Moro no Rio há 22 anos. Desde 1998, a mesma ideia me ocorre, e fica ressoando, como um mantra: por que não criam, nesta cidade, um órgão para cuidar do trânsito?
Poderia se chamar, sei lá, Departamento de Trânsito, e ter uma sigla do tipo DET, Detran, Detrans (gosto mais de Detrans).
Esse Detrans serviria para organizar o trânsito, principalmente em dia de chuva. Findo o temporal, tendo sido detectados os pontos mais problemáticos, o Detrans aproveitaria o primeiro dia de sol para dar uma solução.
Há 22 anos passo pelos mesmos bolsões d’água. Alguns, como o do Catete, o da Gávea, o do Jardim Botânico, o da Lagoa e o da saída do Zuzu Angel (em frente à Rocinha) já deveriam ter sido tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico, ou incluídos no calendário de eventos da cidade.
O Detrans poderia ter um pessoal (que vamos chamar, provisoriamente, de “guardas de trânsito”) para ajudar nos cruzamentos mais problemáticos – aqueles em que o carioca, no afã de ajudar o trânsito a fluir, acha que ainda dá tempo de cruzar uma rua perpendicular, mas acaba, inocentemente, dando um nó e não passando nem deixando passar.
Um “guarda de trânsito” nesses locais (por exemplo, cruzamento da Bartolomeu Mitre com Mário Ribeiro, ou encontro da Ministro Raul Machado com a mesma Mário Ribeiro) impediria que um zeloso motorista carioca, sem querer, bloqueasse a passagem dos demais veículos.
Outras duas invenções que inevitavelmente me ocorrem, ano após ano, são a da “multa” e a do “sinal de trânsito à prova d’água”.
“Multa” seria uma espécie de beliscãozinho monetário que o “guarda de trânsito” daria no desavisado condutor de veículo que infringisse as leis de trânsito nessas horas. (Ops, não são duas, mas três as invenções: há também as “leis de trânsito”: pequenas dicas de etiqueta sobre quatro rodas quando se fosse trafegar por vias públicas).
Se cada diligente condutor que, por uma fatalidade do destino, avançasse o sinal vermelho, ou trancasse o cruzamento fosse agraciado com uma multa, o valor arrecadado poderia, ao fim da tempestade, ser aplicado para desobstruir bueiros, melhorar o esgotamento das águas pluviais, regularizar os afundamentos do asfalto e até mesmo subsidiar o desenvolvimento do “sinal de trânsito à prova d’água”.
Já existe a tecnologia dos relógios à prova d’água, das máquinas fotográficas à prova d’água e mesmo dos celulares à prova d’água. Os sinais (ou semáforos, como queiram) nem precisariam ser tããããõ à prova d’água assim, já que dificilmente ficam submersos. Bastaria que não tivessem alergia a pingos d’água, ou fossem compatíveis com condições atmosféricas mais adversas.
Assim, durante a chuva, eles continuariam acendendo o verde (“siga”), o vermelho (“pare”) e o amarelo (“acelera que dá tempo!”), em vez de ficar piscando ou simplesmente apagar.
Sim, eu sei que tudo isso é utópico. Que conceitos como “lei de trânsito”, “guarda de trânsito”, “sinal de trânsito”, “multa” e, principalmente, “departamento de trânsito” são mitos, quimeras, ilusões.
Há 22 anos, cada vez que volto para a Barra, embaixo de chuva, essas fantasias me ocorrem. Penso que o percurso de 20 km daria para ser feito em menos de duas horas, porque 10 km/h são uma velocidade relativamente baixa (um campeão da São Silvestre faria na metade desse tempo, mas não dá pra comprar um ser humano com um carro 1.8, né?).
Vou patentear essa ideia de “Detrans”, “multa” etc. Vai que um dia algum visionário resolve implantar…
Ilustração: Jeane Miranda