Um dos efeitos colaterais da pandemia, digamos assim, foi a descoberta da gastronomia, chamada aqui de o-segundo-maior-prazer-desta- vida. No auge da crise, muitos se viram obrigados a cozinhar; alguns, a contragosto, o que foi mudando na sequência. Pelo deleite, claro, e até por terapia, quando o fogão virou praticamente um divã. Por uma pesquisa da empresa inglesa Global/WebIndex, um terço dos brasileiros passou a cozinhar na pandemia. Tudo isso levou muita gente a procurar formação profissional.
É aí que entra a escola Le Cordon Bleu, em Botafogo, que completa três anos de Rio, com mil alunos formados em 20 turmas, prontos para entrar no mercado. “Assim que os primeiros estagiários foram a campo com a metodologia da escola, em 2018, já notamos a diferença. A qualidade inimaginável de um aluno no Brasil impressionou pela desenvoltura de um autêntico aluno Le Cordon Bleu de Paris, mas no Rio”, diz o chef Roland Villard, que faz parte do projeto desde o começo.
Atualmente, o instituto tem 200 alunos, dos quais 125 são mulheres, ou seja, quase o dobro dos estudantes. Segundo Carla Rosas, diretora da escola carioca, com a pandemia, o sucesso de matrículas foi surpreendente, também impulsionadas pela oportunidade do estágio voluntário no restaurante Signatures e a quase certeza de encaminhamento no mercado, mesmo porque o que não falta à escola é nome.
Com a pandemia, surgiu este outro lado: as pessoas se descobrirem “chefs” presos em casa e se arriscando na cozinha. Como vocês perceberam esse movimento?
Vimos esse movimento, primeiro, nas redes sociais. A pandemia estimulou milhões de brasileiros a reinventar sua relação com a gastronomia, que acabou sendo um conforto para muitas pessoas que não podiam sair de casa. E, claro, quando reabrimos, recebemos essa demanda de alunos nesse perfil, tanto para quem quer cozinhar como hobby quanto para quem quer tornar-se, de fato, um chef.
Dos atuais 200 alunos, 125 são mulheres. A que se deve esse aumento de mulheres na alta gastronomia?
Acredito ser um movimento mundial. Até em outras profissões, as mulheres têm, cada vez mais, se destacado em áreas que eram majoritariamente masculinas. Até o ano passado, em dois anos de Le Cordon Bleu, elas representavam 50% de estudantes em comparação ao número de homens. Hoje representam quase 70%, ou seja, a tendência é aumentar.
Quantos dos mil alunos saídos da escola estão no mercado? Como vocês acompanham isso?
Desde 2018, formamos cerca de 800 alunos aptos para o mercado de trabalho. Atualmente, mais 200 alunos têm diplomas de cuisine, pâtisserie e boulangerie, além do CordonTec, programa técnico criado na unidade e que hoje está presente também em São Paulo, ou seja, alcançando a marca de mil alunos. Outro diferencial no Rio é que oferecemos a oportunidade do estágio voluntário no restaurante Signatures (segunda unidade no mundo), que agrega uma experiência prática indispensável ao currículo. Recebemos sempre vagas para estágio e trabalho para grandes restaurantes e rede hoteleira. Encaminhamos alunos e formados para essas vagas.
Temos muitos programas culinários nas TVs aberta e fechada. O que chama tanta atenção das pessoas para o assunto?
São muitas opções na TV, justamente porque vai muito além de comer — a gastronomia é cultura, é entretenimento. A culinária sempre encontra meios de agregar pessoas e conhecimentos, e é isso o que esses programas proporcionam para os telespectadores. Quem nunca se viu cozinhando com o Claude Toisgros? Ou sendo julgado pelo Erick Jacquin? E até mesmo se pegou fascinado pela desenvoltura da Rita Lobo e do Rodrigo Hilbert?
Aconteceu caso de aluno que entrou na escola pela demanda do mercado e se encantou?
A maioria das pessoas que nos procuram são apaixonadas pela culinária, querem justamente aprender mais sobre esse assunto tão rico, seja para cozinhar em casa para amigos e família, seja para ingressar no mercado de trabalho.
Quais as novidades do Le Cordon Bleu?
Estamos lançando dois novos cursos este mês: o Diploma de Cozinha Brasileira (a partir de 25/10), que vai ter a Roberta Sudbrack como embaixadora, e o Wine and Beverages Studies, com Danio Braga. O primeiro vai reunir a tradição culinária do País, a autenticidade, a história das regiões em particular, a cultura, a riqueza dos produtos, pratos e receitas com foco no estudo e uso dos ingredientes locais. Já o Wine oferece conhecimento completo na área de vinhos e bebidas para iniciantes ou não (com início dia 10/10 e duração de sete meses).
Quanto à culinária brasileira, vimos também um “boom” com produtos regionais, principalmente na Amazônia. Isso é uma moda ou vai ficar?
Com certeza, veio para ficar. Estamos seguindo uma tendência de outros países, principalmente os europeus, onde o consumo e os produtos locais são muito valorizados. Na culinária, eles fazem total diferença — são mais frescos, além de ajudar na economia do lugar. No nosso restaurante-escola, por exemplo, unimos as técnicas usadas na culinária francesa aos insumos regionais. Usamos muito cumaru, que é uma especiaria da região amazônica, no lugar da baunilha, por exemplo.
O que os “chefões” franceses acham da comida brasileira e da escola carioca?
Eles adoram o Brasil — não é à toa que muitos se mudaram pra cá e por aqui permanecem há décadas. Temos o chef de pâtisserie Philippe Brye e o chef Yann Kamps, além do apoio de Roland Villard.