Recém-chegada às livrarias, a biografia “Gilberto Braga — O Balzac da Globo” (Editora Intrínseca), dos jornalistas Artur Xexéo (1951-2021) e Mauricio Stycer, já pode ser vista em todas as vitrines, com lançamento oficial no dia 30/01, às 18:30, na Travessa do Shopping Leblon. O livro foi encomendado pelo próprio Gilberto ao jornalista Artur Xexéo, que morreu bem antes de concluir o trabalho; Mauricio Stycer foi convidado para continuar a escrever. Dois meses depois da morte de Xexéo, o novelista também morreu, aos 75 anos. Xexéo deixou 14 horas de entrevistas gravadas, além de pesquisa e conversas com amigos, parentes e colaboradores do autor.
Boa parte do livro é dedicada ao relacionamento de quase 50 anos do autor com o decorador Edgar Moura Brasil, à época, aluno de Gilberto, então seu professor de francês. Até aí, Edgar namorava uma mulher antes de começar a história de amor com o novelista, que durou a vida inteira. Edgar segue muito envolvido com tudo relacionado a Gilberto: mantém muitas das suas preferências no apartamento de Ipanema, fala de lembranças, cultiva amigos de ambos e, até quando viaja, mantém a programação que faziam juntos, e continua também escolhendo os restaurantes que Gilberto mais amava, como uma homenagem a ele — exatamente o roteiro que acaba de fazer em Paris, onde está até este fim de semana.
Sob vários aspectos, dividiam gostos, preferências, paixões: os dois poderiam falar as maiores loucuras sobre qualquer assunto ou pessoa num tom suave, tranquilo, calmo como se estivesse fazendo um grande elogio; assim como sempre adoraram o entardecer no Arpoador, banho de mar, sexo, música, arte em geral e uma certa paixão pelo supérfluo.
Perguntado como anda sua vida agora, Moura Brasil reconhece que ainda sente um vazio muito grande. Leia sua entrevista.
Quais seus sentimentos sobre o livro?
Dei a maior força quando o Gilberto pensou em fazer a biografia. Achava que todos deveriam saber da trajetória dele, como as coisas realmente aconteceram. Pena que ele morreu tão prematuramente e não chegou a ver uma versão do livro. Tenho certeza de que, se isso tivesse acontecido, ele teria acrescentado muito mais coisas. Foi muito difícil pra mim ver mais de dois terços da minha vida expostos e a visão que algumas pessoas tiveram do nosso casamento – algumas verdadeiras e outras falsas e mentirosas.
Tem um bom espaço dedicado ao seu relacionamento com Gilberto, desde 1972. Qual passagem você mais gostou?
O Maurício Stycer tratou toda a nossa vida com muito cuidado e carinho. Tenho muita ternura quando ele narra que o meu Gilberto deixava quase todas as noites um envelope com uma palavra em todos os lugares a que eu iria no dia seguinte. No fim do dia, eu formava a frase: “Não posso viver sem você”.
Vocês atravessaram realmente tempos de preconceitos muito maiores que os de hoje. Como foi?
Naquela época, existia um preconceito muito grande; tivemos sorte. Não sei se o nosso posicionamento, as condições sociais, o sucesso das novelas, tornaram, a meu ver, a nossa vida comum. Só uma vez fomos vítimas de preconceito; isso está narrado no livro. Fomos barrados numa choperia em Botafogo, onde estava tendo um show da Nora Ney e do Jorge Goulart. Gilberto mostrou a carteira do Globo, disse que era crítico e queria fazer uma crítica. O porteiro pediu um instante e voltou dizendo que esperássemos a luz apagar, para depois entrarmos. Fizemos isso. Gilberto fez uma bela crítica. Éramos jovens. Se fosse hoje, tenho certeza de que jamais teríamos aceitado entrar diante de qualquer condição.
Você foi casado com Gilberto por 48 anos. Quase todo esse tempo, ele estava contratado pela Globo. Você tinha alguma participação nas novelas sob qualquer aspecto?
Quando o Gilberto começou a escrever novelas, ele fazia sozinho: um trabalho hercúleo. Eu relia as novelas com cuidado e ia tomando nota, por exemplo, das pessoas que já se conheciam, e ele as apresentava de novo e etc. e tal. As vezes, ele me interfonava do escritório de madrugada e me perguntava alguma coisa ou me pedia uma informação, como, por exemplo, ele me pediu que a Yolanda Pratini, em “Dancin Days”, pedisse uma “viadagem” (pode usar esse termo hoje em dia?!) qualquer para o copeiro Everaldo fazer. Meio que dormindo, falei para ela mandá-lo pentear as franjas dos tapetes persas – já naquela época, isso virou meme. Depois vieram os colaboradores, e eu só lia os capítulos por prazer. Li em primeira mão todas as obras dele.
O primeiro emprego de Gilberto foi trabalhar numa loja de decoração, e você é decorador. Nas casas de vocês, quem “mandava” nesse quesito? Como era?
O Gilberto começou a trabalhar numa loja de decoração para ganhar dinheiro; isso durou muito pouco tempo. Eu sempre fiz as plantas e esbocei as decorações, e ele depois, como qualquer “cliente“, pedia modificações e dava palpites. Tínhamos um acordo: nas partes comuns (salas, obras de arte etc.), tinha de ser de comum acordo. O Gilberto tinha muito bom gosto.
O que mais você amava no Gilberto e vice-versa? E o que mais incomodava?
Todo casal sempre tem momentos maravilhosos e algumas crises. Hoje em dia, com o passar do tempo, só me lembro das coisas boas e de quanto eu o amava e continuo amando.
Aqui na coluna, você disse, logo depois, que resolveu deixar o quarto do Gilberto arrumado como se ele estivesse aqui, e o que mais fazia você sofrer era ver o quarto transformado em hospital: “Agora me lembra o Gilberto alegre, dorminhoco e como fomos felizes lá. Me faz bem”. Depois de um tempo, como lida com a perda e o que mais sente falta?
Tive de refazer o quarto todo por problemas de infiltração. Preferi continuar usando a mesma cor e tecidos, tudo o que o Gilberto aprovou na época. Por uma questão de defesa própria, entrava no quarto direcionado aos problemas, como faço até hoje — não consigo olhar como um todo. Pretendo fazer dele um quarto de hóspede assim que tiver forças. Lidar com a perda é uma sensação muito triste, mas a vida continua. Gilberto, onde estiver, tenho certeza, está comigo, tomando conta de mim e aprovando tudo o que tenho feito.
Stycer disse que Gilberto mantinha um acervo de recortes de jornal sobre ele em 54 volumes, organizados cronologicamente, de 1969 até recentemente, e que a secretária dele continua atualizando. Pretende fazer algo com isso?
O Gilberto começou a fazer esses álbuns desde que era crítico de teatro do Globo; depois ele contratou uma empresa que mandava todo mês tudo que tinha saído sobre ele. Com o passar do tempo e com as novelas, o tempo dele ficou escasso, e quem passou a fazer isso fui eu. Como você bem sabe, tudo que é publicado no Rio ou São Paulo é copiado em todos os jornais do Brasil. Então, eu selecionava o que era importante, recortava, sublinhava o nome dele, e então a secretária colava no álbum. Quando saía alguma coisa negativa, eu guardava comigo e só mostrava quando a novela tinha acabado. Continuo fazendo o álbum até hoje. Ainda não sei o que vou fazer com eles e com todo o acervo. Sei que, um dia, vou doar tudo para um órgão sério ou, quem sabe, não faça uma fundação?!
O que as pessoas vão descobrir sobre Gilberto que ninguém sabia, depois do livro?
Como já saiu na imprensa, a vida do Gilberto daria uma novela: têm muitas passagens mirabolantes. Não me peça pra contar — estão todas no livro.
Como está sua vida agora?
Minha vida está como sempre foi, só que com um vazio muito grande.