Rosangela Lyra, ex-diretora da Dior no Brasil, hoje à frente do Instituto Política Viva, promovendo discussões políticas, estava numa das longas temporadas que costuma passar na praia da Baleia, onde tem casa, em São Sebastião, quando foi surpreendida pelo temporal, no dia 18/02, jamais imaginando uma tragédia com tais dimensões (com 64 mortos oficiais até este domingo 26/02). Rosângela saiu pelo condomínio, conversando com os vizinhos — conseguiu de água a travesseiros, de comida a colchões, para socorrer as vítimas. “Sempre fui uma pessoa de executar, de ir atrás”, diz ela.
O que te chamou atenção na noite da tempestade que devastou São Sebastião?
Há alguns anos, eu resolvi dividir minha vida entre São Paulo capital e o litoral norte. Lá é meu Lar; é onde o coração está. Na quarta-feira, trovões e relâmpagos de quantidade e potência que nunca tinha visto; na quinta-feira muita chuva; no sábado, final do dia, começou a chover forte. Às 22h fui até a praia porque ouvi um barulho diferente do mar batendo, uma energia distinta no ar. As forças da natureza estavam poderosamente instigantes. Fiquei olhando o mar e a praia por alguns minutos e voltei pra casa encharcada de chuva. Ainda não havia troncos de árvore na praia, e as encostas ainda estavam intocadas.
O que mais te assustou até aqui?
Num primeiro momento, a vulnerabilidade de ficar isolada, a impossibilidade de ir e vir e a desigualdade que fustiga, a constatação de que são sempre os mais pobres, os vulneráveis, que não têm escolha, que têm que subir para o morro, em áreas de risco, que são os mais afetados, sempre os mais prejudicados. Isso tem que mudar.
3- Você continua envolvida? Como?
Eu voltei pra São Paulo porque a Defesa Civil pediu que voltássemos. A questão de água, energia, lixo, infraestrutura incertos e o possível fechamento das estradas fizeram com que nós voltássemos.O corpo voltou, mas o espírito está lá, e continuo buscando identificar as necessidades imediatas, buscar os produtos e a forma de envio mais rápida. Ontem estava atrás de galochas, cloro para limpeza, visando diminuir os riscos de contaminação por doenças. Estou também solicitando às autoridades que usem as madeiras para criar espaços de convivência, ginásios, para as comunidades e que a Sabesp leve água para aquela região, que é abastecida da água que vem das montanhas.
Como e por que começou a ajudar? O que vai ficar pra sempre em você?
Como não ajudar? Nas primeiras 36 horas, quando não tinha acesso das pessoas de fora, éramos nós, das três praias, que estávamos lá, que tínhamos que socorrer o pessoal da Vila Sahy, que estava desabrigado, soterrado. A própria comunidade, os salva-vidas, os que estavam lá ajudaram. Fundamental, essa ajuda.
5- Como privilegiada — em educação, saúde e todos os acessos —, esse episódio te transformou ou o “olhar ao outro” sempre existiu?
Fez aumentar o meu ativismo político, pois, somente com políticas públicas, poderemos mudar essa realidade. De resto, as ações emergenciais de solidariedade são importantíssimas, mas a mudança só virá através de políticas públicas voltadas aos mais pobres, de governo que pense nos mais pobres e na diminuição da desigualdade gritante do nosso país. E isso só é possível com um governo competente e que veio para cuidar.
Você tem uma opinião de como as políticas públicas têm que lidar com casos do tipo? Existe a mudança climática — as chuvas estão mais intensas nos últimos anos, ou seja, algo precisa mudar, as cidades precisam se preparar para os desastres naturais.. Como você enxerga isso?
Na segunda-feira pela manhã, falei com o ministro Padilha, das Relações Institucionais. Avisei que estava lá. Ele me perguntou das acessibilidades mais urgentes. Depois de listá-las ressaltei a importância de um programa de casas populares “minha casa minha vida para a região, de leis para que haja fiscalização de moradias e ocupações em área de risco, dando uma opção para que as pessoas não tenham que subir o morro pra morar próximas à região que emprega. Moradia com dignidade. Saneamento e transporte.
Foram 28 anos atuando no mercado de luxo e, ainda, como presidente da Associação dos Lojistas dos Jardins. O que aprendeu nesse tempo? Claro, são muitos anos, mas digo no sentido de valores mesmo.
Meu trabalho era com luxo, mas meu olhar sempre foi mais amplo: trabalhar o sonho com os pés no chão. Pedi demissão em 2010, mas tive que ficar até 2013. Em 2013, criei o movimento Política Viva, de educação política, que se transformou no instituto Política Viva. Porque só evoluímos como sociedade, como país, como seres humanos, com consciência política, fortalecendo a democracia e combatendo a desinformação.
O Instituto Política Viva, há uns três anos, virou organização da sociedade civil, com mais de 2 mil integrantes de ideologias diversas, tendo em comum a defesa da política e das instituições. Você declarou voto em Lula no começo de 2022, mesmo vivendo no meio de muitos bolsonaristas. Como lidar com isso?
É muito difícil conviver com adeptos do ‘bolsonazismo’. Radicalizei e me afastei de todos. Como conviver com quem prega a volta da ditadura, apoia um genocida, um desgoverno armamentista, que despreza o ser humano e produz a cultura de morte? Se eu for falar sobre política, precisaria de um espaço maior. Slogan do Política Viva em 2013 era “movimento suprapartidário, de Jean Wyllys e Jair Bolsonaro”’. Quando disse, em 2017, que Jair representaria um perigo, políticos mais experientes davam tapinhas nas minhas costas: “Filha, você não sabe o que diz”, mas eles não conseguiam ver o que eu, de fora, sem filiação partidária e sem pretensão política, enxergava.
Muita gente deve acreditar que, ao lidar com glamour, uma mulher não pode entender de política. Você já foi muito julgada pela capa?
Quando fundei Política Viva, tive que ir a Brasília muitas vezes; no início, para convidar pessoalmente os políticos a virem a SP para os encontros com a sociedade civil interessada. Houve uma descrença inicial por parte deles por eu ter vindo do mercado de luxo, mulher e jovem dentro do universo político. Já em SP, as perguntas recorrentes quando lancei o Política Viva: “Qual partido você é filiada?”, “Qual cargo você vai se candidatar?” Porque as pessoas naturalmente esperam que você faça algo para beneficiar a si próprio. Trabalhar pelo coletivo sempre esteve em meu DNA.
Quais os próximos passos do Política Viva?
Ajudar a eleger o melhor prefeito, que esta cidade que acolhe a todos merece!
A foto foi na Praia da Baleia, dia seguinte à tragédia.