O conto “O Alienista”, de Machado de Assis, marca a obra do autor como uma metáfora do principal embate do século XIX, ainda que a ação se passe no XVIII: o cientificismo como norma, estrutura de poder em detrimento da vida cotidiana, dos prazeres. O personagem principal, Doutor Simão Bacamarte, revela a dedicação do médico, obcecado com seus estudos na área de psiquiatria.
Publicado como folhetim, “O Alienista” fala do assunto da época: a loucura, as casas de loucos, a procura da cura e a mistura com as questões de interesses políticos, da ambição e do poder como derivativos dos comportamentos psicóticos. A importância de Porfírio que, de antagonista, transforma-se em duplo, faz com que toda a ação se realize sempre em dois planos: o ponto de vista dos personagens e a ação dos outros que devem se submeter a esse ponto de vista.
É desse caldeirão de temas, personagens emblemáticos, da estrutura dupla que a Cia. Teatro Epigenia, comemorando 22 anos, reinventa “O Alienista”, com texto de Gustavo Paso e Celso Taddei, direção do primeiro e elenco de 14 atores em cartaz, na Sala Principal da Cidade das Artes. Apesar de o texto machadiano ser leve e crítico, a trama fica pesada, difícil, pelas ações que se desenvolvem.
A opção pelo tom farsesco, apoiada em um cenário e figurinos de cinza e preto, com os atores maquiados com as máscaras comuns da Commedia Dell’arte, mantém a bela contradição do original, fazendo com que o leitor/espectador se envolva com prazer, pois as palavras nos divertem enquanto as ações nos perturbam.
A direção de Gustavo Paso valoriza o grupo de atores que ora são parte do Coro, ora são personagens com vida própria. Quando coro, estão na passarela, uma instância superior; como personagens, movem-se em torno de uma grande mesa. Atrás da passarela, os vidros se colorem de verde para determinar que estão no hospício, denominado de Casa Verde. Assim, o cenário é um elemento narrativo que muito colabora para o clima de entendimento.
Em quase duas horas, assiste-se à subida ao poder e à queda; à loucura como desvio mental, e o que chamamos de normalidade como loucura. “O Alienista” acaba por ser uma tradução de duplo sentido da palavra: aquele que aliena e aquele que se aliena. E, com acerto, nos remete ao dilema de hoje no Brasil — quem se submete às regras da instância superior ou fica alienado ou se aliena. Atitude de total loucura no momento atual.
Fotos: Luciana Salvatore
Serviço:
Cidade das Artes, Barra
Quinta a sábado, às 20h30
Domingo, às 18h