Manifestações importantes do século passado ainda se encontram presentes hoje, tal o seu impacto na capacidade de trazer para as artes a alma do sujeito, notadamente do autor. A escrita automática, “inventada” por Andre Breton como a expressão do Surrealismo e o conceito freudiano dos sonhos como tradução do inconsciente nos deram a escrita de Clarice Lispector. E, em certo sentido, está presente no texto o “Pior de Mim”, de Maitê Proença.
No palco, está lá, em um figurino neutro (jeans, camisa, tênis), uma mulher, madura com certeza, mas com idade indefinida. Ágil, firme, linda, voz firme, gestos sem exageros, Maitê vai, literalmente, falando sem cronologia, contando fatos sem nenhuma linearidade, saltando, aos pulos, acontecimentos, confessando (será?), rindo de lembranças despudoramente. Aliás, o eixo de contar, sem ter o ar de confessionário, é o que serve como fio condutor de uma mulher considerada bem-sucedida, invejada mesmo para mostrar que a vida de todos está no mesmo caminho: como fomos, vimos e vencemos.
A direção do talentosíssimo Rodrigo Portella, realizada online, ressalta um recurso: a presença de uma câmara que segue Maitê projeta imagens também no telão — momentos gravados com o texto que segue o que está sendo dito ao vivo. Essa ampliação e projeção do eu alcança um resultado interessante e efetivo: o diálogo com si mesmo vira um diálogo com o outro — envolve a plateia e emociona.
Ao contrário dos monólogos confessionais, que mesclam trechos de literatura com os sentimentos do autor/artista, geralmente cansativos, “O Pior de Mim” escapa dessa cilada. Mesmo que não se tenha ido à Índia encontrar gurus, os episódios vividos por Maitê podem ser reais, ficcionais, impressões são metáforas de fatos que qualquer um de nós viveu em algum momento. O que Maitê relata, se emociona a coloca no local do analista quando nos pergunta: e isso que você está contando, te lembra o quê?
O tecido das lembranças pode estar esgarçado, rasgado, com cupim, mas está lá. Implacável com si própria, daí o título “O Pior de Mim”, Maitê realiza um belo espetáculo sem medo, como é a missão do artista.
Fotos: Dalton Valério
Serviço:
Teatro Prudential (Rua do Russel, 804)
Sextas e sábados, às 20h, e domingos, às 19h, até este domingo (17/04).
Ingressos no Sympla.