A advogada Delaine Kühn, 42 anos, saiu do subúrbio carioca, no bairro de Colégio, e ganhou o mundo com uma trajetória de muito sucesso. Ela acaba de ser premiada com o “Melhor do Brasil no Mundo”, na categoria “Estrela da Comunidade”, no Palácio de Westminster, em Londres, em evento com convidados da revista britânica “High Profile”, fundada pelo brasileiro Rafael dos Santos.
Morando na Alemanha há 11 anos e com licença plena para exercer a profissão em terras estrangeiras, ela atua na defesa de mulheres e imigrantes, sobretudo brasileiras. O trabalho na dvocacia e no ativismo social contra a violência doméstica e direitos humanos lhe rendeu o prêmio. Cansou de ver advogados locais no aconselhamento dos imigrantes, com promessas de documentos, cobrando honorários extorsivos. Ela sabia que entenderia os brasileiros melhor do que qualquer advogado alemão.
Em 2004, aos 26 anos, se casou com o alemão Robert Kühn (com quem está há 19 anos) e foi morar no país do marido. Voltou ao Brasil depois de alguns anos, mas, em 2017, se mudou de vez para Hanôver, capital da Baixa Saxônia, onde concilia o trabalho com o mandato de vereadora distrital, cargo para o qual foi eleita em 2021 pelo Partido Social Democrata (SPD).
Pra você, o que significa receber esse prêmio?
Foi uma honra e um reconhecimento significativo do meu trabalho como advogada, ativista e vereadora e do impacto que tive na comunidade. É uma motivação para continuar contribuindo positivamente para um mundo melhor.
Sua vida é cheia de “prêmios”: saiu da periferia do Rio e, já adulta, foi para a Alemanha. Como isso aconteceu? Foi amor?
Foi desafiador, mas uma história cheia de aprendizado e superação. Minha primeira estada na Alemanha foi em 2004; aprender alemão rapidamente foi essencial para me integrar. Estudei intensivamente, participei de cursos e pratiquei com nativos. Não foi fácil, mas a determinação e o desejo de construir uma nova vida me impulsionaram. E o amor foi um dos motivos: me casei com Robert e temos uma filha, Giovanna, hoje com 16 anos. Retornei ao Brasil em 2008 e fiquei até o início de 2017. Meu marido foi para o Rio como um dos diretores da escola alemã Corcovado, e minha filha pôde se alfabetizar nos dois idiomas. Nesse período, trabalhei com empresas alemãs e, por cinco anos, no Consulado alemão no Rio, o que também me deu uma “expertise”.
No início, pensou em desistir? O que é mais difícil na adaptação? Do que sente mais falta e do que não sente falta de jeito nenhum?
No início, enfrentei desafios de adaptação, como o idioma e as diferenças culturais. Em relação ao preconceito, sofri mais no Brasil, especialmente no Rio, onde o racismo é recorrente. Na Alemanha, embora tenha encontrado desafios, minha trajetória foi menos marcada por preconceito racial. Sinto falta da minha família no Brasil e da energia do Rio, mas não sinto falta de certos problemas sociais e de segurança.
Você tem 42 anos. Um dia imaginou que pudesse estar onde está?
Realmente superou minhas expectativas. Sofri preconceito e racismo no Brasil e também na Alemanha em alguns momentos, mas isso não me impediu de buscar alguns de meus objetivos, que são muitos. Acredito que a vida no Brasil teria sido mais difícil pela falta de oportunidades e pelo racismo. Quando retornei em 2009, já com um bom currículo, eu sempre recebia “não” das empresas em candidaturas que tinham minhas fotos, mas era chamada para entrevista quando mandava CV sem foto. Isso doía; por isso, sou uma exceção, porém sair da comunidade não é uma decisão individual, e sim da sociedade, que tem de dar oportunidade; daí a importância da formação de uma sociedade antirracista. Lógico, tudo o que faço conto com o apoio de minha família, com uma mãe que trabalha mais de 60 horas por semana e que faz viagens de trabalho.
Como foi conseguir a licença plena para trabalhar fora com um diploma do Brasil? Como foi sua vida antes disso?
É um processo complexo, que quase não era feito ou, pelo menos, não era divulgado. Fui uma das primeiras ou a primeira a divulgar a realização de inscrição como advogada portuguesa na Alemanha, podendo advogar. Fiz a inscrição em Portugal e, depois, na Alemanha. Mas o caminho envolveu cursos de adaptação, vários estágios e minha experiência no trabalho de anos no consulado alemão do Rio. Antes disso, minha vida estava repleta de desafios e incertezas. Comecei prestando consultorias, mais na área de Direito migratório. As pessoas que eu atendia voltavam depois, porque tinham problemas com o marido, por exemplo, o homem ameaçar mandar a mulher de volta ao Brasil ou fazê-la perder a guarda dos filhos. E aí comecei a falar em grupos nas redes sociais sobre uma lei de proteção contra a violência, parecida com a nossa Maria da Penha, uma área em que o advogado alemão às vezes não quer atuar porque não dá muito dinheiro. O valor da causa também não costuma ser alto, e nem sempre o Estado cobre esses custos.
Como funciona o seu trabalho, no que você se especializou e como consegue tempo para os escritórios em três lugares diferentes?
Sou licenciada no Brasil, Portugal e Alemanha, e meu trabalho envolve uma ampla variedade de questões legais. Tenho uma equipe maravilhosa e conto com vários parceiros em muitas cidades diferentes. O Direito não pode estar limitado a apenas um lugar, portanto fazemos um serviço móvel para que os clientes possam contar com nossa expertise no direito alemão, português e brasileiro em áreas como os Direitos Internacional, Empresarial, de Família e Migratório. Tenho um projeto social ativo no Brasil desde 2001, no qual busco apoiar a comunidade carente onde nasci e promover o acesso à justiça e cidadania.
Além disso, você também é vereadora. Como surgiu o interesse pela política? Já viu a diferença entre a Câmara daí e a do Rio?
Meu interesse pela política surgiu do desejo de contribuir para uma sociedade mais justa e inclusiva. Meu pai, que morreu em 2012, sempre gostou de política e de ajudar as pessoas. Comecei a me encontrar com o pessoal do Partido Social Democrata e vi que tinha muita gente com histórico de migração; daí virei vice-presidente local de um grupo de juristas social-democratas — quando mudei de distrito, vi que lá não tinha nenhum imigrante. Conversei com o prefeito e os convenci de que seria importante ter uma mulher imigrante como candidata. Sou conselheira em Ricklingen, um distrito com cerca de 40 mil habitantes, e vice-presidente do conselho dos imigrantes da região. Embora haja diferenças entre a Câmara de Hannover e a do Rio, meu compromisso é representar os interesses da comunidade e trabalhar para resolver desafios locais, porém promovendo a união dos países e das câmaras. Gostaria muito, e já havia falado com o presidente da Câmara do Rio, para que Hannover e Rio pudessem ser cidades parceiras. É um cargo praticamente voluntário, e aqui tem que ser feito por amor.
Em relação à recepção aos imigrantes, o que o Brasil pode aprender com a Alemanha e vice-ve
Acredito na importância de promover a igualdade de gênero e proteger os direitos das mulheres, assim como o seu empreendedorismo. Também luto pela integração bem-sucedida de imigrantes, devido à minha própria experiência. Acredito que o Brasil pode aprender com a Alemanha nesse assunto, principalmente em termos de programas de capacitação e apoio de aprendizagem do idioma. Por outro lado, a Alemanha pode aprender com o Brasil sobre diversidade cultural e inclusão social, assim como a simpatia.
Você mantém um serviço gratuito para imigrantes? Como funciona? Esse é parte do projeto da ONG que pretende abrir? E vem muito ao Brasil?
Não para todos os imigrantes, porque tenho um escritório de advocacia, mas compartilho com muitos meus serviços em várias ONGs, inclusive com a que estamos abrindo de combate à violência doméstica, assim como o grupo Mulheres do Brasil, entre outros grupos de apoio à mulher e imigrantes, que pretendo expandir no futuro. Visito o Brasil periodicamente, para visitar a família e continuar a apoiar meu projeto social, assim como a trabalho.
Por Dani Barbi