Hoje há um sentimento geral de que não se pode brincar na rua — a ideia de perigo é assombrosa. Peladas, amarelinha, queimado, corridas foram brincadeiras eliminadas da cena e substituídas pelos jogos eletrônicos. Contudo, graças a Deus, existe um Rio onde tudo isso acontece com destemor: campeonatos, seguidos de samba e churrasquinho. A fofoca dos vizinhos, as mágoas dos colégios, as azarações se misturam nas disputas dos campos. “Pelada – A hora da Gaymada”, escrito por Eudes Veloso e sob direção-geral de Orlando Caldeira, recupera a verdadeira alegria carioca porque transforma a disputa pelo campinho de futebol no eixo dramático.
O elenco masculino é perfeito: Adriano Torres, Aleh Silva, Djeferson Mendes, Digão Ribeiro, Eudes Veloso, Guilherme Canellas, Ipojucan, Lucas Sampaio, Raphael Elias e Rodrigo Átila, talentoso, expressivo, com o tempo perfeito da piada. Com a direção de movimento de Orlando Caldeira, o conjunto, na atuação, no uso do corpo, marca a diferença entre o time de futebol, aparentemente hetero e o time do queimado, formado por homossexuais que criam o nome Gaymada. Os figurinos são adequados: o futebol, camisas velhas, desencontradas. Os da queimada, quase um bloco de sujo, com pedaços de roupas que lembram uma possível feminilidade.
O texto de Eudes Veloso é um acerto de fio a pavio. As brincadeiras masculinas não são grosseiras, pois toda a linguagem, os embates momentâneos usam a linguagem do cotidiano, aquela mesmo ouvida nos ônibus, nos trens, nas ruas. Assim, a dramaticidade, entendida como a ação de que o teatro, se junta à voz, ao texto, aos movimentos, para ser ver um espetáculo raro.
A recuperação das tradições cariocas aparece em um documentário, exibido no intervalo entre as cenas, que localiza todas as situações: a amizade de colégio, a aceitação dos homossexuais, as figuras dos vizinhos, as casas, as ruas dos subúrbio, o sempre presente churrasquinho como o símbolo da união, da festa e da amizade. Salve o grupo, salve Orlando Caldeira, que nos dá a cidade de volta!
Serviço:
Teatro Poeirinha, em Botafogo, até 25 de agosto.
Quintas e sextas, às 21h.