George Orwell, escritor inglês, escreveu o clássico dos clássicos, “1984”. No entanto, podemos considerar que “Animal Farm”, aqui traduzido por “Revolução dos Bichos”, como a obra emblemática que analisa a relação de poder, ambiente limitado transformando os animais metafóricos em metonímias do comportamento humano. Bruce Gomlevsky, um dos mais criativos e profícuos encenadores, resolveu agora, em “A outra revolução dos bichos”, trazer o teatro à sua essência: um ator, um palco, texto, voz, corpo e luz.
Entra-se em um teatro escuro, com um ator vestido do que se considera traje social (camisa social e calça pretas), que está sendo uma plataforma preta, uma espécie de palco italiano diferenciando – único elemento cênico não totalmente padronizado. E lá está o ator Gustavo Damasceno, como um menino travesso, balançando as pernas, sorrindo e recebendo a plateia. Tudo apagado e “fiat luz”: Gustavo, de forma extraordinária, dá vida ao porco Napoleão, personagem líder e condutor da história que se vai contar – como os animais desenvolvem o regime animalismo e transformam tudo o que se move em duas patas como inimigo.
A dramaturgia de Daniela Pereira Carvalho constrói um texto que seria absolutamente clássico com cinco personagens apresentando seus conflitos. No entanto, o que se vê, essa é a grandeza da peça, é um só ator desempenhando os porcos, o corvo, a cabra e o cavalo de tal forma que o que se vê é um palco repleto de interpretações memoráveis pela forma com que Gustavo usa seu corpo e sua voz. Cada um dos personagens fala e se move de um jeito, e Gustavo lhes dá vida de forma absolutamente diversa, o que transforma a sua presença em uma interpretação memorável.
Há, claro, a discussão sobre o poder, traição, o que faz de “A outra revolução dos bichos” a mais cáustica e incisiva crítica aos últimos dez anos do que vivemos no Brasil, mas, como toda obra de arte, é a metalinguagem que transforma o espetáculo em um acerto de ponta a ponta. Gustavo representa animais, mas é homem. O palco não tem qualquer cenário; o que se vê de forma clara é a fazenda, as baias e o moinho. Quando acabamos, o que está posto é o trabalho de Bruce, um diretor que se permite, com absoluta competência, ousar e ter um resultado incrível; Gustavo, que é capaz de transformar a mão, com os dedos crispados, na pata de três dedos do porco, em um desempenho para se assistir e rever.
Serviço:
CCBB
Segundas, quartas, quintas, sextas e sábados, às 19h; domingos, às 18h