Pode-se dizer que Claude Troisgros tem uma grande trajetória brasileira: está há 44 anos no Rio, onde fez seu nome virar uma grife da gastronomia. Poderia estar em Trancoso ou na Riviera Francesa, deleitando-se com a agenda livre, mas parece preferir a inquietação — em menos de um ano, abriu dois restaurantes na cidade carioca. Esse é seu meio de vida, por óbvio, mas não deixa de ser também amor à cidade e confiança na retomada do turismo. Troisgros é dos poucos chefs que conseguem escapar até das línguas de navalha (rsrsrsrsrs)! Você não vê ninguém dizer “fui-ao-claude-e-tava-uma- merda”.
Nesse sábado (29/04), o chef inaugurou o Cantina do Claude, tipicamente italiana, com apenas 18 mesas, ao lado do francês Chez Claude, há cinco anos no Leblon. Assim como faz com sua culinária francesa, cheia de memórias afetivas (ele é filho de Pierre Troisgros, um dos criadores da nouvelle cuisine), desta vez, ele puxa pelo lado italiano, que vem da avó materna, Anna Forte, a Mémé, que imigrou da Itália no pós-guerra para Roanne, na França, onde Claude nasceu.
Em setembro, com o curador e artista visual Batman Zavareze, Claude trouxe um novo olhar para a gastronomia com o Mesa ao Lado, também no Leblon, restaurante que recebe 12 pessoas por vez, em duas horas e meia para uma experiência gastronômica autoral, acompanhada de projeções, música e poesia. Faz tempo que Claude não é só cozinheiro – é apresentador (na GNT), consultor do cardápio da Azul nos voos internacionais, garoto-propaganda (é embaixador da BMW) e assim vai…
Leia sua entrevista:
UMA LOUCURA: “Eu acho que meu cachorro é a minha avó italiana. Quando eu olho no olho do Dedé, fico conversando por horas, e ele me responde, obviamente; então, isso é uma loucura: achar que estou conversando com gente grande e com a minha avó que me educou a vida inteira.”
UMA ROUBADA: “Passei por muitas, mas eu sou motoqueiro, gosto de sair um pouco do roteiro normal dos motoqueiros, me enfio no mato, nas estradas de terra, vou a lugares mais afastados, e isso me leva a roubadas. A última foi na Cordilheira dos Andes, entre a Argentina e o Chile, no Paso San Francisco. Eram 4 da tarde, e eu subi 5 mil metros de altura quando a motocicleta não ligava mais – o starter estava apagado. Meio apavorado, a luz do sol caindo, ficando frio, com previsão de menos de 10 graus. Sem saber o que fazer, liguei para a BMW do Brasil (marca da moto da qual ele é embaixador), que me assessorou para eu ligar para BMW do Chile, que só podia chegar no dia seguinte… Eu não sabia o que fazer. Estava na maior roubada. Me deu um nervosismo, fiquei puto com a minha moto, dei um soco no starter, e ela ligou! Isso, depois de duas horas de roubada; enfim, consegui descer.”
UMA IDEIA FIXA: “Quando eu era adolescente, o Tibete e o Nepal eram lugares aonde todos queriam ir, um sinônimo de liberdade, enfim, de países orientais diferenciados. E tenho esse sonho desde pequeno, mas sempre achando que o dia em que eu for ao Tibet, nunca mais vou voltar. Eu não sei se vou morrer lá, se vou me mudar para lá, se vou me apaixonar por lá, enfim… O meu sonho sempre me fala: vá ao Tibet, você tem de ir ao Tibet, mas, quando você decidir ir ao Tibet, não vai voltar. Então, essa é uma ideia fixa da adolescência até hoje. Ainda não fui ao Tibete e prometo ir todos os anos. Falo para minha mulher (Clarisse Sette): ‘Olha, se eu decidir ir ao Tibete, não sei se vou voltar.'”
UM PORRE: “Foram tantos… Mas o último que me lembro (porque hoje eu bebo muito pouco) foi um dos primeiros carnavais que vivi aqui no Brasil. Eu desfilei para a Caprichosos de Pilares, e aquela coisa: antes de entrar na avenida, você bebe todas; você não sabe nem o que está bebendo, mas bebe. Ficou longo, né? Então, atravessei a Sapucaí e cheguei ao fim, muito fora de mim. Entrei com os amigos dentro de um ônibus para voltar pra Zona Sul. A partir daí, não me lembro de quase nada; só sei que o ônibus mexia muito, balançava muito. E eu perguntava aos meus amigos para onde a gente estava indo? ‘Estamos indo pra Paris? Pode ter muita turbulência, esse avião tem muita turbulência’. Enfim, aí deu um apagão geral e eu acordei só no dia seguinte.”
UMA FRUSTRAÇÃO: “Ela vai ser resolvida, mas vai, cada vez mais, ser mais difícil, né? Eu tenho um sonho que é dar a volta ao mundo de moto, passando por todos os países do mundo: América do Sul, a Colômbia, Japão, América do Norte, Europa, África, países orientais, Rússia, todos os países nórdicos… Esse é o meu sonho de vida, que pode durar dois anos; tenho essa frustração ainda de não ter feito. Penso nisso há muitos anos, mas o tempo não me deixa resolver essa frustração. Mas vai acontecer!”
UM APAGÃO: “A gente tem muitos, né? Como contei do porre… Outro é que sou muito sensível para seringas, por exemplo, não consigo doar sangue porque eu apago imediatamente. Fazer um exame de sangue pra mim é uma tortura – é um apagão geral. Mas eu acho que, pra todos nós, o maior apagão que a gente teve até hoje foi essa pandemia, né? Que apagou todos nós. Foi muito difícil.”
UMA SÍNDROME: “Essa eu passo porque não tenho.”
UM MEDO: “A palavra medo não faz parte do meu vocabulário. Tenho uma coisa dentro de mim, desde pequeno, que pode ser discutível, e muita gente discute comigo sobre isso. Temos que ter medo, mas não necessariamente manifestá-lo, senão ele te bloqueia.”
UM DEFEITO: “A gente tem muitos, mas, em geral, essa palavra está sempre ligada um pouco ao lado negativo. Ah, sei lá! Eu tenho um olho torto. Sou perfeccionista, embora ache esse defeito muito positivo. Quero as coisas sempre muito bem feitas, seja na cozinha, na vida, na economia, na família.”
UM DESPRAZER: “Tem uma coisa na vida que eu não gosto e não vou de jeito nenhum (pode me convidar quarenta mil vezes!), que é andar de barco, grande ou pequenininho. Barco, pra mim, é um desprazer total, um negócio que não me faz bem: eu me sinto fechado, com falta de ar, pode ser gigante.”
UM INSUCESSO: “A gente sempre fala de todos os sucessos que temos na vida, né? O que a gente faz bem, o que dá certo – muitas vezes, ligado à nossa profissão, obviamente. Mas, cara, tem uma coisa que eu não tenho paciência – até tento fazer, mas é sempre um insucesso -, que é arrumar a casa, colocar um prego na parede para pendurar um quadro, por exemplo. E outras coisas. Dá tudo errado: a parede cai, o quadro fica torto, enfim… É melhor eu não fazer.”
UM IMPULSO: “Tem um lado meu que gosta muito de esportes radicais. Obviamente, quando você tem 20 anos, o corpo reage muito melhor, mas, quando você tem 67, que é o meu caso, não. Já fiz asa delta, parapente, motocross, enduro, competição de bike, kitesurf e faço ainda rali de moto em trilhas. No meu último impulso, que foi fazer aula de wing surf (surfe com prancha e parapente em que você fica no ar dentro do mar), machuquei o ombro porque não tenho mais idade, eu diria, para fazer esse tipo de loucura. Ela fica fora da água, aí você vai velejando. É muito lindo de ver, mas muito difícil de aprender.”
UMA PARANOIA: “Não passo de jeito nenhum debaixo de uma escada. Isso vem da minha avó, inclusive porque ela tinha essa paranoia, que passou para mim e para meus irmãos. Somos todos iguais: a gente não passa embaixo da escada, não tem jeito. Paranoia total.”