O filósofo Olavo de Carvalho (1947-2022) continua vivíssimo, mesmo depois da sua morte, aos 74 anos, na última segunda (24/01), nos EUA. O nome do ex-guru bolsonarista, astrólogo de formação, segue em alta, também nas redes sociais, principalmente no perfil de sua filha, a mais velha dos oito, a ativista social, dona de casa e professota de artesanato, Heloísa de Carvalho Martin Arribas, 52 anos, que mora em Atibaia (SP). Ela tem rebatido as centenas de mensagens de ódio dos que ela apelidou “olavettes”.
Declaradamente anti-Bolsonaro (foi ela que divulgou onde estava escondido Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, no sítio do advogado da família do presidente em Atibaia, em 2020), ela se filiou ao PT no ano passado, mas ainda não é certa alguma candidatura nas eleições de outubro – a motivação para entrar na política é a “luta contra o obscurantismo bolsonarista e as pautas em defesa da cannabis medicinal e pela educação”.
Os ataques são um toma-lá-dá-cá: a cada massacre, ela revida com um arsenal afiado de histórias, digamos, pouco conhecidas sobre o pai, que a chamava de “anjinho” até 2017, quando romperam, assim como deixou de falar com os sete irmãos. Uma relação nada fraternal tanto que, no mesmo ano, Olavo prestou uma queixa-crime no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), em São Paulo, dizendo que a filha era chefe de uma organização criminosa apoiada por partidos de esquerda, cujo objetivo era minar a reputação dele no Facebook e no Twitter. Ela até prestou depoimento, mas o caso foi arquivado por falta de provas.
Pouco tempo depois, Heloísa lançou “Meu Pai, o Guru do Presidente – A Face ainda Oculta de Olavo de Carvalho” (2020), relatando loucuras, crueldades, incoerências, poligamia, e assim vai. Heloísa decidiu abrir a vida do pai, digamos assim, porque segundo ela, “antes ele prejudicava apenas um grupo restrito de pessoas, mas, com as redes sociais e como guru do presidente, isso mudou”.
Recuperando-se de uma cirurgia na perna, tem sobrado mais tempo para Heloísa rebater os “olavettes” e reafirmar suas histórias já contadas. O próximo passo é ter acesso ao inventário de Olavo, segundo ela, não pelo dinheiro, mas pelas informações e transações financeiras e, assim, descobrir mais alguma história mirabolante no mundo olavista.
Você era chamada de “anjinho” pelo seu pai. Por que isso mudou e como mudou?
O Olavo sempre me chamou assim a vida inteira, mas também chamou de anjinho a Joice Hasselmann (deputada ex-Bolsonarista), a Carla Zambelli (deputada federal Bolsonarista). Nunca me achei especial por isso, porque a intenção não está na fala, mas na atitude, e isso ele deixou muito a desejar a vida inteira em relação a mim, aos filhos em geral, mas meus irmãos negam isso. A mudança aconteceu depois do lançamento do filme ‘O Jardim das Aflições’, em 2017, sobre a vida e o pensamento do Olavo. Teve uma divergência entre os organizadores, e eu fiquei do lado de um deles, e ele, do outro. Só porque eu comecei a confrontá-lo e como ele foge de confronto, porque normalmente verdades são faladas, ele parou de me chamar de anjinho e eu virei um demoninho e me apelidou de ‘espermatozoide extraviado de Atibaia’.
Você chegou a se arrepender do rompimento? Por quê?
Nunca me arrependi de ter rompido, nem com ele, nem com meus irmãos, nem com minha mãe (Eugênia Maria de Carvalho), porque realmente as pautas que eles defendem… O que eles pregam é perverso, é desumano, então não tem como eu ter relação, nem pelo fato de ser família, com pessoas que defendem essas atrocidades. Depois do rompimento, eu senti um alívio muito grande na minha vida porque eu não tinha mais a obrigação de conviver com eles. Fiquei calada por muito tempo.
E como era a relação com os outros filhos e os netos?
Tirando os dois que moravam com ele nos EUA (Leilah e Pedro, filhos com Roxane Andrade de Souza Carvalho), sempre foi distante. Ele nunca participou da vida dos filhos. Minha irmã Inês, até pela condição financeira, por ter marido diplomata, às vezes ia para os EUA visitá-lo, mas ele nunca foi atrás dos filhos, dos netos, nunca quis saber. Meu filho foi o primeiro neto dele, hoje com 33 anos, e ele nunca deu um telefonema de aniversário, nunca nem se manifestou nas redes sociais. Era aquele parente distante, sem o convívio de amor familiar, e isso nem é pela distância física, é de comportamento, de falta de interesse. Ele sempre foi assim, comigo e com meus irmãos, mas eles mentem, negam tudo isso. Uma vez, conversando com ele sobre essa relação estranha, ele falou ‘a minha família está aqui nos EUA, vocês são só parentes’. Eu sei que ele falou a verdade, porque ele sempre sentiu e manifestou isso. Cada um constrói a sua vida, suas ligações e suas relações.
Você se filiou ao PT em 2021. Algumas coisas que você fez na sua vida foram para atingir o seu pai?
Não. Há anos, eu estava pensando em ter uma relação mais estreita com política, e o fato de ser o PT é pela afinidade de pautas e as amizades dentro do partido, que são antigas. Não foi para atingi-lo, apesar de saber que isso o atingiria. Seria muito pequeno da minha parte fazer isso porque eu sei do compromisso que é ser afiliado a um partido político. O intuito foi de poder continuar as minhas pautas de defesa, minhas lutas, meu ativismo em relação à cannabis medicinal, porque tem muita gente do PT engajada na pauta que eu levo muito a sério.
Existem uns seguidores de Olavo que são praticamente uma “seita”. Um deles, o psiquiatra Ítalo Marsili, está reunindo relatos de conversão de pessoas à Igreja Católica para enviar aos bispos e assim ele ser canonizado e virar santo. O que acha disso?
Eu acho isso uma grande piada de mau gosto. O Ítalo está fazendo isso porque tem um parente que é bispo na Igreja Católica, e ele se acha muito importante e muito poderoso e muito influente. Acho um absurdo e não vejo possibilidade alguma dr isso acontecer, até por conta dos ataques que o Olavo fez à Igreja Católica, ao papa etc. No fundo, no fundo, Olavo nunca foi católico — nunca foi casado na Igreja ou batizou os filhos e ainda teve outras religiões (islamismo). Mas também pelo absurdo em canonizar uma pessoa que sempre pregou o ódio, fez teorias da conspiração, divulgou fake news… Isso é mais um delírio ‘olavette’, e, até certo ponto, acho que é pra não deixar morrer o nome do Olavo nas mídias e na ‘seita olavette’.
Ele falava palavrões, xingava as pessoas… Isso não seria uma contradição?
Esse comportamento público dele, não só xingamentos, a defesa de armamento, até as bobagens que ele contava sobre a vida sexual e pessoal são realmente uma contradição enorme com o comportamento de alguém que se diz um católico cristão tradicional. E que fica tirando foto na fila da comunhão e publicando nas redes. Isso é ridículo. O católico jamais faria isso.
E as questões sobre a herança?
Ele tem coisa no nome dele, andou fazendo umas mutretas, passando coisas para o nome de uma irmã. Por isso, quero entrar no inventário, para saber de toda a verdade e expor ao juiz indícios de movimentações erradas, fraudes aos herdeiros, essa coisa em privilegiar uns e não outros. Mas só vou saber o que ele tem, de fato, no futuro, mas ele fez um testamento e quem não tem nada, não faz testamento. Até o momento, consta que ele deixou milhões em dívidas e indenizações, deu rasteira nos credores e nos filhos. Acredito que não sobre nada pra ninguém, especialmente para os parentes que nunca trabalharam na vida, e pode ter certeza, eu não sou um deles.
E o que você acha que vai acontecer com a indenização a Caetano Veloso por danos morais? (Olavo chamou o artista de “pedófilo”, foi condenado a pagar R$ 2,9 milhões, mas à época, em 2017, alegou não ter dinheiro. Hoje, com juros, a soma é de R$ 3,7 milhões).
Pretendo pedir desculpas a Caetano pessoalmente por todas as ofensas que o Olavo fez. Fui eu quem passou o endereço correto do Olavo para as advogadas do Caetano. Essas ofensas são as maiores vergonhas que sinto, já que Olavo casou um filho (Luiz Gonzaga, o Gugu), então com 15 anos, com uma mulher de 26 anos numa cerimônia da seita que ele era chefe, mas isso não tem nada demais para os ‘olavettes’.
E o melhor e o pior de ser filha do Olavo?
O melhor de ser filha do Olavo não é ser filha do Olavo. É que, querendo ou não, foi ele que me pôs no mundo. Ele não me deu a vida, quem deu foi Deus. A pior coisa são as vergonhas, tudo que ele fez em relação à pandemia. Isso me deixou muito triste, com raiva, porque ele é culpado de muita coisa que aconteceu, como o atraso na compra das vacinas, porque, se ele tivesse calado a boca e não falado tanta besteira, talvez a coisa não teria sido tão protelada. E ele ajudou muito a disseminar fake news, então, infelizmente ele morreu com as mãos sujas de sangue com as mais de 600 mil mortes pela covid no País.
Por Dani Barbi