Supõe-se que os cientistas políticos andem mais estressados que os outros brasileiros, sem incluir aqui os 14,8 milhões de desempregados ou alguém de luto pela covid-19 (quando gente morta parece ser uma questão matemática) — esses certamente estão ainda pior. Os cientistas políticos são praticamente mais consultados que o Google em tempos de tanta instabilidade, turbulência, novidades diárias. Qualquer previsão futura acaba ficando incerta.
Para jogar luz nos últimos acontecimentos, conversamos com um dos principais, grande nome da área: Mauricio Santoro, professor do Departamento de Relações Internacionais da UERJ e autor do livro “Ditaduras Contemporâneas”, além de inúmeros artigos em jornais e revistas.
Como está a vida de um cientista político no Brasil?
Muito turbulenta. São crises semanais e com a sensação de que estamos desperdiçando muito tempo, muita energia em assuntos que não são verdadeiramente importantes. Há dias em que me sinto exaurido pela profusão de crises e emergências. A questão do voto impresso, do distritão, enquanto a gente deveria estar discutindo maneiras de fazer a transição para fora da pandemia, recuperar a economia, lidar com os problemas de todos esses meses parados na educação.
A PEC do voto impresso foi derrubada, mas você se surpreendeu com os 229 deputados a favor?
Foi uma quantidade maior do que eu esperava, mas isso mostra muito o quanto esse discurso do presidente em criticar a urna eletrônica, em jogar dúvidas sobre a efetividade funcionou. Esse discurso colou para uma parcela muito grande da população; então, isso se refletiu nessa votação da Câmara.
E o desfile de tanques militares?
Foi uma tentativa de colocar pressão nas Forças Armadas, de Bolsonaro dizer que eles estão do seu lado e que ele pode usá-las para pressionar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal – o que acabou tendo um efeito contrário: virou motivo de piada e chacota. Mas é muito grave o que ele fez e também como parte das Forças Armadas aceita ser manipulada dessa maneira e desempenhe esse papel. Não tivemos, desde a redemocratização, um presidente que fizesse algo parecido.
Acredita que ainda pode acontecer um impeachment?
Existe uma coligação de forças que permite que ele permaneça no poder, porque, para a oposição, é mais interessante deixar que Bolsonaro se desgaste mais e que isso seja resolvido com as eleições de 2022. Essa estratégia faz sentido do ponto de vista eleitoral, mas é muito grave se pararmos para pensar na situação do País hoje, dos impactos para a pandemia, de tudo mais.
Sabendo de tudo que está acontecendo, onde nós, brasileiros, estamos agora?
Estamos numa situação muito difícil e, quando a pandemia acabar, vamos ter um longo período de reconstrução do País. Vamos sair com mais de 600 mil mortos, e cada uma dessas pessoas deixou parentes e amigos. Então podemos imaginar que são milhões de brasileiros afetados, de maneira muito dura, com o peso desse luto. E temos aí toda a situação econômica, ou seja, vai levar muito tempo até recuperar aquilo que foi perdido. Na Educação, a situação também é muito ruim: os alunos ficaram meses sem aula, e os que foram para aulas online não tiveram estrutura adequada. Tudo isso vai deixar consequências, e são fatos muito graves. Vamos ter anos muito difíceis.
Existe saída para o cenário atual?
O mais urgente seria um plano de recuperação econômica voltado para áreas que empregam mais pessoas, mais intensiva em mão de obra, porque estamos com um nível de desemprego muito alto. As pessoas têm que voltar a trabalhar, ter uma renda e consumir – isso é o mais emergencial. Do ponto de vista da Educação, planos de reforço escolar para compensar o que foi perdido na pandemia. Eu tenho medo que muitas escolas e universidades acabem fazendo uma espécie de faz de conta, dizendo que esses dois anos de pandemia não tiveram efeito e que a vida segue como antes.
Como professor universitário, o que você tem visto?
A cada semestre, os alunos estão mais desanimados, mais desmotivados e com dificuldade de leitura e concentração. As consequências são muito ruins. No início, eles até estavam interessados, até mesmo pela novidade (usar o Zoom…), mas, quando os meses foram passando, aconteceu um desgaste muito grande. Eu também sou aluno, estudo idiomas online e sinto o quanto meu desempenho piorou.
E quanto às fake news, pode derrubar alguém?
Acredito que não. As eleições de países, como Inglaterra e Estados Unidos, foram muito disputadas, então o peso das fake news nesse resultado é uma discussão que está em aberto e talvez elas tenham alterado. No Brasil, a vitória de Bolsonaro foi muito expressiva em 2018 e não foi alterada por causa das fake news. Tivemos as eleições municipais no ano passado que já apontaram para um cenário mais normal, com a volta de políticos tradicionais, o eleitor preferindo um administrador experiente. É possível que em 2022 tenhamos algo nessa linha depois do desastre da pandemia. O peso das fake news está em estimular o extremismo, incitar a violência e a possibilidade de termos cenas em 2022, à semelhança do que aconteceu nos EUA no início do ano, com a invasão do Capitólio, em Washington.
A pandemia poderia ter sido diferente num outro cenário político?
A gente enfrentou essa pandemia no pior momento para o Brasil, ainda em meio a uma crise econômica, com cenário de instabilidade política. Se a pandemia tivesse vindo num momento em que o País tivesse um governo mais estável, uma economia boa, a gente teria enfrentado de outra maneira e não seria esse desastre. Muitas pessoas seriam salvas se tivéssemos, desde o início, uma resposta eficaz, um governo preocupado com a vacina. Em vez de 600, talvez tivéssemos 300 mil mortes, e isso pouparia muitas famílias.
Como você avalia a função da CPI da Covid?
São investigações que têm revelado muita coisa sobre o funcionamento do governo, sobretudo a corrupção das vacinas. Acho que é uma CPI que já abalou a estrutura de apoio ao presidente, inclusive, chegou às Forças Armadas, com muitos oficiais que estão envolvidos nas investigações e denúncias. Acho que até demorou para começar. Os efeitos estão se fazendo sentir.
Nunca existiu ou vai existir pena para políticos que estressam a população?
A grande pena é o poder do eleitor em escolher ou rejeitar determinados líderes políticos. Tem essa interrogação de como a pandemia vai mudar esse quadro, como os eleitores vão recompensar ou punir o desempenho dos políticos na pandemia. Só o futuro dirá.
E o Rio?
Acho que está bem na comparação nacional – muitas pessoas já foram vacinadas, e o Eduardo Paes é um prefeito que está no terceiro mandato, conhece muito bem as questões administrativas da cidade, tem uma base de apoio expressiva na Câmara dos Vereadores. Diria que, entre as grandes cidades brasileiras, estamos avançando bem.
numero:13 Qual o possível cenário em 2022?
Até lá, estamos tentando entender o que acontece, já que, a cada dia, tem uma crise nova. Estou muito preocupado com o Brasil. Infelizmente, o que estamos enfrentando é uma crise para ser resolvida em muitos anos. Confesso que estou num momento saudosista, pensando muito mais no passado, nas coisas boas que vivi, do que no futuro, que está me parecendo um momento de muitos desafios, muitas dificuldades e incertezas. Mas estou na expectativa de que vamos fazer uma transição para fora da pandemia nos próximos meses, que voltemos para uma vida normal em fevereiro, março de 2022, e que resolveremos todas essas dúvidas, incluindo uma resposta sobre o que vai acontecer com a variante Delta. Estou sentindo falta de pequenas alegrias cotidianas, como o trabalho, a convivência com os amigos, de circular pela cidade.
Existe chance de Bolsonaro se reeleger?
Muito difícil. A popularidade dele está em 25% e acho que ele tem até a possibilidade de perder no primeiro turno, o que seria uma coisa inédita para um presidente tentando a reeleição. O risco maior é que ele não aceite uma eventual derrota e crie um cenário de instabilidade e violência política, usando o artifício do voto fraudado e colocando militares e policiais nas ruas, essa base de apoio dele, e poderíamos ter um cenário desastroso.
E o Lula, tem chances?
Eu estava muito cético com a possibilidade da volta do Lula, mas foi impressionante ver como a rejeição diminuiu e como pessoas que eram críticas a ele ou ao PT passaram a apoiá-lo, porque acham que ele é a saída para que a gente se livre do Bolsonaro. Tenho visto isso no meu ciclo de amigos, família, do pessoal que odiava o PT, mas que vão votar no Lula não de fato que tenham mudado sua opinião sobre ele, mas que esse seria o voto de rejeição ao Bolsonaro. Isso ficou algo muito forte no Brasil. Ele é favorito para 2022, entendeu esse jogo, vem tentando se preservar, não tem falado muito nem entrado nas questões políticas porque está esperando 2022. Esse voto de rejeição foi o mesmo que elegeu Bolsonaro em 2018, porque as pessoas estavam cansadas do sistema político tradicional, mas esse voto acaba gerando uma liderança política muito frágil — seria melhor votar em políticos nos quais de fato as pessoas acreditam.