Você quer viajar sem parar depois da pandemia, mais ainda, depois de passar tanto tempo com as fronteiras fechadas? Aha! O professor de Meditação Kléber Tani também não para de pensar em viagem, mas para dentro de si, para quem as fronteiras estão sempre abertas, digamos assim. Logo que começou a crise coronavírus, o diretor da Sociedade Internacional de Meditação, chegou a achar que teria de fechar a sua academia de MT, no Leblon.
No entanto, o que aconteceu foi exatamente o contrário: de uma sala para 25 pessoas, agora são quase 300 no online e 200 que pagam para meditar todos os dias, numa conta de Instagram fechada. Dentre esses, alguns são conhecidos do público, como a apresentadora Angélica, que virou praticamente uma espécie de garota-propaganda da técnica, ou ainda Cissa Guimarães, Júlia Lemmertz e Rodrigo Santoro. Além disso, os cursos continuam a toda, no presencial.
Em 40 anos de profissão, Kléber, discípulo pessoal de Maharishi Mahesh Yogi, o monge que trouxe a MT para o Ocidente, já ensinou a técnica para mais de 48 mil alunos. A pandemia trouxe, com o isolamento e as mudanças no ritmo de vida, as buscas pelos termos meditação e mindfulness (atenção plena), o recorde dos últimos 16 anos, em procura no Google. Ainda em setembro, segundo pesquisa do V. Trends, da Vivo, especializado em comportamento do consumidor, a pandemia aumentou em 45% o número de pessoas adeptas da meditação. O estudo mostrou que um em cada três que meditam atualmente começou nesse período. E sobre a serenidade no olhar?
Você tem notado o aumento na procura da MT de que maneira?
É muito difícil encontrar um número preciso, porém é natural que as pessoas estejam buscando o bem-estar. Começou no início da pandemia e vigora até hoje. Em casa, o convívio é intenso e duradouro, o que não acontecia. Isso pode criar mais desgaste, sobretudo porque as pessoas estão ficando sozinhas, confrontando-se, assim, com todos os seus limites, ansiedades, medos — e tudo lado a lado com a família. Meditação é uma das três palavras mais procuradas do Google, como imagino também psicoterapeutas e pessoas que tratam da cabeça. Quando começou a pandemia, eu nunca tinha trabalhado no online; comecei dando meditação em grupo. As pessoas estão apertadas internamente e querem um método. Cito quatro aspectos que favorecem muito a procura pela MT: respaldo científico, a tradição muito séria e antiga, a facilidade do método e um curso de uma semana, que já tem um efeito fortíssimo. Hoje recebo gente do mundo inteiro tanto no online quanto presencial, até porque pagar um curso aqui (R$ 2.500) sai mais barato do que na Alemanha, por exemplo, que pode chegar a 1.800 euros (quase R$ 12 mil). O cara compra a passagem, passa uma semana no Rio, curte a cidade e volta para a Europa. Isso aconteceu muito no início da pandemia; agora, mais espaçado.
No ano passado, a busca “como fazer meditação para ansiedade” no Google cresceu 4.000%…
A procura vem crescendo nos últimos 10 anos, ainda mais quando pode associar o termo a uma base científica, porque caracteriza seriedade. Quando começou a pandemia, eu achava que estava ferrado, mas pra mim foi um baita de um empurrão. O que pra uns pode ser um sofrimento, para outros acaba sendo crescimento de uma forma ou de outra. Não que eu tenha ficado feliz com essa situação de pandemia, claro que não, mas agora a pandemia acabou me jogando lá em cima. Hoje em dia, preciso dispensar um monte de gente. Para mim, é mais fácil trabalhar com empresas, dando aulas por Zoom (cada aula de até 1h15 custa mais ou menos R$ 5.500). Se eu quisesse, nem precisaria usar a minha academia, de tanta empresa me procurando. Agora, porém, estou voltando com turmas pequenas, de cinco pessoas.
É mesmo quando as pessoas estão ameaçadas de alguma maneira que buscam, digamos, uma direção espiritual?
É isso. Na hora em que a pessoa começa a sofrer, ela reza pra Deus, em vez de acordar antes, tornar-se sutil e buscar valores mais profundos e delicados antes de a bomba explodir. O tudo é transitório, o que é que permanece? Então a insatisfação começa a aumentar. É só você notar o índice de separações, de suicídios, a polarização política.
Existe um ditado nas redes sociais que diz “o Brasil me obriga a beber”. Pegaria bem se fosse “o Brasil me obriga a meditar”?
Quanto maior o nível de estresse, maior a necessidade de repouso. Se os problemas aumentam, as pessoas deveriam melhorar a qualidade do sono, e é justamente o que elas não fazem. Os problemas aumentam, o pessoal quer encher a cara, botar pra fora brigando, adoecendo, quando, na verdade, deveria buscar repouso. O estresse bloqueia a eficiência, e você não vai diminuir o estresse malhando; isso não existe, não vai diminuir no lazer. Tudo isso serve como paliativo, mas não resolve. Estresse é sobrecarga, excesso de pressão, e o que elimina isso é tirar a carga. Se não tem como mudar o mundo, tenho que mudar a mim mesmo.
Todo mundo deve saber os benefícios, mas como você os contextualiza na pandemia?
Os benefícios são imensos quando você traz mais equilíbrio para o sistema nervoso. A gente aprende no colégio que o corpo sempre busca homeostase (equilíbrio). Quando você se sobrecarrega, perde o equilíbrio; quando medita, adquire equilíbrio. Durante uma noite de sono de 6 a 8 horas, o consumo de oxigênio cai, em média, 8%; durante a prática da MT, o consumo de oxigênio cai, em média, 60%. Num período de tempo muito curto, a MT consegue dar um jeito profundo na pessoa, e isso vai se estendendo ao mental, físico e comportamental. O que aparece aqui de gente com síndrome do pânico, síndrome do déficit de atenção, que estão começando com Alzheimer, Parkinson, ansiedade, em vários níveis, depressão… Não é difícil pra mim, humildemente falando, pegar uma pessoa de nível inicial e médio e, em uma semana de curso, “consertá-la”.
Se é tão importante, por que não ter uma propagação maior, mais informação que chegue a todas as classes sociais?
Todos nós nos fazemos essa pergunta. A gente precisa de uma mídia que pare de falar desgraça e atente para coisas que sejam boas para a humanidade. Mas o problema é que isso não vende. O que vende é terror e pânico. Quando o Planeta vai ter um nível de consciência para as pessoas colocarem, em suas vidas, estradas que sejam realmente evolutivas? Digo em relação a tudo: alimentação, agrotóxico, indústria farmacêutica etc. Venho de uma batalha de 40 anos de profissão e, para conseguir pagar o meu conforto hoje, tive que trabalhar de sol a sol. Conforme o nível de consciência vai mudando — dos governantes, políticos, educadores —, isso pode mudar. Tem um monte de gente que ensina meditação por oportunismo; e nem é meditação, é relaxamento conduzido.
E qual a diferença em fazer meditação presencial e online?
A presencial tem efetivamente uma pegada muito mais forte por causa da coerência das ondas cerebrais. Quando comecei no online, confesso que não acreditava muito nisso, mas o fato é que funciona muito bem, não com a mesma energia. O importante é a constância. O online auxiliou as pessoas na rotina. Pensei que fosse fechar a academia, mas, antes disso, comecei a promover a meditação online pra dar uma força pra galera por 30 dias, gratuitamente. Depois vieram com essa ideia, mas eu achava que ninguém ia pagar, e foi um sucesso. Eu dou aula no online para pessoas que nem aprenderam a MT, mas eu ajudo na introdução. São de Londres, Tóquio, Califórnia, Canadá, Chile, Portugal… A sorte é que eu tenho milhares de alunos ao longo dos anos e posso colocar até 300 numa sala online, enquanto, na academia, eram umas 25. Não é a mesma coisa, mas está quebrando um galho enquanto a liberação não for 100%.
Pode dar bons motivos para alguém começar a MT?
Vou repetir o que o Maharishi disse para Larry King: toda pessoa que quer ter uma vida melhor, mais satisfatória, com mais saúde, empreendendo com lucros maiores no campo da ação, tem na meditação uma ferramenta forte para experimentar a plenitude na vida. É simples. Quer viver melhor, busque um pouco do silêncio, porque a vida não é feita de barulho. Busque repouso porque, tecnicamente falando, não vai ser na academia que você vai conseguir dar jeito no seu estresse.
Você trata o silêncio quase como uma bênção?
Sim, porque tanto eu quanto você e a torcida do Flamengo sabemos como é difícil ter momentos de silêncio, como a mente funciona desembestadamente. O pensamento, que deveria ser uma ferramenta pra crescermos, acaba sendo um agente dificultador na capacidade de concentração. Então, esse lixo mental que vem com todo esse pensamento é muito grande. Pensar é maravilhoso, desde que você tenha a habilidade e conquiste o lugar onde um pensamento nasce. Pensamento útil dá força, inútil adoece e gera uma bad trip no seu dia.
Um dia, você falou que existem épocas da vida em que o inverno custa a passar, retardando a primavera. Pelo calendário, ela está aí, mas vai chegar de fato?
Realmente, nós estamos vivendo um longo e tenebroso inverno. Quando me refiro à primavera da vida, refiro-me à idade em que as pessoas ainda podem tomar decisões, mesmo que elas errem. Chega uma época da vida em que você já não tem muitas balas no cartucho. Enquanto estamos na primavera — com 61, estou no final da primavera —, ainda tenho forças para mudar meus vícios, erros de conduta, ainda tenho saúde. Em casa, tenho uma situação estável com meus filhos, uma vida confortável; então, essa é a hora da mudança. Ter que mudar por conta de uma bomba que explodiu não faz sentido nenhum. Eu diria o seguinte, quase que parafraseando Maharishi: afortunados são aqueles cujos corações fluem em amor. Um coração amoroso é um coração cheio de amor, é a essência preciosa da vida. Um gesto de amor alcançará os confins do Universo. O amor traz luz a um ambiente escuro. Que milagre Deus criou no amor! E isso só se encontra com paz…