Há 20 anos, não existe a possibilidade de um 11 de setembro no calendário, sem a lembrança daquela terça-feira. O dia amanheceu lindo em Nova York, o céu era azul-anil, não havia uma nuvem no céu. O ano letivo estava apenas começando, e a cidade estava energizada depois das férias do verão. Fui com Paulo, meu marido, levar as crianças, ainda pequenas, à escola. Nesse dia, havia um encontro marcado para as 9h, com a diretora da escola. Lá estávamos, com todos os outros pais e mães tipicamente nova-iorquinos, sem tempo a perder. Já havíamos nos despedido de nossos filhos e aguardávamos a diretora, inquietos. Ela, que era sempre pontualíssima, estava atrasada.
Naqueles tempos pré-twitter, antes de o imediatismo da informação atingir os níveis de hoje, ninguém sabia ainda o que tinha acontecido, até a diretora entrar na sala, totalmente lívida. Ela explicou que primeiro um e depois outro avião haviam atingido as torres gêmeas, tudo indicando um ataque terrorista (às 8:46, o voo AA11 colidiu com a Torre Norte e, às 9:03, o voo UA175 colidiu com a Torre Sul). Sua filha deveria estar embarcando de Boston para Los Angeles, naquela manhã. Ela estava preocupadíssima, tentando saber notícias. Desculpou-se e nos despachou rapidamente, cada qual, certamente repensando as prioridades devidamente revistas e transformadas. (Soubemos depois que a filha não chegou a embarcar no avião que colidiu com as torres).
Acompanhamos, incrédulos, chocados, estarrecidos, as imagens dos prédios pegando fogo, pessoas se jogando pelas janelas, prédios desmoronando, escombros, pessoas cobertas pelas cinzas… Lembro que os telefones não funcionavam direito, e era difícil ter notícias precisas de quem conhecíamos e que moravam ou trabalhavam naquela região. Também era difícil dar notícias para a família e os amigos que tentavam contato do Brasil. A informação não circulava.
Voltei caminhando para buscar as crianças na escola. O trânsito estava interrompido para os carros. Restaurantes deixavam suas portas abertas, onde as pessoas se juntavam para acompanhar as notícias através dos televisores ligados. Muita gente sentada no meio-fio, com o olhar parado. Lembro-me de ver dois adolescentes — possivelmente irmãos, eram muito parecidos – que caminhavam de mãos dadas, lágrimas escorrendo pelas faces. Até hoje, essa passagem me emociona; não consigo nem falar disso. Parecia uma cena de guerra daquelas que, até então, eu só tinha visto em filme.
O cheiro e a fumaça tornavam tudo muito real, e a cor do céu, na direção das torres, já não era mais azul: tudo coberto por uma crosta de poeira de cinzenta. Um casal de amigos que morava em Tribeca entrou com os dois filhos num carro, e só voltou pra cidade quatro meses depois. No desespero, só conseguiam dirigir pra longe de Nova York, sem saber pra onde nem quando parar. De uma hora pra outra, deixaram para trás a vida como todos nós conhecíamos.
Tudo em Nova York se transformou a partir do 9/11, obviamente. No entanto, não foi só na cidade — foi no mundo inteiro também. Nos dias pós o 9 de setembro, viram-se gestos de solidariedade e gratidão com os paramédicos, bombeiros, hospitais, etc., com as famílias atingidas mais diretamente, e dentro das comunidades. Ao mesmo tempo, apareceram manifestações de intolerância religiosa e de preconceitos – atos de violência causados por medo ou ignorância passaram a ser comuns.
Ao mesmo tempo em que se falava muito em “globalização” na virada do milênio, sobretudo pelo impacto causado na sociedade pela tecnologia, ou mais especificamente, pela Internet, quando olhamos para trás, passados esses 20 anos, parece que o mundo caminhou para uma “tribalização”, onde tudo é cada vez mais radicalizado.
Quanto ao cheiro que falei acima, permaneceu por algum tempo e, mesmo tendo passado o aroma surgido naquela região, sou capaz de senti-lo com muita vivacidade, basta fechar os olhos. De minha parte, aquelas são cenas inesquecíveis, e sei que vou conviver com elas por toda a minha vida, seja o dia que for, não só no aniversário da tragédia.
Nesses anos, a cidade se recuperou, meus filhos cresceram, fiquei viúva, mudei-me de Manhattan, morei na Inglaterra, voltei pro Brasil, mas o 11 de setembro, de alguma maneira permanece em mim. Nova York, assim como o Rio, não deixa de ser também a minha cidade — é onde voltei a morar desde março deste ano.
Simone Klabin é carioca, advogada. No final dos anos 90, mudou-se para NY, onde viveu por quase 20 anos. Depois de um breve retorno ao Rio, em março de 2021, voltou a morar em Manhattan. Em 2018, publicou o livro “Food & Drink Inforgraphics: a Visual Guide to Culinary Pleasures”, pela editora alemã Taschen. Sempre foi apaixonada por História e Culinária, tanto quanto pelo Rio e NYC.