Se você é noveleiro, jamais vai esquecer “Pantanal”, do início ao fim e, em momentos específicos, num grau de emoção bem elevado. A novela deve deixar órfãos pantaneiros, incluindo elenco e equipe, que viraram uma família antes, durante e depois das gravações.
Vários nomes que você viu na TV já confirmaram lugar na plateia para para assistir a Gabriel Sater e sua viola encantada no palco no Qualistage, na Barra, neste domingo (09/10), show “Do Clássico ao Pantanal”, com o maestro João Carlos Martins e a Orquestra Bachiana. E foi com quem Sater gravou “Amor de índio” (“tudo que move é sagrado…”), de Beto Guedes e Ronaldo Bastos, para seu novo álbum, a ser lançado em dezembro, mas incluído na trilha da novela. Em São Paulo, foram duas apresentações esgotadas, e outra data deve surgir por aí – ele começou a viajar o País com sua banda, até mesmo antes de sair da novela.
O primeiro encontro musical de Gabriel com o maestro aconteceu em julho passado, quando ele se apresentou junto com a Bachiana Filarmônica Sesi-SP, da qual Martins é diretor artístico. “Estudei por meses, como se eu fosse fazer o show da minha vida. Embarguei a voz várias vezes enquanto cantava e olhava pra ele. Depois, fiquei muito amigo do filho do maestro e sugeri gravarmos um show inteiro juntos. Mas eu já ia começar a gravar no mês seguinte, e só tivemos tempo de fazer um single”, conta. No repertório, Beethoven, passando pelo tango, músicas regionais e pela trilha da novela – Sater é responsável por “Amor Marruá”, “Noite de Tempestade”, o tema do casal Trindade e Irma (Camila Morgado) e “Amor de Índio”.
Além do dom musical, o talento físico enlouqueceu a mulherada, tanto como Trindade ou cramulhão, tanto faz, o pacote era sempre completo, e a saída do peão frustrou muita noveleira apaixonada. Vai ficar na ficção – na realidade, Gabriel é casado, há 16 anos, com a produtora musical Paula Cunha, que toma conta da carreira do marido.
Na versão de 1990, o personagem era interpretado pelo pai de Gabriel, o ator e violeiro Almir Sater. Bruno Luperi, o autor do remake, foi duramente criticado nas redes, mas o neto de Benedito Ruy Barbosa repetiu o desfecho escrito pelo avô. Na versão atual, Almir interpretou o chalaneiro Eugênio, e as cenas do duelo de viola com o filho já são consideradas um clássico da teledramaturgia.
Embora você tenha 22 anos de carreira, “Pantanal” foi uma surpresa? Imaginava a grande repercussão?
Fiquei muito feliz com a surpresa da repercussão que a novela me trouxe. Foram quase 22 meses de processo, desde o teste, em 2020, quando soube do remake, porque nunca houve um convite. Fiquei muito feliz com tudo que estou vivendo, do amor que eu recebo nas ruas, nos shows. É um sentimento único.
Você já cansou de falar, mas como foi contracenar com seu pai? E aquela batalha de viola?
Não me canso nunca de falar dessa cena, que é uma das minhas prediletas porque tive o privilégio de gravar com meu pai, meu grande ídolo musical e um herói como pessoa. A gente nunca tocou junto em nossa carreira, mas parecia que estava predestinado estarmos nesse projeto dos sonhos. A repercussão da cena do duelo de violas se tornou algo inimaginável. O que ouvi de artistas sobre ela vou guardar pra sempre no meu coração. Devo muito isso ao Bruno (Luperi), que escreveu essa cena e me fez escutar viola como nunca, porque meu pai tem 45 anos de viola, e eu tenho apenas um ano e meio de moda de viola instrumental. Só tocava violão normal, mas me aprofundei com a novela e estudei para conseguir duelar com esse mestre da viola, que é o meu pai.
Como a gente vai fazer sem “Pantanal”? Como superar esse vazio? Você superou?
Foi a pergunta que me fiz um mês antes de terminar as minhas gravações. Eu sabia que seria doído e fiquei chorando pelas madrugadas, no hotel. No último dia, a choradeira foi grande. Eu pensava: “Vai ser a última vez com aquele figurino”, e caía no choro. Até comecei a brincar que eu queria refazer a cena, errar um pouco mais, pra ficar ali. Foi muito difícil. Sorte que, quando eu saí, meu pai estava no camarim – chorei no ombro dele. Ainda estou lidando com a despedida. Hoje (07/10), ganhei de presente da Globo: o meu chapéu e a chaparreira (o acessório em couro para cobrir a calça na montaria) do Trindade. Agora vou levar essa energia para os meus shows porque, sem dúvida, esse personagem mudou a minha vida.
Como anda sua agenda pós-novela?
Minha agenda anda maravilhosa. Até mesmo antes de sair, fiz alguns shows incríveis. Foi então que comecei a ter noção de como estava o termômetro do público quanto aos meus personagens; então foi muito lindo viver essa experiência ainda estando no elenco e, agora, na estrada. Estou no meu 25º evento desde que fui liberado, no fim de junho. E teve um convite muito especial para fazer Jesus Cristo na “Paixão de Cristo”, no Nordeste. Como ator, seria uma honra enorme, mas ainda não sei se vou conseguir, pela agenda de shows de 2023; pelo menos, estou com cabelo e barba em dia.
Como será o show com João Carlos Martins, essa ponte com a música clássica e o clássico pantaneiro?
Ele é uma figura icônica, que nos mostra uma força musical inigualável e indomável como ser humano, sua resiliência, seus multitalentos. Estar com ele no palco é viver um sonho acordado – sempre fui fã. E, como diz o nome do show, vai do clássico ao Pantanal, com várias músicas da novela. Pretendemos levar esse show para o País inteiro e até para o mundo, porque tem muita música instrumental brasileira que as pessoas precisam Oconhecer. Eu amo o que faço, sou um “worklover”. O nível técnico e de sensibilidade artística está alto – será um show emocionante. Fizemos duas sessões esgotadas em SP, e já pediram mais uma data. Minha família é muito crítica, mas, quando assistiu, chorou. Vi jornalistas chorando e falando palavras maravilhosas.
O público não gostou muito da baixa de Trindade, e o Bruno (Luperi) foi muito criticado com a saída do personagem. O que você ouviu por aí?
No começo, foi difícil me desapegar. Tentei, de formas variadas, falar com os diretores, com o Bruno, mas era uma obra fechada, escrita na pandemia e, por várias questões, ele não conseguiu mudar o final do personagem. No original, meu pai teve que sair por causa da novela “Ana Raio e Zé Trovão”. Daí brinquei com o Luperi que eu não precisava sair antes, mas as coisas são como são, e o mais lindo é que o público abraçou meus personagens, tanto o cramulhão quanto o Xeréu, e isso não tem preço. Devo muito ao Bruno, que escreveu cenas maravilhosas, como a do duelo de violas, que não existia na versão original, e a cena da minha saída com Eugênio em “Tocando em frente” (de Renato Teixeira, aquela “ando devagar, porque já tive pressa e levo esse sorriso…”), que foi uma ideia do diretor (Davi Lacerda). Só tenho a agradecer pela honra de fazer esse personagem complexo e desafiador.
Um dos atrativos do personagem foi a química com a Camila Morgado, extrapolando as telinhas, com a mulherada ficando doida com você. Como foi esse trabalho físico? A Paula não tem ciúmes?
Trabalhei a parte física também, para ter mais força porque novela é uma maratona física e mental de diversas formas; desde que fiz o teste, perdi 14 kg. Fui muito disciplinado, treinava muito, porque sabia que tinha que chegar já encaminhado. Fico feliz com o carinho e acho que é o começo de um trabalho constante, porque vou continuar evoluindo nessa parte física e de treinos. Sempre achei esse mundo legal, mas, a cada projeto, a gente aprende mais com os amigos – nesse, ouvi os conselhos de treino com José Loreto e o Juliano Cazarré. Minha mulher é maravilhosa, estamos há 16 anos juntos, e meu sonho é o sonho dela. Temos uma produtora juntos e, curiosamente, ela não tem ciúmes, nunca teve. Isso é muito bom porque, quando a gente confia um no outro, o ciúme não existe. Ela quer ver uma cena bem feita, pede que eu seja o mais real possível. Com essa cumplicidade, o trabalho fica até melhor.
Trindade é um personagem forte, misterioso. Essa coisa de pacto com o cramulhão… Teve algum receio em interpretar o “sete pele”?
Foi muito rica a construção do cramulhão porque, no original, não havia muito uma construção que separava os dois personagens, e tentei fazer isso de uma forma explícita, mas respeitando o arco dramático. Comecei pequeno, depois intensifiquei para que viesse à tona aquele momento específico do cramulhão mais diabólico, que tentava atacar o filho, a princesa (Camila Morgado), arrebentando a corda da viola… E, sim, tive rituais de oração para entrar nos ensaios e sair das cenas do cramulhão, porque esse mundo sobrenatural é sério, e eu desconheço e respeito demais. Costumo dizer que era o cramulhão do bem porque ele fez muito mais ações boas do que ruins. Alertou a fatos que viriam a acontecer, salvou o Joventino (Jesuíta Barbosa) da enchente numa comitiva; então, ele cativou de diversas maneiras. Teve também uma curiosidade: os animais sentiam a minha mudança energética quando trocava de personagem, o que foi incrível, porque a vida é energia. Senti isso na prática.
Por Dani Barbi