Grandes nomes da arquitetura brasileira são do Rio, entre eles, Miguel Pinto Guimarães e Sérgio Conde Caldas, sócios e empreendedores do mercado carioca — principalmente. Claro que, se convidados para um projeto em Tóquio ou em Trancoso, certamente não iriam rejeitar, desde que nessa conhecida sintonia profissional. E muito falada, diga-se, mais ainda desde que, no último 21 de julho, a Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos (CCPAR) anunciou a empresa ganhadora da licitação do Jardim de Alah, o Consórcio Rio + Verde (das empresas Accioly Participações, DC-Set, Opy e Púrpura), que vai administrar o local por 35 anos, com poder de explorar a área comercialmente. Existe tanto quem ame tanto quanto quem odeie — já aconteceram queixas, reclamações, revoltas de toda ordem, com abraços simbólicos à área. Por outro lado, os que aprovam, e permanecem em silêncio, acham que não se declarar é o suficiente.
A Associação dos Moradores e Defensores do Jardim de Alah (AMDJA) é contra; a Associação de Moradores e Amigos de Ipanema (AMAI), a favor, e assim vai… Recentemente, moradores entraram com processo contra a Prefeitura. A juíza Alessandra Tufvesson, da 8ª Vara da Fazenda Pública da Capital, tinha vetado as obras no Jardim pela empresa vencedora da licitação. Nesse vaivém de emoções, resolvemos ouvir um dos arquitetos. Leia sua entrevista:
Como você define o projeto para o Jardim de Alah?
Um manifesto da não arquitetura! Eu e meu sócio, Sérgio Conde Caldas, procuramos desenvolver um projeto sustentável com mínimo impacto na paisagem, tanto natural quanto construída — uma arquitetura mimética. O projeto, inclusivo e democrático, abraça todos os que têm direito ao seu usufruto. Nossa meta é reverter uma área abandonada, há pelo menos 40 anos, através dos melhores conceitos de urbanismo e de arquitetura, com enorme capacidade de valorizar o entorno direto e indireto.
O que existe contra ou a favor pra você, como cidadão carioca?
O ponto mais forte é a capacidade de catalisar a transformação que devolverá à cidade uma área de extrema importância, que, há décadas, não cumpre a sua função social e que passará a efetivamente conectar seus dois bairros lindeiros e duas das principais áreas de lazer, Lagoa e praia. Sinceramente, não vejo nenhum ponto contra, a não ser o transtorno temporário que qualquer obra, de pequeno ou grande porte, pode causar na vizinhança. Mas essa é a realidade de uma cidade vibrante, dinâmica e em constante transformação.
Os moradores querem conhecer mais a fundo o projeto. O que você diria?
Sempre estivemos à disposição para apresentá-lo. Nós e nosso sócio Alexandre Accioly tivemos inúmeros encontros com dezenas de indivíduos e associações, entre eles, as associações de moradores e comerciais dos dois bairros e da Cruzada São Sebastião, todas essas manifestando apoio maciço. Conversamos também com a Associação de Moradores do Jardim de Alah, com quem temos uma convivência muito elegante e republicana, embora com muitas discordâncias com a sua presidente, Karin Morton. Vale lembrar que não podíamos divulgar o projeto publicamente, por se tratar de uma concorrência tipo técnica e preço, em que, obviamente, não era conveniente que os concorrentes tivessem acesso ao nosso projeto; por isso, não nos foi possível apresentar o projeto em grandes assembleias. Te asseguro que, nos próximos dias, marcaremos apresentações públicas e que já temos encontros sendo agendados no IAB, Firjan, ACRJ, PUC e UFRJ.
Quais vantagens principais você destacaria para o Rio?
O projeto, depois de implantado, promoverá valorização imediata dos imóveis da região, contaminação positiva e ativação do comércio abandonado das primeiras quadras de Ipanema e Leblon. Se entendemos que as ruas mais valorizadas de Ipanema são a Aníbal de Mendonça e a Garcia d’Ávila, é de espantar o abandono do Bar Vinte, por exemplo. O novo Jardim de Alah será capaz de recuperar a atividade econômica vizinha com irradiação positiva, além do enorme potencial de integração social da Cruzada São Sebastião ao tecido urbano e social de que, legitimamente, faz parte e do qual tão pouco usufrui — com ferramentas eficientes para evitar a gentrificação.
Qual foi a inspiração para o projeto, considerando que ali é um respiro entre o Leblon e Ipanema? Cite exemplos do que você viu ou conhece outros lugares que funcionam com PPP e são exemplos de economia circular para a cidade.
Ali, nunca deixará de ser um respiro! Entregaremos um parque urbano integrado, linear, vibrante, ativo, capilarizado e principalmente diverso! Vale lembrar que não é exatamente uma Parceria Público Privada, e sim uma concessão, em que não há nenhum centavo de investimento público, apenas do concessionário, que pagará à Prefeitura uma outorga fixa e uma variável, e ainda assumirá todos os gastos com segurança, manutenção e demais serviços em toda a área durante o tempo de concessão. Nossos exemplos mais próximos são as recentes concessões de sucesso dos parques de São Paulo, como Ibirapuera e Villa-Lobos, este último, operado com extrema competência pela DC Set, um de nossos associados. Outra referência icônica é o High Line em Nova York, parque proposto, implantado e pago pela sociedade civil, que alterou o perfil do Meatpacking e se estendeu até o Chelsea, atraindo investimentos, equipamentos culturais, como o Whitney Museum, e que possibilitou o surgimento de um bairro inteiro, o Hudson Yards, uma das áreas mais valorizadas de Manhattan.
Como é assinar um projeto entre bairros onde você sempre viveu?
Realmente, nasci em Ipanema e cresci no Leblon; hoje moro em Ipanema, ano em que me mudo de volta para o Leblon. Meu sócio nasceu no Leblon, hoje mora na Nascimento Silva, na esquina com a Henrique Dumont. Cruzar a pé o Jardim de Alah faz parte da nossa rotina diária há 50 anos! Daí, o nosso inconformismo e o tesão por esse projeto potente e transformador e a vontade de deixar um legado aos dois bairros, pelos quais temos profundo carinho, mas principalmente a esta cidade pela qual somos apaixonados, onde construímos nossa reputação e nossa história profissional pelos últimos 30 anos. Os moradores podem ficar tranquilos, pois o respeito à memória e às proporções dessa região foram enormes, e isso ficará claro quando o nosso projeto, que foi o melhor pontuado, e os dos outros concorrentes forem publicizados. A nossa responsabilidade é ainda maior, pois estaremos por perto, escutando críticas e elogios pelas esquinas do bairro.
Alguns moradores entraram com um processo na Justiça pedindo veto ao projeto porque ele não seria 100% transparente e, como a área é tombada, descaracterizaria – e perguntam sobre os estudos ambientais e sonoros, com os eventos (shows, feiras etc.), que devem acontecer por lá futuramente… faz sentido?
Não há com o que se preocupar. Em relação à tutela, acredito que a tese por nós defendida vá atender à APAC do Leblon. O nosso projeto consta com pareceres técnicos de profissionais gabaritados que elaboraram estudos de impacto viário e sonoro que foram incorporados à nossa proposta técnica. Trabalhamos com consultores ambientais e de sustentabilidade, cujos cálculos preveem, por exemplo, uma redução de emissão de 1.679 toneladas de CO2 e uma diminuição de até três graus centígrados da temperatura do parque futuro vis à vis o atual; no entanto, não existe unanimidade. Com certeza, o parque a ser implantado incomodará os que não concordam com o espírito do ser urbano e a vitalidade que faz pulsar as suas vias. Sou um urbanista, portanto amante de tudo aquilo que configura uma cidade, gente na rua, trocas, encontros, inovação, diversidade, dinamismo, suas belezas e até mesmo as suas mazelas.
Outro problema é o canal do jardim – uma postagem de 16 de julho mostrou que é possível caminhar na areia que compactou, por falta de entrada de água do mar, enquanto, numa das fotos do projeto, aparece um canal límpido e cheio. Como pretendem resolver esse problema?
Desde o começo de todo esse processo, temos conversado com diferentes técnicos e engenheiros que estudaram ao longo das últimas décadas a questão do desassoreamento do canal e da oxigenação da lagoa. Temos tudo mapeado. Existem várias alternativas viáveis e possíveis para a resolução definitiva dessas questões que são determinantes para o sucesso deste projeto. No entanto, não fazem exatamente parte do edital, até porque muitas das questões hídricas são de responsabilidade do estado, e não do município, assim como os custos de implantação devem ser públicos. Mas o que podemos garantir é que apenas uma concessão desse porte pode catalisar a resolução de todos esses problemas históricos, como a balneabilidade da lagoa e a navegabilidade do canal. Cobraremos e seremos parceiros de todas as esferas do poder público nesse sentido!
Nas décadas de 1950 e 1960, ali era um ponto de encontro para as famílias. Acredita que isso possa voltar a acontecer? Por quê?
Claro! E esse é exatamente o objetivo do projeto! O novo Jardim de Alah é voltado para as famílias. As crianças devem ser o termômetro do bom funcionamento da urbanidade. Uma cidade que funcione bem para as crianças funcionará melhor para todos os outros cidadãos, mas que seja inclusiva e diversa. O conceito de parque contemporâneo inclusivo passa pelo pisar na grama, jogar bola, fazer piquenique. O parque contemporâneo requer grandes áreas livres e gramados, como os parques românticos ingleses do século XVIII, talvez a mais profícua época na história da paisagem, cujos melhores exemplos em terras cariocas são a Quinta da Boa Vista ou o Campo de Santana. Mas o Jardim de Alah será principalmente democrático!
Você se sente atingido pela agressividade nas redes sociais em torno desse assunto?
De maneira nenhuma! Ou eu trabalho, ou posto, leio e comento; não dá pra fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Tenho total respeito pelos comentários inteligentes e críticas construtivas que chegam a nós; aliás, a grande maioria são mensagens de apoio. Só lamento sermos, eu e você, de um saudoso tempo em que a pauta do mundo eram editores, curadores e articulistas, e não os algoritmos que destilam ódio e explicitam o pior da sociedade. Já estou na segunda metade da minha vida, e você sabe bem o quanto ela foi cruel comigo. Não serão as sociais que vão alterar meu plácido semblante!