Fabrício Carpinejar, o poeta gaúcho, escreve palavras lindas em guardanapos de papel. O texto e o suporte podem ser, aparentemente, temporários, descartáveis, porém a forma, o estilo, o modo de ver a vida e como isso se encadeia fazem de Fabrício mais do que um pescador de pérolas — artesão paciente e também cultivador, pacientemente induz a pérola, perfeita, dentro do molusco. “Cuide dos pais antes que seja tarde”, publicado em 2018, trata dos sentimentos cotidianos, aparentemente passageiros e, na verdade, definitivos: as relações com os pais, com os avós, com a família. É o que se sente nessa jornada que Vânia Brito idealiza o solo “Antes que seja tarde”.
O cenário de José Dias conta com dois elementos: uma cadeira alta, preta, giratória e uma mala de outrora, carcomida, aberta, com muitos livros e papéis que não se identificam — exatamente o que acontece durante os preciosos 50 minutos. Vânia é mais do que uma contadora: próxima, conversa com a plateia enquanto narra episódios, sem temporalidade linear, que misturam lembranças da infância, hábitos da família, o fortíssimo laço com a “nonna” e o “nonno”. Ao mesmo tempo, transforma a possível escrita de si em um diálogo, pois nos puxa, com pequenas expressões, para nossa inclusão no palco.
Vânia passeia pelo palco, pelas idades, pelos momentos, por um texto em que a presença da mãe paira sobre tudo. Essa mãe não é uma nem é única; como diria Mário de Andrade, a mãe é trezentos: aquela que briga, que sacode, que ensina, mas que se torna frágil com a idade e o passar do tempo. Essa doce construção encontra, na interpretação de Vânia, sob a direção de Delson Antunes, uma coincidência na modulação das palavras, nos gestos, na largueza dos braços e na contenção das mãos, sempre nos momentos corretos. Vânia consegue exprimir, com delicadeza, o que vai além, transformando em mar de almirante e em céu de brigadeiro as tempestades e ressacas das dificuldades do amor entre pais e filhos.
Serviço:
Teatro Cândido Mendes, Ipanema
Quartas e quintas, às 20h