Aqui perto estão construindo um condomínio de casas de alto padrão.
“Alto padrão” quer dizer casas com linhas retas (sem pingadeiras, para que a água da chuva possa escorrer livremente pelas paredes, deixando-as manchadas em questão de meses), sem beiral (de modo que o ar condicionado tenha que ficar ligado o verão inteiro), com varanda gurmê (de modo que o cheiro de gordura e alho da casa do vizinho venha até você – porque não há registro histórico de que alguém tenha um dia usado uma varanda gurmê para fazer algum prato minimamente gourmet). E, claro, com área de lazer.
“Com área de lazer” deveria constar do contrato em letras miudíssimas, como se fosse a taxa anual do cheque especial, os riscos de uma harmonização facial ou a indicação de que a obra está sendo feita sobre um antigo cemitério indígena ou num aterro sanitário.
“Área de lazer” costuma significar uma piscina cheia de crianças aos gritos (e de mães surdas); uma quadra de tênis com um treinador tentando (aos gritos) convencer um perna-de-pau (no caso, braço-de-pau) de que basta se vestir de branco e gemer a cada raquetada para virar um Rafael Nadal; uma quadra poliesportiva na qual adolescentes com vasto vocabulário chulo praticam a terapia do grito primal. Mais ou menos como um deque de navio de cruzeiro, na hora do pico, em dia de sol.
A existência de uma “área de lazer” devia ser omitida da publicidade, a todo custo, assim como “ronca, tem mau hálito, torce para o Vasco e é de Escorpião” jamais há de constar do perfil de quem queira se desencalhar no Tinder.
Aqui serão quase 100 casas de “alto padrão”, uma grudada à outra. Literalmente, porque são casas geminadas.
“Casas geminadas de alto padrão” é a mais perfeita tradução de oximoro. Algo como “elevador privativo para uso de todos os condôminos” ou “serviço 24 horas, de segunda a sexta, das 9h às 17h”.
Casa geminada, meia água, parede e meia, para mim, é tudo a mesma coisa, em termos de altitude de padrão. Uma casa em que o vizinho bate prego na sala dele (e vizinho de parede e meia adora bater prego) e os quadros do Romero Britto tremem na sua sala. Em que ele troca o azulejo decorado do banheiro dele e o seu azulejo imitando madeira estufa do lado de cá. Em que dá para ouvir, do seu quarto, o quanto a vida sexual dele é mais animada que a sua.
Para mim, o padrão não está ligado a metragem, acabamento ou estilo, mas a sossego, a privacidade. Quanto mais longe o vizinho, mais elevado o padrão. A distância ideal é aquela em que o vizinho até te escute gritar por socorro (e só nessas ocasiões) e você não o ouça nunca (nem nessas).
Andei pelo estande de vendas. A planta é interessante; o preço (em torno de R$ 4 milhões), nem tanto. Com essa grana, eu compraria um terreno no meio do mato e construiria um estúdio (estúdio é uma quitinete de alto padrão), com vista para o nascer e o pôr do sol. Um banheiro com janelão, uma cozinha de telha vã, um varandão com rede. Faria um jardim onde se misturariam alecrins e marias sem vergonha, um pé de pitanga, um de chuchu subindo pela cerca, uma parreira de maracujá.
A área de lazer seriam as estantes, a cama, a mesa, o fogão. Os únicos barulhos, os passos curtos da Duda no piso de cimento, e os latidos (ninguém é perfeito!) do Tião.