Marcelo Bezerra é o nome mais citado quando se pergunta a qualquer dos grandes médicos cariocas uma referência da área de Neurologia, das doenças associadas ao sistema nervoso, mais ainda, quando é o Parkinson, sobre o qual ele tem uma longa trajetória de estudos e dedicação. Formado há quase 50 anos, Bezerra tem doutorado em Neurociências pela Universidade Federal de São Paulo. Não gosta de falar de si, é também avesso a fotos, mas se é sobre sua área de atuação, fala com toda desenvoltura e competência.
Ninguém ficou incólume quando a jornalista Renata Capucci, 49 anos, revelou o diagnóstico publicamente ao podcast “Isso é Fantástico”, ter descoberto a Parkison desde os 45. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a estimativa é de que 200 mil pessoas tenham Parkinson no Brasil, no entanto, apenas de 10% a 15% têm menos de 50 anos.
Um dos nomes mais conhecidos do mundo que convive com Parkinson há 30 anos — descobriu aos 31 —, é o ator americano Michael J. Fox (“De volta para o Futuro”). Atualmente, aos 61 anos recém-completados em junho, disse uma frase parecida com Capucci (“Eu tenho Parkinson, mas o Parkinson não me tem”): “A doença não conduz a minha vida, apenas faz parte dela”.
Michael deixou a carreira de ator em 2020 para se dedicar totalmente ao trabalho à frente da fundação com seu nome, uma ONG que criou em 2000 com o objetivo de buscar a cura para a doença. Desde a fundação, conseguiram doar 650 milhões de dólares para pesquisas (mais ou menos R$ 3,9 bilhões) e participar no aperfeiçoamento de alguns medicamentos.
Mas o que é o Parkinson? Quais as causas? Tem cura? Para entender um pouco mais, leia a entrevista com Bezerra.
A jornalista Renata Capucci, uma pessoa pública, “assumiu” o Parkinson. Em que a revelação pode ajudar?
A atitude corajosa da Renata chamou a atenção da sociedade para uma doença neurológica frequente e de espectro mais amplo do que se costuma imaginar. É a segunda doença degenerativa mais frequente; a primeira é a doença de Alzheimer.
No caso da Capucci (e também de Michael Fox), a maioria das pessoas ficou sensibilizada pela idade, precoce, da descoberta, aos 45 anos… Nós, leigos, sempre acreditamos que diagnósticos como esse só vêm com a idade mais avançada. É comum casos nessa faixa etária?
Na maioria dos pacientes, a doença de Parkinson costuma se manifestar entre os 55 a 65 anos de idade. O aparecimento da doença antes dos 50 anos ocorre em cerca de 10% dos pacientes. Por ser menos observada nessa faixa etária, seu diagnóstico pode ser retardado. Por outro lado, os pacientes nessa idade apresentam mais frequentemente uma história familiar positiva e um curso mais lento. Sabemos que certos gens podem predispor à doença quando associados a outros fatores da vida do paciente. Vários fatores genéticos diferentes podem facilitar o aparecimento da doença, indicando que ela não é doença única. Na verdade, seriam vários subtipos da doença que se manifestam de forma semelhante.
O senhor acredita que exista uma falta de informação à população? Se fosse mais divulgado, em que facilitaria a vida de quem tem a doença?
Sim, sem dúvida, existe um grande desconhecimento da existência da doença em seus diferentes aspectos, não só na população em geral como também até mesmo na classe médica. Por exemplo, é comum se pensar na doença de Parkinson quando ela se apresenta com tremor, esquecendo que cerca de um terço dos pacientes não manifestam tremor.
Quais os primeiros sintomas em qualquer idade? E os sintomas não motores?
Bem, a doença necessariamente se manifesta com bradicinesia, que quer dizer lentidão de movimentos. A pessoa nota que seu caminhar está mais devagar, que não balança os braços ao caminhar, os passos são mais curtos, a expressão da face se reduz, a letra se torna pequenina, tem dificuldade de se virar na cama, etc. Junte-se a isso os sintomas de rigidez muscular, que é uma resistência involuntária à movimentação passiva dos músculos. Ou a presença de tremor nas mãos quando a pessoa está distraída dos movimentos daquela mão (tremor em repouso). Os movimentos dos dedos têm a aparência de alguém que está contando moedas. Observe que essas alterações ocorrem, no início, de forma assimétrica, apenas em um lado do corpo. Quando ocorrem inicialmente, nos dois lados do corpo, é um sinal de alerta para outra forma de parkinsonismo. Além dos sintomas motores, a doença apresenta diversos outros sintomas durante toda a sua evolução. Na verdade, sintomas não motores já ocorrem antes do quadro motor que vai definir o diagnóstico. Por exemplo, perda ou redução do olfato, constipação intestinal, certos transtornos do sono e alterações do humor precedem os sintomas motores em muitos pacientes. Ao longo da doença, podem surgir sialorreia (salivação excessiva), seborreia, dores musculares, transtornos posturais, alteração da regulação da pressão arterial, do controle esfincteriano etc.
Existe alguma possibilidade de evitar o Parkinson?
Infelizmente, doenças ditas degenerativas são aquelas cuja etiologia ainda não foi inteiramente definida. Fatores genéticos e ambientais (como uso de certos agrotóxicos, por ex., paraquat) interagem para produzir alterações que originam a doença. Há uma busca intensa para elucidar os mecanismos da doença e de marcadores biológicos que anunciem precocemente a presença da doença. Sabe-se que a doença começa cinco a dez anos antes de aparecer o quadro clínico. Sabe-se também que as primeiras alterações surgem nos neurônios do intestino ou do bulbo olfatório. Proteínas alteradas, principalmente alfasinuclueína, se imbricam, formando um conjunto denso, conhecido como corpúsculo de Lewy, que se aloja no citoplasma das células, iniciando nelas um processo degenenativo. Esses neurônios alterados são levados pelos nervos até o Sistema Nervoso Central e lá continuam o mesmo processo degenerativo. Quando essas alterações atingem a substância negra, um grupo de neurônios que produzem dopamina dão origem às alterações motoras. A dopamina é um neurotransmissor necessário para o funcionamento dos neurônios dos núcleos da base do cérebro. São eles que controlam os movimentos naturais, espontâneos, que realizamos ao longo do dia.
E o tratamento? Como viver bem?
Tratar é prover da melhor maneira possível o bem-estar físico, psíquico, social e espiritual de um indivíduo. Os medicamentos ajudam a repor a dopamina que não está sendo produzida; assim, restauram os movimentos lentificados e melhoram a rigidez e o tremor. Outros medicamentos corrigem sintomas não motores, como a depressão, transtornos do sono ou distúrbios autonômicos. Fazer exercícios diariamente é fundamental: aeróbicos, de alongamento, de musculação, de correção postural etc. Além disso, deve-se manter atividade laborativa pelo maior tempo possível, não ficar ocioso, manter o convívio social e familiar, ocupar a mente e o espírito. E, por fim, aceitar a doença. Não é um castigo; é uma condição que se apresentou na vida de uma pessoa como muitas outras ocorrem de diferentes maneiras.
Com a tecnologia no tratamento, a expectativa de vida aumentou?
Sem dúvida. Hoje temos muitos medicamentos diferentes, que trazem inúmeros benefícios e permitem um controle bem maior dos sintomas da doença. E além disso, temos procedimentos cirúrgicos que acrescentam qualidade quando os remédios não funcionam o suficiente. A principal técnica cirúrgica é a estimulação profunda dos núcleos da base do cérebro (DBS) através de eletrodos conectados a uma bateria. Isso permite uma estimulação contínua enquanto o efeito dos remédios ocorrem de forma intermitente.
Quais as últimas novidades para o tratamento do Parkinson? A possibilidade de alguma vacina?
Os estudos para elucidar o mecanismo da doença têm avançado bastante, mas é precoce anunciar um tratamento desse tipo. Como há diferentes mecanismos para produzir a mesma doença, será necessária uma intervenção específica para controlar a doença que se apresenta num determinado paciente. Em outras palavras, não será uma vacina ou outro recurso qualquer que irão controlar todos os pacientes
Baseado num estudo do Hospital da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, pessoas que foram infectadas pelo coronavírus correm um risco aumentado de desenvolver distúrbios neurodegenerativos, em comparação com pessoas que não tiveram. Medindo pela quantidade de gente que teve e está com a covid, essa informação é apavorante?
Não creio, mas só o tempo dirá. O coronavírus é mais um fator no quebra-cabeça da etiologia da doença de Parkinson; outros vírus já foram responsáveis por provocar quadros parkinsonianos.
E sobre o canabidiol?
O canabidiol e outros derivados da cannabis mostram-se muito promissores no tratamento do Parkinsonismo e de outras doenças degenerativas. Ele tem sido eficaz para transtornos do sono e transtornos comportamentais, embora utilizado de forma empírica. As doses, indicações e combinações dos canabinoides variam acentuadamente entre os médicos. Ninguém duvida de que será um recurso importante no futuro próximo, mas ainda precisa de mais pesquisas para o seu uso adequado. As sociedades médicas que definem as melhores condutas terapêuticas para um determinado problema ainda não se pronunciaram sobre o uso adequado e racional do canabidiol.
Que mensagem o senhor deixaria para alguém que esteja vivendo o momento da descoberta?
Que ele seja otimista. A expectativa de vida de um paciente com Parkinson melhorou acentuadamente nas últimas décadas, assim como a qualidade de vida — que procure viver da melhor maneira possível o dia de hoje, que não compare o curso da sua doença com a de um amigo ou conhecido, pois cada pessoa tem uma evolução própria. Seja disciplinado: tome os remédios na hora certa. Os remédios têm duração restrita e precisam ser usados com regularidade. Quando tiver dúvidas no seu tratamento, ouça primeiro o seu médico. Informe-se sobre a sua doença, mas não viva apenas em função dela; afinal, você é muito maior do que ela.