Acho divertido o jeito americano de dizer as coisas eufemisticamente — ou seja, sem dizer.
Usam “f*ck*ng” como se fosse vogal, mas se abespinham todos para o que, aqui, tiramos de letra.
Aliás, lá é que eles tiram, literalmente, de letra.
Câncer é “C-word”, lésbica é “L-word” — como se a neoplasia e a mulher que sente atração sexual por outra mulher fossem anátemas lexicais.
Lá em casa, Câncer era só o signo e “lésbica”, aparentemente, ainda não tinha sido inventada. Mas não se podia dizer a palavra “raio” na hora da chuva, ou o raio ouvia e vinha ver quem estava falando dele. Não se podia dizer a palavra “peste” — ainda que ela fosse a mais completa definição de um dos meus irmãos. Não se podia, também — mas por outro motivo — usar o nome de Deus em vão.
Não chegávamos, como os judeus, a abolir a palavra, e substituí-la por D’us. Deus podia ser inefável, mas nem tanto. Estavam liberados os “vai com Deus”, “Deus te abençoe”, “se Deus quiser”, “Deus me livre” e outras fórmulas já meio esvaziadas. Mas era um deusnuzacuda se alguém se saísse com um “juro por Deus”. Jurasse por tudo quanto é mais sagrado, pela alma (já devidamente descolada do corpo) de um ente querido, mas não invocasse Deus como testemunha, porque Ele tinha mais o que fazer.
Também não podíamos falar palavrão. E a lista de palavrões dobrava o quarteirão.
Uma vez, meu irmão (o que era uma peste) chamou a vizinha de “égua parida”. “Égua”, em si, não estava no index — desde que aplicada à fêmea do cavalo, não à vizinha. “Parida” eu não fazia ideia do que fosse, mas pela reação da minha mãe, devia ser algo pior que “menstruação” — outra palavra tabu. Por muitos anos, “eguaparida” foi um equivalente feminino ao “fedazunha”, igualmente ofensivo e enigmático.
“Bunda” era palavrão. Bonito, sonoro, gostoso de falar, como todo palavrão que se preze.
“Chato” era palavrão. Todo mundo falava, menos nós. O dever de casa era maçante, o filme era desinteressante, meu tio que me apertava as bochechas era insuportável — mas chato, não!
“Camisinha” era palavrão. Camisa, camisola, camiseta — tudo podia. No diminutivo, provocava fuzilamento ocular – e minha mãe era perita nessa modalidade de disparo que matava mais do que bala de carabina, que veneno estricnina, que peixeira de baiano. O problema era o palavrão ser incontornável, visto que dependíamos de um lampião a querosene para iluminar a casa (não havia luz elétrica em Unaí, onde morávamos) e uma das peças do lampião — justamente a que volta e meia queimava — se chamava… camisinha.
Como filho mais velho, normalmente me cabia ir ao armazém comprar algo emergencial – uma camisinha queimada, por exemplo. Mas minha mãe tinha que me pedir sem mencionar a palavra.
— Eduardo, o lampião queimou. Vai comprar uma… uma nova, e aproveita e traz palha de aço e creolina.
Eu chegava no armazém, na esquina da Rua Grande com a Jose Luís Adjuto, e pedia:
— Moço, me dá uma creolina, uma palha de aço e uma… uma… para o lampião.
O moço entendia e me dava o pacote com o desinfetante, a lixa que iria sob o escovão e uma… uma… uma campânula delicada, suspensa por uma haste de metal, tão bela quanto impronunciável.
Cresci com uma reverência por essas palavras que não podem ser ditas. Quando meto o pé na quina, grito “caramba! ”. Quando o sinal fecha e estou com pressa, esmurro o volante murmurando entredentes “puxa vida! ”. Só não consegui, ainda, atingir o grau de sofisticação da minha mãe, que quando queimava a mão na cozinha, furava o dedo com a agulha ou deixava cair um copo, soletrava “bê ó ésse tê á”.
Mas chego lá. Ainda vou usar conseguir usar essa “f*ck*ng” B-word — palavra bonita, sonora, untuosa, boa de falar, como todo palavrão que se preze.
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