Quem é do Rio sabe: se precisar de um objeto com a cara da cidade, é só procurar Gilson Martins. Estrangeiros, então, vão à loucura! Há 27 anos, o designer carioca representa a cultura na criação de bolsas com imagens do Pão de Açúcar, Cristo Redentor, Copacabana e Lapa.
Mesmo repetindo os cartões-postais por quase três décadas, a paixão pelo Rio é limitada. Desde o início do ano, ele vem ampliando a linha “Gilson Home”, com almofadas, cachepôs, tecidos a metro para cortinas, xales de sofá e afins, sempre usando os ícones da cidade – ele já tinha criado jogos americanos, para eventos e restaurantes. A ideia é continuar expandindo sua arte em cadeiras, ombrelones, roupas de cama e louças. Agora, em vez de levar o Rio para a rua, a cidade vai entrar na casa das pessoas.
Formado em Belas Artes pela UFRJ, Gilson descobriu a vocação ainda no primeiro período, em 1982, quando confeccionou sua própria mochila com sobras de um material que parecia uma lona plastificada, com bolsos e compartimentos. Foi um sucesso nos corredores da faculdade, e ele começou a produzir para os colegas. O boca a boca rolou, e ele virou fornecedor de praticamente 80% das lojas de marcas do Rio, como Anonimato, Blue Men, Cantão, Company, Fabricatto, Gang, News Plan e Yes Brasil.
Pela originalidade, o trabalho de Gilson já foi exposto na Galeries Lafayette e no Museu do Louvre, em Paris; no Rio + Design em Milão, e MoMA, em Nova York. Seus produtos já estiveram nas mãos de Madonna, Bono Vox e Naomi Campbell. Ahã! E aí? Não deve mudar absolutamente nada, mas, de certa forma influencia.
Como foi seu começo?
Nascido no alto do Santo Cristo do Morro de Antônio Pinto, vivi brincando com as vistas da minha cidade. Na frente de casa, o Pão de Açúcar e seus bondinhos entre o Corcovado e a Central do Brasil com meus trenzinhos de lá pra cá. Eram os meus brinquedos de todo dia, até a adolescência. Da parte de trás da casa, eu via a Baía de Guanabara prateada, cortada por um pente longo em direção a Niterói.
E como isso entrou no seu trabalho?
Juro que não foi de propósito, mas esse Rio que eu via, vivia e brincava foi se apropriando aos poucos da minha trajetória profissional da forma mais orgânica e lúdica que podia acontecer. Esses elementos eram como ingredientes de uma receita complexa com variações deliciosas sobre o mesmo tema. Começou com o Pão de Açúcar nas bolsas esculturas; depois veio o Cristo, Arcos da Lapa, Dois Irmãos, Pedra da Gávea, calçadão de Copacabana… mas… e se juntar Cristo e Pão de Açúcar com um coração no meio? O MoMA me encomendou uma criação; daí imaginei “Eu amo o Rio”. Igual I Love NY? Sim, a diferença entre as cidades é a força do que está em volta desses corações. Duas pedras do Pão abraçadas pelo anfitrião do Corcovado. Que potência!
E isso foi crescendo.
Representando a cidade com tanta paixão, o Rio me presenteou fãs pelo mundo: França, Itália, Estados Unidos e Japão, meu novo país da vez. E aí as pessoas foram distribuindo de mão em mão esse meu Rio pra todo mundo, todos os lugares, muitos eventos, muitos presentes. Ah, é do Gilson, né? Conheço sim, Adoro!!! Os gringos querem muito ser cariocas e choram quando partem de vez. “Gilson, eu não consigo sobreviver sem vir ao Rio ao menos uma vez no ano”, me disse o Charles, cliente francês que teve que deixar o Rio depois de 10 anos.
Qual é o seu papel no Rio, esse carioca de coração? Quantos estrangeiros buscam o pertencimento local usando um símbolo expressivo pra se sentir mais carioca?
Depois de mais de 25 anos de trabalho, a maturidade criativa se propagou em mais representações sobre o Rio. Bijoux, objetos de decoração, obras de arte e recentemente poesia e música, esses últimos, filhos da pandemia. A parada forçada em casa teve seus pontos pra lá de positivos. Conheci e reconheci o lugar onde vivo e, de lá, muitas necessidades e desejos surgiram. Foram muitas criações, inclusive meu novo projeto de decoração Gilson Home. Outros Rios entraram nessas novas casas, agora mais sutis, delicados, elegantes, menos óbvios — mas ainda muito Rio, com certeza!
E depois?
Os próximos passos são continuar cariocando variações sobre o mesmo tema, com poesia, música, exposições e até buscar uma fábrica pra produzir os meus biscoitinhos de Pão de Açúcar. São as minhas paixões cariocas que não têm fim.
“A cor dessa cidade sou eu / O canto dessa cidade é meu…” De vez em quando, você começa a cantar Daniela Mercury, né?
A Daniela Mercury universalizou o sentimento de pertencimento, em que qualquer indivíduo se apropria do lugar onde vive.
Pois aqui estou, Gilson do Rio, Gilson Leblon, Carioca do Rio, Gilson DOC e, por fim, Gilson Martins “o Homem Bolsa”.
A marca Rio é inabalável? Para quem explora no trabalho os pontos turísticos como você!
Em relação às mazelas que a cidade vive, eu acho que a nossa arma contra isso é justamente o Rio ser o que é. Eu fui a uma apresentação da associação de hotéis, e um senhor falou uma coisa linda que ficou na minha cabeça: “O Rio é uma cidade inoxidável”. E realmente o Rio é uma cidade de aço porque ela resiste a tudo e continua sendo amada e venerada. Recebo, do mundo inteiro, gente que ama, que chora porque não quer ir embora daqui, como falei. Eu alugo apartamentos de temporada, e as pessoas amam tudo. A nossa cidade nasceu com essa característica de energia positiva muito forte, e nem todos os problemas que ela tem consegue estragar isso.
Entrevista por Dani Barbi