Fim de ano. Existem dois tipos de pessoas: as céticas e as que enchem os cadernos de promessas. No primeiro caso, nada muda; já, no segundo, a frustração é certa. Escritor e palestrante, Eduardo Zugaib derruba o mito de que resoluções de fim de ano podem gerar mudanças no ano seguinte; pela sua experiência, jogar para frente coisas que precisam ser mudadas não é uma estratégia eficaz. “Este é o velho conceito de começar a dieta na segunda-feira — não funciona”, afirma.
Ele é autor do livro “A Revolução do Pouquinho”, que, só no mercado corporativo, vendeu 20 mil títulos; desde então, é usado em empresas. Em janeiro, lançará edição ampliada, com outras quatro atitudes além das 21 originais: resiliência, vulnerabilidade, decisão e ética.
Zugaib diz que toda mudança acontece aos poucos, com foco, planejamento e força de vontade, ou seja, tudo que nós sabemos de “orelhada”, mas não colocamos em prática. Segundo ele, “as pessoas têm dificuldades e resistência quando o assunto é qualquer tipo de transformação. O comodismo e o ‘piloto automático’ também são fatores limitantes. Com a virada do ano, a gente fica com a sensação de que mudar é preciso”.
Quero emagrecer, e não sei como. Quero parar de fumar. Vivo endividado, e não consigo economizar. Quero mudar de emprego, e não consigo, e assim vai. De acordo com última pesquisa da plataforma Empregos.com.br, três em cada quatro profissionais queriam mudar de emprego em 2023. “A gente quer mudar de emprego, ou mudar o emprego? As pessoas não se comunicam, não expõem seus objetivos, seus desejos; com isso, não conseguem criar um ambiente de negociação para atingir seus objetivos”, diz ele, que dá palestras e treinamento de lideranças para grandes empresas do Brasil inteiro, como o Grupo Pão de Açúcar, Bradesco, Avon etc.
As datas comemorativas são supervalorizadas?
Datas comemorativas são apenas… comemorativas! Servem para celebrar, compartilhar, reunir gente bacana e querida, o que é bom demais. Agora, atribuir a elas poderes mágicos, como pudessem, por si, sozinhas, representar algum tipo de mudança — ou um “marco regulatório” para que algo mude —, é praticar um tipo de delegação que eu considero um pouco frágil, pra não dizer burra: a delegação para o tempo, como se ele, agindo por si, seja suficiente para que as coisas aconteçam.
O outro lado da supervalorização é sempre a frustração. Isso acontece muito? E como lidar?
Esse é o ponto! A celebração passa, o “tempo” não age como a gente espera — nem é função dele —, e a frustração é inevitável. A única coisa que o tempo faz sozinho, ou melhor, em “parceria” com o oxigênio, é enferrujar as coisas, e isso inclui nossos projetos de mudança, quando eles não saem do papel e ganham forma, disciplina de execução. E a única forma de não se frustrar é assumir as rédeas daquilo que queremos realizar ou conquistar, estabelecendo objetivos, dividindo-os em metas. Neste caso, passamos a contar com o tempo como um aliado, aquele “gerente” incômodo que vai, a todo o instante, olhar pra gente e questionar: “Ainda não fez tal coisa, por quê?”
Tem gente viciada em postergar. O que isso pode causar e como ser proativo?
É preciso compreender que apenas sonhar não basta — é preciso realizar. Apenas planejar não basta — é preciso executar de forma robusta, com metas, método, estabelecendo métricas para marcar os avanços, monitoramento e atenção às mudanças que podem surgir pelo caminho, desviando-nos dos nossos objetivos. A postergação habita exatamente no intervalo entre o plano e a execução, ali, naquela vala entre a criatividade, que alimenta o nosso campo das ideias (o nosso “mundo platônico”) e a inovação, que transforma nossas ideias em valor real, aqui (no nosso “mundo atômico”), enfrentando o bafo quente e o atrito da realidade. Em outras palavras, é usar o coração para abrir a trilha, e a razão, para pavimentar a estrada — ambos sempre na mesma direção, e buscando o mínimo intervalo entre eles. Quando essas duas forças não se encontram, ou o espaço entre elas se torna muito grande, muito permissivo, exatamente aí, nasce a frustração, a vida em estado de inércia.
Fim de ano chegou e, com ele, a lista de resoluções que já virou piada. Por que esse fenômeno acontece apenas em fim de ano? E por que a passagem de um dia para o outro é tão importante para as pessoas?
Como humanos, temos uma necessidade muito grande de estabelecer ciclos, com começo, meio, fim e recomeço. O dia de um ano novo valida esse sentimento de renovação, de virada de ciclo, de novas chances e oportunidades; no entanto, renovação implica ação, atitude, e não apenas subjetividades. Atribuímos um poder mágico ao primeiro dia do ano, que se mostra completamente irreal conforme as primeiras semanas do ano avançam, e a realidade, também conhecida como rotina, se impõe. É como se os nossos maus hábitos — incluindo a postergação — ficassem no dia 31 de dezembro e nos livrássemos deles apenas com a força do pensamento positivo, naqueles poucos minutos que separam um ano do outro. Pensamento positivo, quando não acompanhado de atitudes positivas, é receita certa de frustração, fórmula infalível para uma vida aborrecida logo mais, à frente.
O que você diria para alguém que quer mudar, mas não consegue?
Com o perdão do jogo de palavras, é preciso, antes, “mudar a relação que temos com a mudança”, compreendendo que ela não é um evento e passando a encará-la como um processo — um processo sustentado em pequenas e regulares atitudes que ajudem na conquista de cada fração da realidade que desejamos. Nesse processo, é fundamental não apenas ter clareza do objetivo que se deseja conquistar ou construir, mas também, principalmente, do ponto de partida: o autoconhecimento e a consciência do que é preciso empreender pra chegar aonde se deseja, quais campos de ação podemos influenciar com nossas atitudes, já que o “controle” mesmo é e sempre foi uma grande ilusão. Não controlamos nada, apenas influenciamos bem ou mal alguns campos de ação. E os campos que estão mais ao alcance da nossa influência são o nosso conhecimento, o nosso tempo, a nossa saúde e as nossas relações. Agindo sobre eles com consistência, conseguiremos consolidar a mudança de forma sustentável, não explosiva. Isso vai dar uma noção do caminho que se tem de percorrer, que pode ser mais longo e penoso para uns, mais curto e leve para outros, mas sempre sensíveis à nossa influência quando ela é regular, consistente, praticada diariamente, e não apenas uma euforia momentânea, aquela coisa de um ou dois dias no ano. Dizem por aí que “foguete não dá ré”, mas preciso lembrar que, se ele não for sustentável, corre o risco de explodir logo após a decolagem, ou da mudança como evento, se preferir.
Na sua experiência, por que é tão difícil mudar? O que você mais ouve em suas andanças?
Porque raramente passamos da visão da mudança, que é apenas o primeiro passo. E acredite: há pessoas que, só de visualizar a mudança, acreditam que já mudaram, especialmente na virada do ano. Há ainda, porém, dois passos cruciais — a decisão e a ação, que é o segundo, e o principal, aquele que vai ajudar a tornar a mudança algo sustentável: o compromisso da regularidade. Essa é a curva escorregadia da mudança, aquela em que precisamos entrar engrenados e em aceleração contínua. Se não aceleramos, não chegamos a ela. E se acelerarmos demais, sem sentir o terreno, simplesmente sairemos da pista. Um dos maiores exemplos é o desejo de iniciar uma atividade física. Já vi muita gente que fez essa proposição na noite de ano novo e, no dia primeiro, bate no peito e já tenta engatar uma corrida forte na beira da praia, sem condicionamento físico para tal. Na melhor das hipóteses, sai com uma lesão nos joelhos; na pior, com um infarto. Como diria Aristóteles, “a excelência não é um ato, é um hábito”.
Chega dezembro, e o povo fica doido, um mix de fim de ano com apocalipse… Como contornar a ansiedade?
Penso que não é apenas ansiedade pelo que está por vir, mas também angústia por não ter realizado o que se propôs 12 meses atrás. Fica parecendo último capítulo de novela, no qual tudo que estava enrolado tem que se desenrolar em alguns poucos minutos, antes que subam os créditos “Fim”. E ficamos assim, por perceber que somos afetados em nossos projetos mais pela nossa própria autossabotagem do que por questões exteriores e incontroláveis, que também fazem parte da vida e às quais não podemos nos furtar. Por exemplo, eu posso ter interrompido minha atividade física diária por causa da doença de um familiar a quem precisei dedicar atenção plena. Isso é incontrolável. Vez ou outra, seremos afetados por questões assim; ou posso ser interrompido por acreditar que já havia mudado por estar na academia, já há algumas semanas. Então comecei a relaxar na frequência e enfiar o pé na jaca ainda mais forte nos momentos de lazer. Afinal, “eu faço atividade física pra isso mesmo…”. Acredite: a segunda história é a mais comum.
Por que você decidiu abordar assuntos de, digamos, autoajuda? Veio da sua observação cotidiana? E o que vem de novidade na versão ampliada da “Revolução”?
Acredito muito mais em autoliderança do que em autoajuda — em assumir a responsabilidade, e não apenas ficar recitando mantras, fórmulas de sucesso etc. “A Revolução do Pouquinho” nasceu de um próprio momento de mudança pessoal: depois de anos atuando em agências de propaganda, onde desempenhava uma liderança altamente tóxica (aquele modelo yuppie dos anos 90, sabe?), um dia caiu a ficha do caminho errado que eu havia percorrido, no qual havia magoado e prejudicado muita gente. Foi a visão da mudança. Mas chegar um belo dia, dizendo “mudei, agora sou outra pessoa”, além de ridículo, não convenceria ninguém, pois não seria algo legítimo. Aquele “prédio comportamental”, que subi pelas escadas ao longo de vários anos, deveria ser descido também pelas escadas. Ali começou meu trabalho de pesquisa sobre o campo das atitudes humanas e como elas impactam nossas competências, nosso capital moral e também nossos resultados — uma pesquisa feita inicialmente para aprendizado próprio e que, depois de alguns anos, ganhou a forma de livro. Ao lançar a 1ª edição, há dez anos, me surpreendi com a quantidade de pessoas e de empresas que se identificaram com a proposta e iniciaram projetos de mudanças pessoais a partir dele ou, no caso de organizações, projetos de desenvolvimento da cultura a partir de lideranças mais efetivas e conscientes do campo das próprias atitudes. Afinal, elas “treinam” a equipe em silêncio, diariamente. A nova edição traz uma nova organização, novas histórias e também novas atitudes, agora divididas em trilhas que focam em competências essenciais, como o Autoconhecimento, os Relacionamentos, os Resultados, a Gestão de Mudanças e o Protagonismo. É a mesma essência, porém num livro novo, mais rico e, agora, com a validação desses 10 anos.
Como “ter humor de segunda a sexta” (título de um dos seus livros)?
Este foi exatamente o principal “pouquinho” que precisei empreender no meu próprio processo de mudança: entender que humor, mais do que algo que desperta o riso e o bem-estar, está relacionado à leveza com que conduzimos nossas relações e nossas atividades. E vamos combinar: somos mais desafiados nesse terreno nos chamados dias úteis, nos dias de trabalho habituais para a maioria das pessoas. Afinal, é bem mais fácil ser bem-humorada/humorado aos fins de semana e feriados… rs… Encarar o humor, não apenas como um traço de personalidade, mas também como uma atitude que se pratica diariamente, é o ponto central desse livro, que contou com prefácio generoso do querido professor Clóvis de Barros.
A partir da leitura desta entrevista, como a pessoa pode mudar seu ponto de vista e suas resoluções?
Desejar a mudança é saudável, mas o desejo, sozinho, não a sustenta. Trace o caminho a ser percorrido para cada resolução que declarar; transforme o desejo em objetivo a ser atingido ao longo do ano que se inicia; fatie esse objetivo em metas mensais e, depois, em metas semanais e até diárias se for o caso, tornando as frações da mudança mais alcançáveis e, por isso, mais fáceis de influenciar. Assim, tiramos a mudança da subjetividade e a trazemos para a vida real, não apenas com meta, mas também com método, métrica e, principalmente, monitoramento. É aqui que entram as pequenas atitudes da “Revolução do Pouquinho”, ajudando-nos a evitar a autossabotagem. Isso serve para empreender uma alimentação mais saudável, uma atividade física, um novo curso que se queira fazer, uma melhoria nas relações afetivas, a mudança de emprego através de uma transição saudável, o aprendizado de um novo idioma… , em qualquer área da vida em que se queira transformar a realidade a partir da consciência e prática das pequenas atitudes, com autorresponsabilidade, e não apenas jogando desejos aleatórios e frágeis para o Universo… Fazer isso é delegar para o tempo ou para a decisão de outras pessoas a nossa própria capacidade de realização. Algo que vai, invariavelmente, causar um grande esvaziamento.
Por Dani Barbi