Ensinar princípios, passar conhecimentos, trocar ideias tornam-se mais fácies e efetivos quando criamos uma história — pode ser uma fábula, uma lenda, um conto, um poema. O importante é que contenham uma lição, um ensinamento, algo que leve o outro a pensar e, mais importante, mudar seu comportamento. “A alma imoral”, um dos mais estrondosos sucessos do teatro brasileiro, utiliza essa técnica com uma maestria ímpar, sob a condução de Clarice Niskier.
A religião judaica, ancestral, monoteísta, com rituais que se utilizam do jejum, das velas, antes de tudo, são as parábolas, as histórias cotidianas, com fatos corriqueiros e presentes no dia a dia de qualquer um que constrói uma forma de ter uma cultura baseada naquilo que deve ser feito.
E Clarice, na adaptação do livro do Rabino Nilton Bonder, resolve expor e se expor ao apresentar que os conceitos dominantes, cristalizados, podem ser facilmente transformados e modificados. Para isso, usa um importante elemento cênico e dramatúrgico como metáfora para mostrar que a contradição entre o que vemos, o que somos, o que aparentamos, e a essência não passa de um jogo. Valendo-se somente de uma cadeira e um grande pano preto que, concebido pela figurinista Kika Lopes, transforma-se em oito diferentes vestes: mantos, vestidos, burcas, véus. Clarice, como uma aranha fiadeira e mítica, vai construindo e organizando os fios.
O desempenho de Clarice, sob a supervisão de Amir Haddad, ganha a dimensão que vai além de um papel que poderia ser mais uma mimetização de Scherezade. Com a voz em um quê de falar poesia, vai além de contação de histórias ou de alguém que olha de longe ao que passa, mas que não fica. É envolvente no tom com que se dirige ao outro, à plateia. E mais: tem a coragem e a fé se desnudando, despindo-se (literalmente).
São desses fios que a plateia ri, chora, aplaude, suspira, encanta-se, surpreende-se, mas também se reconhece nos personagens, nos desencontros, nos destinos e ouvindo a voz de Clarice. E aprende com a lógica do que o outro diz, pensa, sofre, ri, perde e ganha. Por fim, ao invés de vestir a roupa do outro, deixa-se seguir nu. Pode ser melhor?
Serviço:
Sexta, às 20 h