Em três anos à frente do Instituto Brando Barbosa – o palacete da Rua Lopes Quintas, que ocupa um quarteirão inteiro do Jardim Botânico -, o empresário e suplente de senador Paulo Marinho não teve, digamos, muita dor de cabeça. As que surgem ele dribla, como o recente inquérito civil que foi parar no Ministério Público (MP) na última semana, com a queixa da Associação dos Moradores e Amigos do Jardim Botânico (AMAJB) sobre a possível utilização irregular do espaço, com reclamações de transtorno em região residencial. “Uma atitude extremamente egoísta com a nossa cidade. Não iremos perder tempo com isso”, diz ele.
Desde sua abertura, o casarão nunca havia sido visitado gratuitamente pelo público, até maio, quando o espaço de 12 mil metros quadrados de jardins recebeu 170 marcas para o evento Carandaí 25, que levou mais de 20 mil pessoas em quatro dias – o faturamento foi de R$ 1 milhão por dia. Os eventos ali costumam ser para convidados ou com venda de ingressos, como as três edições do CasaCor Rio – que volta para a quarta, entre 15 de agosto e 15 de outubro.
O casarão foi endereço de Odaléa (1927-2019) e Jorge Brando Barbosa (1919-2002) por mais de 40 anos. Eles o compraram na década de 1960 e recebiam amigos, políticos e artistas em animados almoços que foram registrados em centenas de fotos. Jorge, banqueiro formado em Engenharia, reformou, ampliou e decorou o palacete com móveis, arcos, portais, quadros e esculturas, num valioso acervo de cerca de mais de 4 mil peças, vindas de antiquários, conventos, sedes de fazenda e igrejas do interior – que vão desde trabalhos da artista inglesa Margareth Mee até, por exemplo, uma banheira de mármore, de Dona Teresa Cristina, mulher de Dom Pedro II.
Em 2015, em homenagem ao marido, de quem sempre quis preservar a memória, Odaléa doou tudo ao Museu de Arte Sacra de São Paulo, sob a promessa de José Carlos Marçal de Barros, diretor do museu e nome respeitado na área, de, depois da sua morte, transformar o instituto com o nome do homem a quem amou e se dedicou a vida inteira, mesmo depois de viúva. Foi então que José convidou Marinho, segundo disse à coluna, “conheci um entusiasmado pelo Rio, o Paulo Marinho e o nomeei diretor”. A propósito, as cinzas de Odaléa e Jorge estão no casarão.
Qual a razão de você ter assumido o Instituto Brando Barbosa?
Fui convidado por José Carlos Marçal de Barros, ex-presidente e fundador do IBB, para assumir a presidência do instituto. Nós compartilhamos algumas convicções, e tanto ele como eu estamos comprometidos com o futuro da nossa cidade e determinados a ajudar a mudar a autoestima do povo carioca, principalmente através da cultura e do lazer. Acredito que a arte desempenha um papel fundamental na desconstrução de preconceitos profundamente enraizados em nossa sociedade. Mas a razão principal foi a de querer viabilizar a abertura do palacete para dar a oportunidade de acesso aos cariocas que querem conhecer essa joia do Jardim Botânico.
Você acha que está, de alguma forma, mantendo o desejo de Odaléa, de transformar em instituto para preservar a memória do marido, Jorge Brando Barbosa? 3) Tem trazido alegria?
O Instituto Brando Barbosa é um “sonho que foi sonhado junto” pelo casal Jorge e Odaléa Brando Barbosa, com o desejo de promover o desenvolvimento humano e social através da arte e da cultura. Não se trata, portanto, de um “projeto póstumo”: foi o próprio Jorge Brando Barbosa, em vida, quem deu os primeiros passos da jornada que trilhamos hoje. Com a morte do marido, Odaléa passou a procurar possíveis parceiros com a sensibilidade necessária para compreender o sonho cultivado no coração do casal, o compromisso com o destino democrático que se desejava dar ao patrimônio e a experiência para executar um projeto de tamanha monta. Foram muitas as sondagens até encontrar, no professor Marçal de Barros, as competências necessárias para dar sequência ao ambicioso projeto. E aqui estou eu, mais um elo nessa corrente, trabalhando para dar continuidade ao sonho de estabelecer o Instituto Brando Barbosa, como um presente para o Rio.
Quais as suas previsões para o futuro do Instituto? O que vem por aí?
Existe um pequeno grupo de poderosos moradores do bairro que querem transformar o palacete num ambiente de sua exclusiva contemplação, numa atitude extremamente egoísta com a nossa cidade. Com esses nós, não iremos perder o nosso tempo – preferimos focar no trabalho de investimento no futuro do IBB, e muitos parceiros estão envolvidos nessa iniciativa. Há muitas ideias e projetos que estão sendo debatidos e um amplo grupo dedicado a pensar os caminhos possíveis.
Quais ideias e projetos?
Alguns passos importantes já foram dados – um deles foram estudos sobre possibilidades de reinterpretação dos espaços. Afinal, não se trata mais de uma residência, mas de um local de atividades e serviços abertos ao público e, para tanto, precisa estar preparado pra isso. Realizamos também uma análise criteriosa de todos os bens móveis, com técnicos do Museu de Arte Sacra de São Paulo, profissionais do Instituto e empresas especializadas. O resultado foi um recorte de itens com relevância cultural e histórica, uma real conexão com o casal Jorge e Odaléa e uma objetiva convergência com o propósito, dimensão, plasticidade e estética que são propostos. As decisões são conduzidas pelo desejo de fazer desse espaço um local de efervescência criativa, de beleza e de humor, características marcantes de Jorge e Odaléa, testemunhadas por todos aqueles que desfrutaram da sua companhia.
Recebendo grandes eventos, como conviver pacificamente numa região que sempre foi residencial?
O Jardim Botânico já tem muitas operações comerciais funcionando em plena harmonia e respeito com a vizinhança residencial. Existem colégios, restaurantes, igrejas e até o ícone do bairro que é a sede da Rede Globo, que só valorizou o patrimônio imobiliário da vizinhança. As cidades são locais de encontro, onde os cidadãos buscam um ambiente propício para viver, trabalhar, se entreter. Para que esses espaços sejam verdadeiramente acolhedores, é fundamental que haja um engajamento conjunto na busca por uma convivência harmoniosa, com as necessidades e preocupações de todos sendo ouvidas e consideradas.
A partir de agosto, terá mais uma edição da CasaCor, além de outros eventos. É importante para a casa, por quê?
Existem muitos motivos para a realização de eventos: econômicos, pedagógicos, de comunicação, para relacionamento, entre outros. Podem ser uma fonte extra para manutenção, para custear atividades que possuam menor capacidade, oportunidade para atrair públicos. São importantes ainda, pois instituições de cultura fazem parte de um contexto maior que, junto a outros espaços e iniciativas, impulsionam o turismo da cidade. Eventos também geram emprego e renda, diretos e indiretos. Além da CasaCor e da Carandaí, também abrimos espaço para diversas produções audiovisuais (já foi casa do personagem de Antônio Fagundes), cursos e uma variedade de outras atividades.
Como é um imóvel tombado, nada pode ser construído no terreno, ou seja, não serviria para outros projetos, que não um centro cultural ou algo do gênero. Que outras possibilidades poderia ter?
Independentemente do tombamento, nosso compromisso está na preservação do bem e legado de Jorge e Odaléa.
Das peças do acervo, quais as suas prediletas?
Tenho carinho especial por quatro itens: a) uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, presente de casamento da mãe de Odaléa, Zaíra, ao casal; b) o quadro “A Tempestade”, comprado em um leilão, depois de acirrada concorrência com Getúlio Vargas (o par dessa tela, “A Bonança”, foi arrematado pelo representante do Presidente); c) uma imagem de São Sebastião: além de linda, retrata o padroeiro da nossa cidade; d) um pequeno par de porcelanas chinesas, muito delicadas e simples, mas que, para Odaléa, representava o amor eterno entre os dois.
Hoje, você assumiria o Brando Barbosa?
Sim, me sinto muito honrado em liderar esse projeto e pretendo permanecer à frente do instituto até alcançarmos o nosso objetivo de transformá-lo numa entidade autossustentável, independente, gerando empregos e servindo aos interesses da cidade.