardo Paes e pelo secretário de Cultura Marcelo Calero para o cargo, depois de muito falar sobre as suas ideias, até então visto por grande parte dos cariocas como “elefante branco”.
Embora o complexo esteja em funcionamento há 10 anos, o último foi um dos mais intensos e diversificados, com festival cervejeiro, evento de carnaval, de tecnologia, exposições de arte, levando o povo da Zona Sul a mudar de ares, e assim vai.
A Cidade das Artes, de 97 mil metros quadrados de área construída, é um projeto do arquiteto francês Christian Portzamparc, com três salas de espetáculos e 21 outros espaços, como galeria de arte, salas de ensaio, de aula, de leitura, cafeteria e restaurante, além de jardins e estacionamento com 600 vagas.
Você comemorou um ano de Cidade das Artes. Quando Eduardo Paes (prefeito) e Marcelo Calero (secretário de Cultura) a convidaram, você tinha alguma experiência com um cargo do tipo?
Completei um ano como presidente no dia 6 de fevereiro, quando fiz 50 anos. Sempre conversei com o prefeito Eduardo Paes e o secretário Marcelo Calero sobre a Cidade das Artes. Quando recebi o convite, já tinha uma boa parte do plano de gestão e curadoria delineada, até porque, como moradora da Barra, sou frequentadora há anos desse centro cultural. A arte sempre fez parte da minha formação e se tornou ainda mais presente quando minha filha Duda se envolveu com o teatro musical, ainda na infância. Conhecia muitas das dificuldades dos produtores e artistas, então sabia que poderia ajudar.
Quantas pessoas trabalham com você? Você é mandona?
Tenho uma equipe enxuta, mas muito competente, além de profissionais terceirizados. Fiz mudanças mínimas por perceber que a equipe conhecia muito o equipamento e fui muito bem recebida. Não me acho mandona – sou incapaz de uma grosseria, mas sou assertiva. Espero que todos conheçam as suas responsabilidades; eu me meto em tudo, tenho dificuldade de delegar completamente. Até hoje, não entendem como não tenho uma secretária (risos). Quando a gente se posiciona, toma boas decisões, tem pulso e sabe reconhecer o trabalho das pessoas, a liderança flui numa boa. Estamos todos remando para o mesmo lado.
As suas experiências como advogada e artista plástica – e muitas andanças na política – ajudam em que sentido na gestão? Continua com as funções paralelas?
Sou um ser político e acredito que todos deveriam ser. Minha atuação e minhas decisões carregam as minhas experiências e vivências pessoais, inclusive o que entendo como a boa política. Sempre fui multifacetada e percebo claramente que minhas diferentes formações têm sido muito úteis. A gestão de uma fundação não passa apenas pela curadoria – grande parte do meu tempo é para tratar de questões administrativas, financeiras e jurídicas. Todos os dias, buscamos soluções para a estrutura e o bom funcionamento.
Você chegou já fazendo mudanças na casa que vão além da programação. Qual o principal critério para escolher a programação e qual o seu foco?
Logo que cheguei, criei uma reunião de pauta; isso deu outra dinâmica para a escolha da programação, já que todos os envolvidos são ouvidos desde o primeiro momento. O foco é na democratização do acesso, tanto para o público quanto para os artistas. Hoje recebemos teatro, musicais, dança, stand-ups, orquestras, exposições, feiras nacionais e internacionais, shows e atividades na sala de leitura. Criei limites também. Eventos de música em nossas áreas abertas, por exemplo, só podem acontecer se houver artistas se apresentando, com limite de pessoas e terminando até meia-noite. Nosso principal critério é a qualidade e a função social; nosso foco é a diversificação para que tenhamos atrações para todos os gostos, idades e classes sociais.
Até agora, qual o evento que lhe deu o maior orgulho nesse tempo?
Essa pergunta é difícil porque o que me dá mais orgulho é ver os teatros cheios de gente aproveitando espetáculos e eventos de qualidade. De todo modo, foi lindo receber, no ano passado, a exposição em homenagem ao artista Luiz Aquila, com obras de grandes artistas, como Beatriz Milhazes, Anna Bella Geiger, Daniel Senise e outros.
A agenda do Rio está lotada, provando que basta vontade política para que as coisas aconteçam, principalmente no setor cultural. O que é a Cultura pra você?
Sem dúvida, o Rio está bombando. A cultura transmite valores essenciais para o desenvolvimento de uma sociedade. Além disso, gera receita e empregos diretos e indiretos. Lançamos, este ano, o primeiro edital da Cidade das Artes, para ocupação de pauta. Nosso objetivo é fazer daqui um local de convivência para a população e para os artistas. Temos exposições permanentes gratuitas, obras de arte importantíssimas, atividades e piqueniques gratuitos organizados pela equipe da Sala de Leitura (nosso educativo) e até uma visita guiada que fala da arquitetura e mostra as salas de espetáculo por dentro. Ano passado, tivemos a ExpoFavela, que volta este ano, a apresentação do Jongo da Serrinha e a exposição “Omolu, a cura”, para dar alguns exemplos de eventos que trouxeram novos frequentadores para o Complexo. Depois que a pessoa vai uma vez à Cidade das Artes, sua grandiosidade não intimida mais.
Muitos estudantes de Arquitetura vão admirar o trabalho do francês Christian Portzamparc. Qual o lugar que mais você gosta do Complexo? Existem momentos de paz?
A Arquitetura é realmente uma atração a mais: descobrimos todo dia um novo ângulo. Inclusive, durante as festividades do aniversário de 10 anos, tivemos a exposição da fotógrafa Bia Serranoni, tratando exatamente do sem fim de ângulos do Complexo. Eu amo a escadaria colorida que temos na frente da Grande Sala, linda para fotos, e o Teatro de Câmara é o meu xodó. Quanto à paz, não trabalhamos com esse produto, só com agito (risos).
O que é mais difícil e o mais tranquilo em tocar, estando num órgão do poder público?
Como tenho um foco muito grande na melhoria da estrutura, o mais difícil é também o mais correto. Tudo deve ser licitado, e existe um processo longo para as aquisições necessárias. Por mais difícil que seja, essa transparência é fundamental. O que acho mais lindo é poder pensar em atrações que tenham como objetivo o social. Uma das nossas metas este ano é aumentar a formação de plateia.
Sabemos que cariocas são cheios de manias e costumam prestigiar mais os programas na ZS. Você, como também moradora da Barra, já sentiu algum tipo de preconceito, digamos, geográfico?
É um preconceito cultivado por parte dos cariocas da Zona Sul, mas percebo que isso está mudando. O acesso à Cidade das Artes, por exemplo, está muito tranquilo. O metrô tem conexão direta com o BRT, e temos uma passagem subterrânea que liga o Terminal ao Complexo; além disso, temos um estacionamento com mais de 600 vagas. Aos poucos, vamos desconstruindo esse preconceito e estamos trabalhando para que os produtores entendam que há espaço para montagem de peças mais densas, para teatro de prosa. “A Alma Imoral” e “King Kong Fran” foram encenadas em nosso Teatro de Câmara, por exemplo, com grande sucesso.
A Cidade já foi vista como um elefante branco – isso já mudou? Quais os planos para 2024?
Esse título de elefante branco não cabe mais. Ano passado, tivemos quase 100% de utilização dos teatros, além dos espaços abertos muito disputados. Temos as melhores salas de espetáculos do Rio, com uma acústica incrível, tanto que vencemos no ano passado o Prêmio Cenym de Teatro Nacional como a melhor casa de espetáculos do Brasil, e em 2024, conquistamos a premiação Musical.Rio Destaques 2023 na categoria Teatro Favorito, com votação popular. Uma simples visita já quebra esse conceito e quanto mais utilizado for, menos elefante branco ele será. O visitante pode agendar piqueniques nos nossos jardins, visitar as exposições gratuitas e permanentes da casa, participar das atividades gratuitas da sala de leitura e ainda aproveitar os espetáculos nos nossos teatros. Para este ano de 2024, vamos criar um jardim de esculturas para reunir e facilitar a visitação das obras de importantes artistas que já estão no Complexo e receber novas obras. Tem nosso parquinho infantil em parceria com a Comlurb. Teremos o novo espetáculo da Cia. Deborah Colker e companhias internacionais de dança, temporadas fixas da Orquestra Sinfônica Brasileira (a nossa orquestra residente), shows de música brasileira nos jardins, temporada de peças e musicais para toda a família, Expofavela, Rio2C e feiras de moda e gastronomia. Não é justo chamar de elefante branco, não é?
Qual o seu sonho para o lugar? Bibi Ferreira dizia que “eu vivo, simplesmente. E fico feliz por ter uma obra que permanecerá muito além de mim”.
Fico muito feliz por poder estar arrumando a casa, fazendo manutenções e benfeitorias importantes, como a melhoria de todo o sistema de refrigeração, a limpeza das fachadas, entre outras. Isso fica para o futuro como legado, servirá a todas as gestões. Também gostaria que ficasse além de mim a relação de parceria que temos hoje com a Orquestra Sinfônica Brasileira. Por fim, sonho que as pessoas entendam que podem frequentar nossas áreas e teatros apesar da imponência da construção. Basta subir uma escada rolante para a mágica acontecer.