Existe um mundo do qual a maioria das pessoas não toma conhecimento: uma gente que parece ter nascido de chocadeira; uma gente cuja vida é feita de apenas uma palavra, sobrevivência; uma gente sem afeto, sem ligação com o que se passa sobre o solo; uma gente que vive entre si, sem possibilidade de ver o sol. Desses temas é o que trata “Órfãos”, um clássico da dramaturgia americana.
Escrita em 1983, “Orfãos” é um teatro para os sentidos e emoções, não para a mente. A peça em si, de Lyle Kessler, é melhor considerada como um trampolim tenso para seus atores, pois não há razão para alcançar o que se passa em cena. É um triângulo que se digladia por tudo – pela surpresa, pelo ódio, pelas diferentes semelhanças que levam a platéia a se sentir o tempo todo como deslocada do que se vê, o que se transforma em emoção.
Além da frenética movimentação no palco, os três atores se alternam com vozes, gestos, encontros que vão subindo o tom até o clímax final – um caleidoscópio que se monta em um cenário de Natália Lana, puro trash, mas moldura perfeita para o que se vê. A criação do fascínio se dá pela mistura de um humor cáustico, ferino, absurdo com um melodrama metafísico, no qual destinos, aparentemente, simplórios se engrandecem com o seu encontro. Philbert e os três atores, com rara eficiência, criam um ambiente assustador e hermeticamente fechado, onde cada evento estranho parece mais real do que real. Os homens que vivem neste mundo assustador batem a cabeça contra suas paredes, enquanto nós agradecemos, por incrível que pareça, termos tido pai e mãe.
Serviço:
Teatro Gláucio Gil.
Sábados e domingos, às 20h.