Você sabe o que se passa na sua cabeça? Não no sentido figurado, mas no científico? Depois de ler “No labirinto do cérebro” (Objetiva, 2020), do neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho, a escritora e produtora Sônia Rodrigues, filha do dramaturgo Nelson Rodrigues, ficou fascinada, ligou para o médico e comprou os direitos da publicação para o audiovisual.
O livro, que conta as histórias dos casos resolvidos por Paulo e sua equipe, diretor do Instituto Estadual do Cérebro (IEC) e membro da Academia Nacional de Medicina (ANM), vai virar série de seis episódios, com estreia prevista para o primeiro semestre de 2022 — as filmagens começam ainda este mês. Ela começou o trabalho de pesquisa em fevereiro, com a pandemia ainda em alta, fazendo entrevistas virtuais com os personagens e conhecendo as doenças cerebrais a fundo. “São casos que parecem ficção, mas são a vida real. Há algo de ‘Rodriguiano’ em algumas histórias”, diz Sônia.
Para a ação de pré-lançamento, ela aparece numa nova mídia: o podcast, em seis entrevistas com Paulo, sobre as histórias no livro e que presenciou em suas idas ao IEC, além de conversas com pacientes, já nos streamings, antecipando o clima da série. O protagonista é filho do homônimo Paulo Niemeyer (1914-2004), pioneiro da neurocirurgia no País e um dos maiores do mundo, e sobrinho do arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012). “Como Paulo tem um catálogo imenso na cabeça com a experiência, ele é muito bom de diagnóstico. Ele é humano, mas talvez ir direto ao ponto possa incomodar as pessoas. Os podcasts podem ajudar a esclarecer as dúvidas de muitas delas e emocionar outras tantas, com certeza. Precisamos de esperança, ainda mais em situações dramáticas”, diz Sonia.
[top5] numero:1 [f] titulo:Como foi a ideia de contar essa história? [f]
desc:O livro é apaixonante. Fiquei impressionada porque eu não tinha ideia do que é o cérebro; talvez seja o órgão que a gente menos se importe na vida. As outras partes do corpo doem, seja muscular, uma cólica renal, mas o cérebro não dói, fica ali dentro de uma caixa e a gente vai tocando. Aprendi sobre os lóbulos frontais e vi que sofremos um risco terrível porque eles armazenam a memória e você pode perdê-la de uma hora pra outra. Percebi que os casos dos pacientes de AVC, aneurismas, epilepsia, tumores e outras doenças neurocirúrgicas dariam uma série maravilhosa. Comprei os direitos, comecei a entrevistá-lo, assim como à equipe e pacientes. E fiquei cada dia mais impressionada. [/top5]
[top5] numero:2 [f] titulo:E o podcast? É sua estreia no formato? [f]
desc:Enquanto não filmamos a série — porque estamos atrás de patrocínio e streaming —, escolhi o formato porque, pelo menos, o grande público pode conhecer. É minha estreia em podcasts, porque eu sou muito atrevida, sabe? Sempre resisto a novidades, tenho preguiça e receio me viciar e não dar conta, porque sou virginiana ortodoxa (rsrsrs). Com o Paulo, pensei num bate-papo para não ficar longo, em formato livre, porque ele fala bem, sabe tudo e se expressa com calma. E os pacientes são casos assombrosos, tanto os do livro quanto os do IEC. [/top5]
[top5] numero:3 [f] titulo:Como falar sobre neurociência sem ficar chato? [f]
desc:Existem séries médicas documentais muito boas. Os casos do Paulo, por si, são interessantíssimos, mesmo porque a maioria das pessoas desconhece as doenças que podem afetar o cérebro. Por exemplo, pessoas que sofrem de acromegalia (doença rara causada pela produção excessiva do hormônio do crescimento) e viram gigantes. Aí descobrem que é um tumor de hipófise, uma glândula de 1cm que, quando dá uma encrenca, ninguém descobre; às vezes, só quando a pessoa começa a perder a visão. O Paulo pegou casos extraordinários, como o de uma mãe que levou o filho de 18 anos, mas aparentava 7. Era um tumor na hipófise, e ele perderia a visão se não operasse, explicou para a mãe que tinha cura e que ele viraria um homem normal. No que a mãe perguntou se ele se interessaria por mulheres. O Paulo, achando que estava arrasando, confirmou. Ela disse que não e levou o menino embora, sem fazer o tratamento. Quando meu pai escreveu “Álbum de Família” (1945), e a “Dona Senhorinha” (personagem de uma mãe que é apaixonada pelo filho), que diz não ter criado os filhos para outras mulheres, parece que ele tirou isso da cabeça delirante. Não acho que a cabeça do meu pai era delirante, não; acho que tudo que ele escrevia estava na vida, mas parece delírio. [/top5]
[top5] numero:4 [f] titulo:Como foi seu interesse? [f]
desc:Eu me interesso por boas histórias; é a primeira vez que pego um livro pra fazer algo que não seja meu. Tenho 40 livros publicados, 30 impressos e 10 audiobooks; eventualmente, uma história me interessa. No caso do livro, as histórias de sobrevivência parecem ficção — aneurismas, isquemias e hipófises me impressionaram muito. Paulo atendeu um rapaz de 21 anos que teve um AVC no tronco cerebral e entrou em coma. Operaram e salvaram o menino, sem sequelas. Na maioria das vezes, a pessoa fica encarcerada, vendo tudo, escutando tudo, mas só mexendo os olhos, fica trancada dentro dela mesma. As pessoas precisam fazer check-up de cérebro, mas nenhum médico pede. O cérebro é apaixonante, e qualquer coisa contra ele pode destruir a vida da gente e, ao mesmo tempo, podem ser corrigidas e ninguém sabe. [/top5]
[top5] numero:5 [f] titulo: Você pegou um livro e transformou em podcast e série. No seu ponto de vista, qual o futuro da leitura? [f]
desc:Cada pessoa tem um tipo de leitor. Acho que as pessoas estão lendo, sim, porque considero que tudo seja leitura: assistir a séries, escutar podcasts, papel ou computador. Especularam que a TV, o cinema, os streamings matariam a literatura, mas não matou e não vai matar porque isso é um costume de mais de 3 mil anos. A primeira versão da ‘Odisseia’ é do século VIII a.C. Tem que ampliar o leque para disseminar informação; se tiver só a mídia livro, isso não acontece. Alguma vez você já leu um livro de Sônia Rodrigues? Não. Porque tem livros demais no mercado. Quem já é leitor vai continuar lendo, e assim vai… [/top5]
[top5] numero:6 [f] titulo:O que seu pai acharia desse projeto, e quais as perguntas que lhe fazem sobre ele que lhe dão mais pavor? [f]
desc:Ele gostaria muito e entenderia a morte do pai dele, que foi por AVC. Não é que eu fique incomodada, mas eu acho que as pessoas tendem a confundir o criador com a criatura, a vida com a obra, sem entender no que a vida impactou na obra. Como eu conheço muito a obra — eu fiz a biografia póstuma “Nelson Rodrigues por ele mesmo”, a partir das falas dele. Não me incomodo de responder a perguntas sobre meu pai, mas eu gosto mais de responder sobre a obra, que é um legado. [/top5]
[top5] numero:7 [f] titulo:Contrariando você, qual a sua maior lembrança dele? [f]
desc: Meu pai foi um homem sempre correndo atrás da sobrevivência e não sabia muito como administrar a vida. Ele tinha cinco empregos como jornalista. A ironia foi que ele inventou uma obra a partir do jornalismo para não ser jornalista. Acho isso maravilhoso. Ele lançou o livro “À sombra das chuteiras imortais”, a primeira coletânea das crônicas esportivas, entre os anos de 1955 e 1970; “A Pátria de Chuteiras”, outra coletânea de crônicas, tudo para não ser repórter. [/top5]
[top5] numero:8 [f] titulo: Como você vê a cultura hoje? [f]
desc:Passando por muita dificuldade. Quem só faz audiovisual está perdido – se eu estiver desesperada, posso escrever pra criança e usar outros artifícios. Tenho um material desses nas mãos (sobre o Paulo), e a gente não consegue patrocínio para a série. A única maneira de fazer cultura hoje é na raça. Eu só não desanimo porque sou filha do meu pai, muito determinada. Estou acostumada a investir os meus caraminguás nas primeiras fases dos meus projetos. Por exemplo, se eu chego com um livro do Paulo Niemeyer debaixo do braço e ofereço para os streamings, o pessoal não dá a mínima. Para fazer cultura hoje no Brasil, a não ser os muito famosos, primeiro tem que comprar os direitos da obra, depois pesquisar, fazer o projeto e provar que é capaz de fazer e ter retorno. Nós estamos na penúria, eu estou, a categoria está com o pires na mão batendo de porta em porta nas empresas. E estou oferecendo um trabalho que fortalece marcas. Imagina quantas não ganham dinheiro com saúde? O brasileiro é profissão esperança. [/top5]
[top5] numero:9 [f] titulo: Vivo fosse, seu pai estaria de pires nas mãos por aí? [f]
desc:Não, porque ele vendeu o passe para o Roberto Marinho (Organizações Globo). Desde “Vestido de noiva”, quando ele tinha 31 anos, vendeu o passe e ficou inventando coisas como “Myrna”, “Suzana Flag”, “A vida como ela é”, e sempre colocando em grandes empresas. Tem uma entrevista que ele deu ao Telmo Martino, dizendo: “As minhas crônicas são as mais saqueadas do país, todo mundo publica e ninguém paga”. Quer dizer, ele sobrevivia do salário e não era empreendedor, queria sustentar as famílias, porque ele era um homem que se apaixonava, então deixou famílias e tinha que ajudar a de origem e as outras (do primeiro casamento, com Elza Bretanha, Nelson teve dois filhos, Joffre e Nelson; relacionou-se com Lúcia Cruz Lima, com quem teve a filha Daniela, que nasceu prematura e com sérios problemas de saúde; e com Yolanda Camejo, com quem teve Sônia, Maria Lúcia, e Paulo César, além das namoradas no meio e dentro do percurso). Então, a Globo foi a âncora, mas quase não sobrava tempo — ele chegava morto, às 10 da noite, e ainda escrevia inventando coisas novas. Coitado, ele trabalhava demais! Morreu com 68 anos e, se não fossem os 80 cigarros que fumava por dia, acho que não teria conseguido. O Brasil deve a Roberto Marinho e à nicotina a obra de Nelson Rodrigues, porque é o que segurava a onda dele. Mas ele costumava dizer que escrever para a TV era afrodisíaco porque milhares de pessoas estavam assistindo ao que ele escreveu. E ele tinha essa alma de grande público.[/top5]