Uma das palavras-chave para manter uma casa em ordem, estrutural ou esteticamente, é conservar — no bom português, guardar, preservar, manter intacto. E como fazer esse trabalho no Rio, com seus quase 7 milhões de moradores e cerca de 49 mil espaços? Uma das responsáveis, a maior talvez, é a Secretaria de Conservação (Seconserva), que cuida do patrimônio comum a todos: monumentos, chafarizes, buracos, galerias pluviais, pedras portuguesas, tampões e grelhas soltas, tudo coordenado a outras secretarias. Resumindo: a pasta arruma o estrago que nós mesmos fazemos em nossa casa coletiva, usando o nosso próprio dinheiro.
O nome dessa “mestra de obras” à frente da Seconserva é a carioca Anna Laura Valente Secco, economista com especialização em Políticas Públicas e MBA em Marketing, que trabalha pela cidade há muitos anos. Ela conheceu Eduardo Paes quando ele foi subprefeito da Barra no primeiro governo Cesar Maia (1993-1996). Anna já foi diretora de Esportes Comunitários e Vice-presidente de Esportes da Suderj (2007 e 2008, época em que Paes era secretário de Esportes de Sérgio Cabral); presidente da Fundação RioZoo (2009) e coordenadora-geral de Promoção de Eventos da Prefeitura (2009-2016).
Anna recebeu uma cidade, digamos, aos pedaços, já que a secretaria foi extinta em 2019 pelo então prefeito Marcelo Crivella, rebaixada a subsecretaria; desde 2017, sofria com cortes de recursos. Agora, em 2022, a verba foi ampliada para R$ 607 milhões contra os R$ 205 milhões do ano passado. Atualmente, o Rio está com 18 projetos ativos em vários bairros, como a revitalização dos Arcos da Lapa (quase acabando); obras no Parque do Flamengo; as constantes intervenções do programa Asfalto Liso; e as ações pelo bicentenário da Independência, como os cuidados na Quinta da Boa Vista e o restauro de monumentos, como a estátua de D. Pedro I, na Praça Tiradentes.
Conservação é uma pasta de responsabilidade máxima já que abrange muitos detalhes, principalmente estética, limpeza e cuidado. Como é pra você estar à frente dessa secretaria?
É um orgulho. Foi um convite que me honrou muito, ainda mais sendo a primeira mulher à frente de um trabalho desses, de uma secretaria tão grande e tão dura e pesada como essa, que é asfalto, é chuva, é drenagem… No entanto, tem um outro lado, o lúdico, que são os monumentos e chafarizes: encantador e apaixonante.
Como você encontrou a cidade quando começou a gestão e como avalia agora?
A cidade estava bem destruída, um pouco abandonada, mas eu não gosto de falar de passado; o passado, como o nome diz, passou. Quando nós começamos, foi um ano muito difícil, com o pior orçamento que já teve na história da Secretaria. Mas, em nenhum momento ficamos de braços cruzados lamentando, e sim arregaçamos as mangas e fomos pra rua trabalhar. Então, o prefeito, sempre muito sensível com a situação financeira da secretaria e o estado em que a cidade estava, na primeira oportunidade, que foi em julho passado, conseguiu dar uma melhoradinha na verba. No final do ano, deu uma outra e este ano, arrisco a dizer que a gente está com o maior orçamento da secretaria até hoje.
Quais as principais ações feitas até hoje e o seu maior orgulho?
Difícil. São tantas ações, e cada vez tem uma que dá mais orgulho, por exemplo, o primeiro chafariz que a gente religou, o do Largo do Machado. Logo depois, já veio o chafariz da Urca, também, o da Praça Saenz Peña… E agora os Arcos da Lapa. São tantas coisas boas acontecendo, mas eu acho que o maior orgulho mesmo que tenho é quando a gente está na rua, e as pessoas vêm falar que estão vendo a cidade melhorando. Ainda temos muito trabalho, mas está acontecendo. Então, um orgulho é ouvir das pessoas que a cidade está voltando a dar certo.
Por suposição, é um trabalho desgastante, cansativo e tendo que dar ordens a equipes majoritariamente masculinas, até pelos serviços mais braçais. Como mulher, você já teve algum problema com isso?
Nenhum, até porque eu não vejo nenhuma diferença entre mulher e homem, quer dizer, nenhuma diferença para o cargo que ocupo, claro. Aqui são mais ou menos 1.400 servidores e mais uns 900 terceirizados, sendo que a maioria é masculina. Transito bem entre eles, meu time técnico todo é masculino. O que eu fiz foi só descer do meu salto alto, vestir uma bota, mas eu também tenho uma botinha rosa; então, não tenho problema nenhum. Eu acho que um time unido não tem essa de mulher e homem.
No seu ponto de vista, quais as regiões que precisam de mais cuidados?
Bom, todas as regiões requerem cuidado e atenção especial, mas claro que as regiões menos favorecidas, a Zona Norte e Oeste, precisam de mais apoio porque são lugares que, em muitos pontos, não tem o que a gente chama de básico. Mas, desde a gestão passada de Paes, existe um programa que não é da Conservação, chamado Bairro Maravilha, que é da Infraestrutura, onde é feito todo um trabalho para melhorar muito a qualidade de vida, ou seja, meio-fio, placas de rua… A gente sempre tem um olhar especial, atento a essas regiões que mais precisam. E falando sobre a Conservação, precisa de muita drenagem por lá, de recapeamento de rua, por causa dos muitos buracos.
Existem muitas reclamações de moradores em redes sociais, principalmente sobre buracos nas ruas, pedras portuguesas mal colocadas (drama antigo), tampas de bueiro furtados, monumentos quebrados e, quando o assunto é na Zona Sul, parece que a urgência é mais acentuada porque as pessoas falam sobre o IPTU alto, em ser um absurdo bairros nobres sofrerem com isso etc. Qual a maior diferença entre zonas na cidade que você percebeu nesse tempo de secretária?
Existem reclamações como um todo, porque a cidade estava muito destruída e ainda está, mas arrisco a dizer que estamos no caminho certo. Até o fim de maio, foram tapados 230 mil buracos, fizemos a limpeza e recuperação de 100 mil caixas de ralos, mais de 300 mil metros de limpeza de galerias de água pluviais e mais de 5.500 grelhas e tampões repostos. Uma curiosidade é que agora estamos fazendo as nossas próprias grelhas numa fábrica de artefatos em concreto, que chamamos carinhosamente de “fabriquinha”. Claro que o morador da Zona Sul reclama pelo IPTU alto, pois realmente a cidade ainda precisa de muitos cuidados. No entanto, começamos em maio, por exemplo, com uma força-tarefa de recuperação das pedras portuguesas. A ZS é cartão de visita da cidade, mas a cidade inteira tem uma atenção igual. Por exemplo, para as melhorias do bicentenário, estamos concentrados no Centro, Tijuca e Santa Cruz, nenhuma na ZS.
As pedrinhas merecem um capítulo à parte.
Gostaria de aproveitar a oportunidade e pedir ajuda à população porque temos muitos problemas com feiras livres e eventos que destroem as pedras. Hoje conseguimos ter uma relação com as concessionárias que ganham licitação para eventos, então multamos e cobramos. Temos uma equipe que vai antes ao local do evento para ver como está e depois para cobrar que seja entregue da mesma maneira. Precisamos da ajuda de todos. É fácil colocar sua barraquinha na feira, tirar a pedra do lugar e ficar por isso mesmo; uma saindo vira um efeito dominó. Mas estamos com mais de 50 turmas de calceteiros pela cidade, desde maio, para que isso seja recuperado o mais breve possível.
O Reviver Centro é um dos projetos prediletos da Prefeitura. O que a Conservação tem feito pela região?
Estamos atuando muito lá. Passei essa quinta (03/06) por lá e senti muito orgulho porque tinham vários grupos da Conservação trabalhando. O canteiro central da Rio Branco, por exemplo, que era um misto de saibro com grama velha, ganhou pedras portuguesas e está lindo, além dos vasos enormes da parceria com a Parques e Jardins. Todo o paralelepípedo das Ruas Gonçalves Dias e Miguel Couto foi retirado e está sendo recolocado para ficar plano, mas tem muita coisa pela frente, só temos que olhar com bons olhos e de forma positiva.
O vandalismo a monumentos e chafarizes (são mais ou menos 1.300 monumentos e 200 chafarizes na cidade) é o seu maior problema?
Isso é muito complicado — pedimos sempre ajuda da população para nos avisar porque o vandalismo está demais. Um dos mais absurdos foi botar fogo na estátua de Pedro Álvares Cabral (Glória). Quiseram se manifestar contra a PEC dos índios e tacaram fogo. Os óculos do Carlos Drummond de Andrade (Copa) tiveram seu 11º furto; conseguimos chegar a um suspeito pelas câmeras do COR. Noel Rosa, que foi totalmente vandalizado em Vila Isabel, agora está de volta. Então isso a gente lamenta e corre pra restaurar. Só pra citar, tem o chafariz da Praça Saenz Peña, que estava pronto, mas arrombaram a caixa de máquinas e alagou tudo, atrasando a entrega em 15 dias. Na mesma semana, sofreu outro vandalismo e ficou parado por dois dias. Então, peço ajuda para que denunciem e nos ajudem porque o restauro é um resgate da nossa história.
Existe uma máxima no Rio: as pessoas ficam tensas só de cair uma chuvinha, o verdadeiro “choveu, fodeu!” Sabemos que é um problema histórico, mas atualmente o que podemos esperar numa próxima pancada de chuva?
Pelo que vocês disseram do “choveu, fodeu!”, realmente é um trabalho grande que temos aqui. Ano passado, fizemos a operação “Ralo Limpo” pela primeira vez a partir de agosto, quando vamos, junto com a Comlurb, fazer uma vistoria, limpar e drenar as caixas de ralo — se limpas, as águas escoam mais rapidamente. Sempre que tem uma chuva prevista, existe um plano de ação em parceria com outros órgãos, vamos para o Centro de Operações (COR) e, quando o aviso vem com antecedência, a gente já deixa os caminhões preparados para tirar água dos pontos estratégicos, limpeza de bueiros. Passamos a madrugada inteira trabalhando para causar o menor transtorno possível para o carioca.
A educação e a cultura das pessoas dizem muito sobre onde e como elas vivem. O que falta para o carioca valorizar o que é seu?
Como falamos, a cidade passou por um momento complicado com a crise da pandemia; o carioca perdeu a autoestima, deixamos de ser a Cidade Maravilhosa. Acredito que a cidade está num caminho de volta — a gente sente isso nas ruas, o carioca voltou a ter amor, alegria. Então esperamos que esses projetos todos que estão sendo feitos elevem a autoestima e nossa cidade volte a ficar maravilhosa.
Atualmente, o que está acontecendo na cidade?
Hoje temos 18 frentes abertas na Conservação, como a parte da drenagem, dos tapa-buracos, os recentes trabalhos de recuperação dos túneis pequenos (só na Barra, foram oito), mergulhões, um trabalho na praia do Caju, onde fica a casa de banho de D. João VI, que sofria muito com alagamentos, e as empresas próximas sofriam perdas. Fizemos uma parceria com a Rio Águas e trabalhamos por quatro meses, até que conseguimos descobrir a causa e consertamos. Isso foi outro grande orgulho porque a praça dali voltou a ser frequentada. A entrega da estátua de Noel Rosa e os Arcos da Lapa devem ser em junho. Muito forte este ano também são as áreas e monumentos alusivos ao bicentenário da Independência, então começamos pela Quinta da Boa Vista, que é emblemático nesses 200 anos, além dos monumentos da Praça XV. Isso tudo já está começando. E temos também a recuperação da estátua de Pedro I na Praça Tiradentes e todo o seu entorno; José Bonifácio no Largo São Francisco e, saindo um pouco do Centro, tem a Ponte dos Jesuítas, em Santa Cruz. Vai ser a maior concentração de conservação histórica já vista.
Foto: Divulgação/Seconserva
Por Dani Barbi