Pode-se dizer que Bernardo é o mais discreto da famosa família Amaral. Está longe de herdar o trono do pai, o “Rei da noite” Ricardo Amaral, a energia social da mãe, um dos maiores nomes da sociedade carioca, Gisella Amaral (1941-2019), e a vocação festeira do irmão, o empresário Rick Amaral.
Até mesmo antes de se formar pela primeira turma de Marketing do Brasil, em 1995, pela UniverCidade, ele já atuava nos bastidores. Coincidentemente, essa conta é praticamente cabalística: Bernardo entregou as chaves do antigo Metropolitan, na Barra — casa fundada pelo pai e onde ele começou a trabalhar, aos 23 anos —, em março de 2001 e, em março de 2021, ou seja, exatos 20 anos depois, assinou o contrato para a criação do Qualistage, que vai inaugurar dias 12 e 13 de março, com um show que só pode ser incrível: “De Beethoven a Bethânia”, com o maestro João Carlos Martins e Maria Bethânia.
O Qualistage, em sociedade com os empresários Alexandre Accioly e Doddy Sirena — um investimento de R$ 10 milhões —, deixou-o ocupado durante todo o isolamento social, o que pegou muito bem, já que ele trabalha trazendo grandes produções internacionais ao Brasil. E não é o perfil que fica botando nada na conta da pandemia (se é que vocês me entendem), não aquilo que depende exclusivamente dele mesmo. A renovada casa de espetáculos tem capacidade para 9.500 pessoas em pé e 3.500 sentadas, além de um estúdio altamente tecnológico de 100 metros quadrados atrás do palco, para ser usado durante os eventos ou alugado a influencers para gravações de lives, entrevistas etc. “Fui diretor-geral de 1993 até 2001. Tenho, obviamente, uma forte ligação emocional com a casa. E agora é uma nova história: modernizamos tudo, começando pelo conceito e passando pelo palco, camarins, revestimentos, mobiliário!”, diz Bernardo.
A expectativa é de 90 eventos para 2022, fora os corporativos, e já estão confirmados shows de muitos artistas brasileiros, além dos internacionais, entre eles os de Greta Van Fleet e A-ha. Pode ir preparando o glitter para algumas noitadas. Rsrsrsrs!
Seja como diretor ou produtor da sua própria empresa (K7a4), Amaral já cuidou de nomes, como Justin Bieber, Roberto Carlos, Iron Maiden, Bob Dylan, REM, Dave Matthews Band, Eric Clapton e Sade, desde o fechamento do contrato, até a hospedagem e, até um suporte moral, se for o caso.
A casa mudou muito depois de 20 anos?
Quando entreguei as chaves, era março de 2001 e assinei o contrato em março de 2021; curiosamente 20 anos depois. Foi uma coincidência, e eu só me toquei disso na véspera de assinar. Pra mim, isso é apenas um número, uma data, mas estive apenas umas 10 vezes na casa nesses últimos 20 anos. E eu volto na mesma função de diretor-geral. A estrutura é a mesma, mas, quando entregamos, eles fizeram um retrofit (técnica de revitalização de construções antigas), e agora estamos fazendo algo além. Chamamos o arquiteto João Uchôa (o mesmo que faz o Rock in Rio), que manteve a estrutura física, mas colocamos muita tecnologia e iluminação, como por exemplo, que no dia do show do Roberto Carlos, o público seja todo iluminado de azul. João fez um belíssimo trabalho, e a casa está pronta.
E a expectativa?
Quando a gente procura um show de abertura, buscamos algo que fique marcado para sempre. Quando abrimos o Metropolitan, em 1994, foi com a Diana Ross e agora é com João Carlos Martins e Bethânia, artistas que têm grande importância para nossa música brasileira; isso foi um fator para que fosse um show de artistas nacionais. E os dois têm histórias fantásticas: ela é a maior cantora do Brasil, pelo menos em atividade, e João é um pianista excepcional com uma história de resiliência fantástica. Eles e a orquestra de 33 músicos vão emocionar as pessoas. Em seguida, vamos ter uma programação diversificada, com a banda norueguesa A-Ha, da dupla Jorge & Mateus, a atração infantil Mundo Bita…
Diversidade é a palavra?
Uma casa de espetáculos vive de diversidade, seja de gênero, de idade, de tudo. Duas semanas depois da inauguração, vamos ter um show do orgulho LGBTQIA+ com a Gloria Groove e Preta Gil. Estamos abertos para todo tipo de show, não abertos para receber, mas vamos atrás deles. A gente convida, dá e recebe ideias, mas temos um trabalho proativo. Não existe nenhum preconceito, estamos abertos a todos os públicos — vamos ter Thiaguinho, que está praticamente esgotado, uma programação eclética. Isso é tanto nas atrações quanto no espaço multiuso, em que o estúdio poderá ser alugado independentemente da casa, e, caso seja necessário, o palco também pode se tornar um estúdio. Aqui já teve circo, balé e até pista de patinação.
Qual a diferença de 20 anos pra cá?
Antigamente, a gente tinha os modismos que não são exatamente os de hoje. Uma coisa que a pandemia não vai mudar é a experiência do ao vivo, seja em teatro, shows, circo etc. As pessoas têm necessidade de assistir, ver aquele negócio acontecendo naquela hora. Nenhum tipo de tecnologia vai substituir o som do ao vivo, a performance com público. A tecnologia não afetou isso, não teve mudança. O que mudou foi que, naquela época, a gente tinha grandes temporadas que hoje não existem mais: modismos como o axé, aquela história de trap (subgênero do rap/hip-hop), a música sertaneja romântica… Hoje as pessoas não fumam mais cigarros nos lugares, tem a Lei Seca.
A pandemia mudou o quê?
Neste momento, existe uma demanda reprimida porque as pessoas querem se ver. A pandemia veio pra mostrar o quanto as pessoas gostam disso, o quanto o entretenimento é importante. A gente cuida do corpo, tentando evitar uma série de problemas de saúde, mas temos que cuidar da cabeça através da alegria, da diversão, dos encontros com amigos, do namoro, e isso acontece no ao vivo, no cinema, no bar, no teatro, num show.
Você sofreu as consequências?
Eu sofri muito, porque meu negócio é show ao vivo. Faz dois anos que não faço nenhum: zero. Não faço live e, mesmo que fizesse, não daria pra viver disso. Essa cadeia sofreu muito: técnicos, roadies, o pessoal da limpeza, segurança, carregadores. Tive que usar minhas reservas. Quando começou a pandemia, eu estava produzindo shows internacionais e vi que precisava fazer outro tipo de negócio dentro desse segmento, que é o de casa de espetáculos. Na segunda ou terceira semana da pandemia (abril de 2020), comecei negociações com espaços – um deles foi o Qualistage, só que o shopping não permitia negociar comigo porque existia um contrato em vigor. Mas eu seria o primeiro da fila caso algo acontecesse. A empresa devolveu a casa no fim de 2020, e eu comecei a negociar. A minha pandemia foi negociando a casa de espetáculos e fazendo obra depois de fechar o contrato.
No seu ponto de vista, qual é o futuro do setor de eventos?
A conscientização. A partir de agora, as pessoas vão se proteger mais por causa das viroses, os eventos vão ter mais controle de acesso e uma série de coisas que não eram vistas com a mesma seriedade. A mudança é de um detalhe ou outro porque os eventos vão evoluir com a tecnologia, a forma como se compra ingresso, que hoje é na própria tela do celular, as bebidas vão poder ser compradas antes, tudo no cartão, os copos serão recicláveis, os geradores com biodiesel, uma conscientização social que já vem acontecendo há algum tempo.
Como é fazer cultura no Rio?
Sem fazer nenhum elogio interesseiro, acredito que o prefeito Eduardo Paes e o governador Cláudio Castro estão lidando muito bem com este momento. São duas pessoas que têm consciência do que nossa cidade e estado precisam. Na gestão anterior, nada disso era valorizado. O Paes entende que o Rio é um local de eventos, é um defensor do carnaval com responsabilidade. Eles estão há pouco no poder, e começamos a ver algumas transformações, incentivos etc. Não estou fazendo campanha, mas acredito que, em mais alguns anos, possamos recuperar a autoestima, o ambiente de negócios na cidade, ou seja, termos o poder público ajudando, e não atrapalhando. Óbvio que a pandemia nos atrapalhou, mas o próprio Daniel Soranz (secretário de Saúde) tentou trabalhar o tempo inteiro para que a gente voltasse mais rápido. Se você olhar, o turismo (de cultura, esporte e lazer) é o segundo PIB do nosso estado; só perde para o petróleo. Precisamos ter isso de volta.
Um Amaral discreto…
Eu tenho a extroversão do meu pai, mas acredito que eu seja mais caseiro do que ele e Rick. Ser filho de Ricardo e Gisella é um orgulho, e só me abriu portas. Ele sempre foi o dono das boates, mas ela era o receptivo, a alegria do lugar. O meu caminho é uma continuidade do caminho deles. Foi uma sorte eu ter uma escola dentro de casa porque não precisei começar do zero – tive alguém pra me ensinar, abrir portas, e por que não aproveitar? Acho lindo histórias dos que vieram do zero, mas também acho do cacete as histórias de pessoas que não vieram do zero, mas fizeram seu próprio caminho. Uma coisa que aprendi com meu pai é que a gente pode trabalhar e se divertir ao mesmo tempo. Isso está no DNA da família.
Alguma boa história de bastidor?
Sempre fui amigo dos empresários de artistas, não necessariamente dos artistas, mas com os que eu mais tive relação pessoal, curiosamente, são dois que já morreram: o Tim Maia (1942-1998) e o Chorão, do Charlie Brown Jr. (1970-2013). No primeiro show do Tim no Metropolitan, ele brigou com todo mundo e disse que só entrava no palco se conhecesse o diretor. Entrei contando uma história, ele curtiu e ficamos amigos. Aqui ele fez três shows e entrou no palco em todos eles. (Não era incomum Tim Maia não dar as caras). E tem uma outra, que também já morreu: a Cássia Eller (1962-2001), que adorei. E tenho mania de batizar meus cachorros com nome de artista: Chorão, Rita Lee, Elis Regina, Kurt Cobain e Cássia Eller. Quando a Cássia fez show aqui, acho que em 1999, eu levei a minha Shih-tzu, que tinha seu nome. Contei a história, e ela riu, muito simpática, introspectiva, e soltou ainda um ‘eu sou uma cachorra mesmo’ e imediatamente perguntou onde ela estava. Eu trouxe, e Cássia a batizou com cerveja. Eu achei isso incrível!
Por Dani Barbi