Se você circula na vida social da carioca, já cruzou com Kika em algum momento, seja nos eventos como assessora de imprensa, como convidada, em palestras, na coluna que escreve semanalmente para a revista “Claudia” etc.
O livro surgiu depois de dramas pessoais: câncer, quimioterapia, separação de casamento longo, filhas adolescentes pra bancar sem saber como, menopausa severa e “otras cositas más”. Foi então que começou a falar dessa vida nada glamurosa nas redes. E, tratando desses temas do seu cotidiano, Kika foi convidada pela Editora Lacre a escrever o livro. “Do alto dos meus 58 anos, já estou nessa há tempos. Na contramão da beleza eterna, da vida perfeita, do sexo selvagem, tornei-me uma antiblogueira madura, uma ‘influencer ageless’ às avessas. Falo de pentelho branco, transar com pau mole, viver na gangorra da pindaíba dos boletos, existir sem reposição hormonal e, mais recentemente, cobrando das autoridades, através de políticas públicas, um apoio à visibilidade aos 50 +. Quando envelhecemos, ficamos invisíveis, e eu não nasci para as trevas”, resume ela.
Por que, entre tantos, o tema maturidade chegou com essa força na sua vida?
A maturidade chegou na minha vida porque eu tenho quase 60 anos, então me desviar não seria muito produtivo, mas tudo começou com o câncer no endométrio há 10 anos, duas operações, seis órgãos a menos, um ano de quimioterapia, usei uma prótese peniana para não fechar o canal da uretra e aí comecei a pensar sobre a passagem do tempo. O medo de morrer misturado com a velocidade dos tratamentos, uma coisa em cima da outra, e minha vida deu um nó. Ao mesmo tempo, comecei a postar, quase em tempo real, meu cotidiano nada glamoroso. Isso acabou sendo uma reflexão, quase que um diário aberto e foi natural falar sobre maturidade.
E como surgiu a vontade de expor sua vida num livro?
Quando me tornei uma influencer da maturidade, essa voz “ageless”, que eu tampouco entendo o que é, mas quando eu compreendi que as pessoas gostavam do que eu falava, me deu vontade de ter um produto mais palpável. E acho que quem escreve naturalmente, ou seja, não sou uma escritora, mas sei que alcanço pessoas com os meus conteúdos, então quis ter um produto que fosse mais perpetuo, mais longevo. Quase que aquela babaquice, ‘já plantei a árvore, já tive o filho, quero escrever o livro’.
Ali, você conta tudo?
Eu conto muita coisa, sobretudo as passagens mais difíceis, sempre com bom humor, porque ninguém ficaria interessado caso contrário, em saber que você levou um tombo e ficou dura, sem dinheiro, e virou a senhora dos boletos, passou 4 anos sem beijar na boca e sem sentir tesão nem pelo Brad Pitt nu na sua frente… Falar dessa dificuldade de lidar com o meu próprio ‘despencamento’, o fato de ter entrado numa menopausa severa e a bunda ter caído numa velocidade imensa, o ressecamento na pele, além do vaginal, esse nevoeiro mental que eu tenho até hoje, a melancolia… Acredito que a menopausa severa foi o grande tranco e foi ela que me levou a mudar um pouco mais em assuntos tabu, como dinheiro, sexo, sobrevivência, enfim, então os casos estão todos lá. Tem uma passagem que eu adoro que é quando eu faço uma apologia ao sexo com homem com pau mole, porque eu sou uma mulher antiviagra e acho que os homens têm que ter a capacidade – os 60+ – de encantar uma mulher muito mais pelo repertório do que pelo bate-estaca.
Como você se define? O mundo não seria melhor sem rótulos?
O tal rótulo é horrível, eu mesmo até hoje não entendo o que é ser influencer da maturidade, o que é ser uma voz ageless, o que é ser uma ‘blogger sivler’ (blogueira prateada, pelos cabelos grisalhos), uma madura desbocada… É feio, é chato, mas ao mesmo tempo eu acho que é como uma prateleira, se você não coloca o nome no produto você pode levar gato por lebre. Eu gosto de ser identificada como uma mulher que pensa na maturidade, mas quando inventarem um rótulo melhor, eu aceito.
Você passou por duas operações, 6 órgãos a menos, fez 8 sessões de braquiterapia, uma quimioterapia por radiação… Foi sempre otimista?
Eu passei por todas essas operações, quimio, prótese peniana, medo de morrer e não passei com muita alegria, nem com uma certeza total porque sou uma pessoa de altos e baixos e eu sou meu pior algoz, então eu tive, dentro de mim, uma grande inimiga e o que me ajudou a seguir em frente foi a fé. Eu sou uma pessoa muito religiosa e não necessariamente da igreja católica, mas a Cabala me ajudou muito, a meditação foi algo que me colocou no prumo, mas eu sempre tive muita vontade de viver e muita fé e esperança nessa cura, mas não foi fácil não, não sou uma paciente Poliana.
Você costuma dizer que pegou a rota e mudou de vida, um novo estado civil, novo apartamento, novo trabalho, novo tom de cabelo e feliz… O que foi necessário para virar a chave?
O que me fez virar a chave da vida foi meu contato com a morte. Eu acho que quando o médico diz ‘você está com câncer’, vem tudo. Perguntei pra ele ‘quando eu morro?’ e ele diz que não tem a mínima ideia. Até porque você está creditando a sua morte ao câncer, mas nós, cariocas, temos a bala perdida, o infarto, o atropelamento, os homicídios, as moléstias naturais da vida, então a única coisa que você precisa ter certeza é que vai morrer. E você fica com essa coisa da morte na cabeça e isso foi um grande impulso, uma alavanca, uma espécie de trampolim para eu entender que precisava aproveitar a minha vida, mudar o que eu precisava pra ser feliz.
Você já aceitou a maturidade?
Já aceitei totalmente, até porque eu sou filha única, então convivo muito com gente mais velha, os amigos da minha mãe se tornaram meus amigos. Já aceitei o pentelho branco, a bunda caida, as varizes que brotam, o cabelo branco e estou tentando dar uma lustrada, pego a flanela e tiro o pó – a flanela seria o botox -, e tomo sol quando dá, tento emagrecer aqueles clássicos 5kg, mas não consigo e divo duelando com a balança mas aceitei sim. Não quero ser uma mulher Barbie, nem agarrar a juventude. O que estou atrás é de uma juventude espiritual e sensorial, a estética eu caguei.
O que descobriu desde que começou com os posts sobre maturidade?
A influência nas redes me trouxe muito conhecimento. As mulheres me abordam fazendo milhões de perguntas como se eu fosse o oráculo e se eu tivesse todas as respostas e, quiçá, eu tenho mais perguntas do que elas, mas essa convivência com os questionamentos alheios me fez mais potente, porque eu sou uma pessoa que quando vejo uma pergunta tento entender e a troca é muito interessante. Gosto muito dessa exposição na rede social porque ela me traz muito mais vantagens. Reflexões sobre a passagem do tempo estão cada vez mais comuns e estamos cada vez menos invisíveis.
Você diz que hoje procura reencontrar a capacidade de sentir, de experimentar, de viver algo como se fosse a primeira vez. Acha possível?
Estou na onda do desbunde, de sentir diferente. Eu era uma moça totalmente destemida, fiz muita cagada, muitas relacionadas ao sexo, agora eu estou querendo sentir coisas diferentes e não só na cama e, pode parecer piegas, mas quero assistir a um filme que eu já vi e compreender de outra forma, poder praticar o perdão alheio, pessoas que esbarraram meu caminho e eu fui escrota, quero experimentar comidas, lugares e coisas diferentes. Na maturidade você tem que procurar novos círculos, porque metade dos seus amigos mora fora, metade está doente, metade morreu, então essa coisa de permanecer vivo é maravilhoso, mas tem um lado muito cruel, por que você perde muitas pessoas, se não refaz seu círculo, sem nenhum tipo de preconceito, você está ferrado.
Você já sofreu preconceito ou ouviu gracinhas pelos cabelos branco ou algum ensaio sensual que tenha feito?
Sofri preconceito pelo meu cabelo branco, das mulheres que falam que me envelhece, que tenho baixa autoestima, que meu cabelo parece uma palha, ouço tudo com nenhum tipo de raiva, porque eu gosto. Agora, tem essa invisibilidade, você passa numa obra, nada acontece, você vai na feira e ninguém faz fiufiu, você entra no metrô a pessoa já levanta de cara pra você sentar. Talvez no mundo do trabalho exista um preconceito mais velado, porque o mundo corporativo é cruel com as mulheres maduras. E sou superelogiada pelo ensaio sensual e olha que tenho 80kg, todo mundo elogia porque olha como incentivo. Acho que dá pra se divertir.
Quais os seus exemplos de mulheres maduras?
Acho a pneumologista Margareth Dalcolmo o máximo, não pela sabedoria, mas ela é uma mulher segura, bem vestida e nem é um símbolo de beleza. Outra que adoro é a ministra Carmen Lucia, acho ela linda, chique, diferente, o cabelo branco me representa. Agora tem as óbvias que eu quero me rasgar, porque elas são maravilhosas, como a Bruna Lombardi e Maitê Proença. E as gringas prestam um ótimo serviço, como a Meryl Streep, cada vez melhor, e ainda mais velhas, como Fernanda Montenegro, uma mulher elegante, com porte e trabalhando com mais de 90.
Alguma dica para as 50+?
Meter o pé na porta. Se há uma vontade sexual, siga. Por que só o homem pode? Não tem motivo para se despedir do mundo do trabalho, a gente precisa mudar a mentalidade porque o maduro tem uma capacidade muito grande de interagir com o novinho e levar uma fusão geracional para as empresas que é muito potente. Com a entrada do Lula, falando sobre o resgate dos ministérios que foram banidos, como homem maduro, que tenhamos um ministério da longevidade.
Por Dani Barbi